sábado, maio 16, 2020

O mundo não é capaz

6º domingo da páscoa

A primeira leitura deste sexto domingo do tempo pascal (At 8,5-8.14-17) nos leva a algumas indagações: Como e qual é a nossa atitude quando sabemos que um amigo ou conhecido está realizando algo com sucesso?

Caso a pergunta nos fosse feita, certamente responderíamos que nos alegramos com nosso amigo. Diríamos que torcemos pelo seu sucesso. Mas, lá no íntimo de nossa vida, será que não sentimos uma pitada de inveja? Muitas vezes perguntamos: Porque ele e não eu?

Não foi essa a postura dos apóstolos de Jerusalém, quando souberam do sucesso de Felipe. Pelo contrário. Alegraram-se ao ponto de lhe enviar reforços: “Os apóstolos, que estavam em Jerusalém, souberam que a Samaria acolhera a Palavra de Deus, e enviaram lá Pedro e João” (v 14).

Esse envio não foi por inveja, nem por desconfiança, mas porque Pedro e João seriam palavras solidárias e auxílio no avanço missionário. Os dois confirmaram o apostolado de Felipe e, graças a isso, os samaritanos “receberam o Espírito Santo” (v 17), assumindo a plenitude da fé cristã.

Essa plenitude tem como consequência o engajamento na ação evangelizadora. Não somente como pregação, mas como atitude cotidiana de guardar ou seguir os mandamentos de Jesus, como ele sugere: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14,15).

Quase como uma continuação do que os apóstolos realizaram na comunidade samaritana, inserem-se as palavras da primeira carta de Pedro (3,15-18).

Consciente de que os seguidores de Jesus poderiam ser questionados pelas autoridades por optarem e adotarem uma nova fé, Pedro orienta aos cristãos. Faz uma séria advertência dizendo que os cristãos devem estar “sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la pedir” (v15).

E qual a razão da esperança do cristão?

É uma só: a Paixão de Cristo. O cristão, acima de qualquer contratempo ou dificuldade, deve sempre se lembrar que “Cristo morreu, uma vez por todas, por causa dos pecados, o justo, pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus” (v 18)

Mas para isso existem alguns critérios. E um deles é a mansidão e o respeito, mesmo diante das difamações, a postura do cristão não é a da beligerância nem a vingança, nem a hostilidade, mas, tão somente, a mansidão e o respeito. A mansidão que implica em não cair no desespero e o respeito que consiste em não revidar agressivamente ao agressor.

Como o cristão pode assim proceder? Confiando no “Defensor” mencionado por João, no evangelho (14,15-21)

O Defensor prometido é um só: “o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber”. Defensor, Espírito de Verdade, Espírito de Amor… o Espírito Santo que, de junto do Pai, Jesus envia para e sobre aqueles que são capazes de guardar os mandamentos.

Em que consiste a guarda do mandamento?

Algumas pistas nos são dadas nas leituras deste domingo: ao ver o sucesso do outro, não devemos nos alimentar de inveja, mas nos enchermos de alegria e, sempre que possível, manter a disposição em ajudar para que esse sucesso seja ainda maior. Mas ajudar de forma desinteressada, pois quando o outro se eleva, somos elevados com ele.

Além disso, é necessário manter a mansidão e o respeito, pois o desespero não é um sentimento condizente com a fé cristã. O desespero é uma negação da esperança, que é o alimento da fé cristã.

E, por fim, manter-se aberto à ação do Espírito de Verdade que é a presença do próprio Deus em nós, uma vez que o próprio Jesus afirmou: “Não vos deixarei órfãos” (v 18). É isso o que diz o Senhor: “eu estou no meu Pai e vós em mim e eu em vós” (v 20), ou seja, somos um só corpo com Deus em nós.

Esse é o clima de sintonia que o mundo não pode dar, pois não conhece essa alegria, e por isso o mundo não é capaz de oferecer. Isso é dom de Deus.

Neri de Paula Carneiro

sábado, maio 09, 2020

Escolham entre vós

5º domingo da Pascoa

O tempo pascal é rico em exemplos de como deve ser nossa postura para vivermos como Igreja de Jesus. Na liturgia deste quinto domingo alguns desses exemplos podem ser notados.

O primeiro deles vem justamento da primeira leitura (At 6,1-7).

O número dos discípulos havia aumentado.

Mas por qual motivo?

O aumento se deu por conta da pregação dos apóstolos. Por isso não podem interromper a pregação e precisam de ajuda para suprir as demais necessidades da Igreja.

Os últimos acontecimentos, como comentavam os “discípulos de Emaús”, estavam fazendo com que as pessoas que viram ou ouviram sobre o que havia ocorrido com Jesus “profeta poderoso em obras e palavras” (Lc 24,19), estava provocando duas posturas, diante da pregação: muitos passavam a crer, devido à pregação dos apóstolos; e outros, principalmente entre os líderes dos judeus, ameaçavam os discípulos.

Mas entre os que abraçavam a fé também havia divisões: os de origem judaica sentiam-se ou queriam privilégios, com isso, os convertidos do paganismo e os pobres estavam sendo excluídos. E aqui está a primeira lição: não é o fato de estarmos numa posição privilegiada que nos autoriza a menosprezar ou excluir os demais. Nossa posição privilegiada, só tem sentido cristão, se nos colocarmos a serviço de todos. Esse é o sentido do diaconato, não só ter “boa fama” e ser “repleto do Espírito e de sabedoria” (At 6,3). Ser cristão, portanto, é ser servidor.

Como consequência desse primeiro ensinamento, vem o segundo, exposto na primeira carta de Pedro (2,4-9).

De quê se trata este novo ensinamento?

Aqui é feita uma proposta para que tomemos uma atitude: Qual postura assumir, diante da “pedra angular”, da pedra de apoio? (Cabe destacar que a referência à pedra é para lembrar a ideia de firmeza; a pedra proporciona sustentação e firmeza na construção). Jesus é a pedra porque somente d’Ele vem a segurança.

Aquele que não se apoia nessa “pedra”, nela tropeçará, cairá, será confundido e se perderá… Mas aqueles que se apoia na “pedra viva, rejeitada pelos homens (v4)”, esse não será confundido, mas poderá fazer parte da “nação santa”; sairá “das trevas para a sua luz maravilhosa.”(v9).

Um terceiro ensinamento nos é apresentado pelo próprio Jesus.

No evangelho de João (14,1-12), Jesus se apresenta como Caminho para o Pai. E aqui também temos duas posturas que nos convidam a tomada de posição a fim de nos definirmos diante do Senhor e do próprio Pai.

Uma é a postura de Felipe que, depois de tanto tempo de convivência, pede ao Senhor: “Mostra-nos o pai”.

Muitos de nós frequentamos a comunidade/Igreja, mas vivemos em nosso dia a dia como se Deus fosse somente uma ideia ou um ser distante; um ser com o qual se pode manter algum contato um dia por semana, na missa ou nalguma celebração dominical. E isso mostra que, de fato não o conhecemos pois Ele é uma presença constante e pede constância de nossa parte “a fim de que onde eu estiver estejais também vós” (v3).

Outra é a postura de Jesus, que convida a segui-lo, pois Ele é “o caminho, a verdade e a vida”. A fé nesse caminho, leva a verdade e quem segue a verdade de Jesus poderá conviver com Ele na morada por ele preparada: “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós” (v 2).

E a nós cabe procurar realizar as obras por ele ensinadas. E o critério para realizar essas obras é o ato de fé “quem acredita em mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores” (v12).

Mas, qual é a obra do Senhor?

A promoção da vida: “eu vim para que tenhais vida e vida em abundância” (Jo 10,1-10).

A nós, portanto, cabe escolher: Manter as aparências fazendo de conta que somos piedosos, pois frequentamos a casa de Deus; ou ajudar a promover a vida.

No começo da Igreja, os apóstolos sugeriram o caminho: “Escolham entre vós”… mas hoje, cabe a nós aprender os ensinamentos apresentados na pregação e no serviços desses homens sábios e piedosos.




Neri de Paula Carneiro

terça-feira, maio 05, 2020

À sombra da bandeira

Pode parecer antiquado, mas no tempo em que a gente estudava Educação Moral e Cívica, aprendíamos sobre os símbolos nacionais. Eles, muito mais do que o Brasil, representam o povo brasileiro. Dois deles são muito expressivos para nosso povo: o Hino Nacional e a Bandeira Nacional.

Basta ver os dias em que ocorrem (ou ocorriam) jogos da seleção brasileira. Há uma efervescência de sentimento de brasilidade que dá gosto de ver: os torcedores vestindo o verde-amarelo e fazendo coro ao som do hino nacional, no início do jogo. E mais ainda, quando a banda para de tocar, ao terminar a primeira parte do hino, a multidão do estádio continua cantando e balançando a bandeira… e em muitas residências pelo Brasil afora a bandeira e o hino repercutem o som do estádio.

É pleno o sentimento de brasilidade.

Também está presente, a bandeira e o hino, em inúmeras manifestações nas quais o povo, nas ruas, demonstra seu sentimento e capacidade de exercer a cidadania: cobrando direitos, propondo rumos, expondo mazelas do mundo político para as quais exige o cumprimento da lei e a punição dos bandidos disfarçados de representantes do povo.

É digno. É nobre. Nada é mais bonito que um povo espelhando-se em sua bandeira e a empunha para defender o pais, cantando o hino que representa a todos os brasileiros.

Hino e Bandeira que representa TODOS os brasileiros.

Hino e Bandeira que representa todos os BRASILEIROS.

Nosso hino e nossa bandeira, só a nós representam. Representam a nós que somos brasileiros.

Evidentemente outras nações são representadas por outros hinos e outras bandeiras, mas aquela verde, amarela azul e branca a nós representa; aquele tom marcial do “Ouviram, do Ipiranga”… é a nós que representa. Somos nós ali presentes!

E deixemos outros povos que sejam representados por outros hinos e bandeiras.

Mas existem pessoas, em nosso país, que nasceram aqui, vivem aqui… mas que reverenciam OUTRAS BANDEIRAS.

E não são poucas pessoas assim: Traidores da pátria!

Estou me referindo à manifestação do dia 03 de maio de 2020, em frente ao Palácio da Alvorada. Não é um simbolo nacional, mas é o centro político do país.

E nesse dia (3/5/2020) em frente ao Palácio, um grupo se apresentou como TRAIDORES DA PÁTRIA. Claro alguns deles empunhavam a bandeira verde-amarela. Mas não eram essas as cores que defendiam.

Quem viu a cena, na internet ou na TV, deve saber de que estou falando. Alguns dos manifestantes, dizendo apoiar o inominável presidente, empunhavam outras bandeiras. Alguns traidores disfarçavam-se de brasileiros, mas flamejavam bandeiras de outras nações.

Quem viu a cena, na internet ou na TV, deve ter percebido que entre as bandeiras do Brasil, alguns empunhavam a bandeira de Israel e dos Estados Unidos.

Mas o pior é que do lado de dentro do alambrado o presidente inominável se fazia acompanhar por três bandeiras. Um traidor, ao lado dos demais, carregava um estandarte com a bandeira de Israel e, no mesmo mastro, a dos Estados Unidos, ambas fazendo sobra para o presidente. E, carregada por uma criança, quase rastejando, a bandeira do Brasil.

Num ato de traição à pátria, aquele que se faz chamar presidente desfilou serenamente e ostentando um certo orgulho, à sobra da bandeira americana e da estrela de Davi, na bandeira dos judeus.

Que defensores da pátria são esses? Se é que defendem uma pátria não é a nossa verde amarela.

Que presidente é esse? Se fosse presidente do Brasil e, de fato, representasse a nação brasileira, não aceitaria uma bandeira estrangeira lhe fazendo sobra. Nem apresentaria continência à bandeira de outro país, como o fez tempos atrás.

É verdade o que os veículos de comunicação comentaram largamente: Essa foi uma manifestação antidemocrática, pois defendia o fim de dois pilares da democracia (o parlamento e o judiciário); e também atentando contra a constituição, pois instigava rebeldia e desobediência ao preceito da harmonia dos poderes. Mas a principal demonstração ali ocorrida foi uma ostensiva traição à pátria.

O presidente e seus animaizinhos amestrados não agem em defesa e pelos interesses do Brasil. Eles são ratinhos dos interesses dos americanos… e dos banqueiros judeus.

Em nome da democracia respeito e entendo aqueles eleitores que ajudaram a eleger esse presidente. A democracia só existe quando existem ideias e ideais distintos que dialogam e se respeitam. Mas não dá para entender como é que muitos continuam aceitando ser manipulados em defesa de interesses estranhos ao do povo brasileiro. Que continuem a ajudar no processo de instalação da crise.

É inadmissível que pessoas inteligentes e que buscavam alternativas para a moralidade do país, continuem aceitando ser usados ou apoiando iniciativas que estão dividindo o país.

Falam tanto, de forma meio anacrônica, contra o comunismo (saberiam me explicar o que é isso que tanto temem?), mas estão abrindo as pernas para outro demônio que se faz representar por uma bandeira com cores branca, vermelha e azul. Tanto temem o alegado “vermelho comunista”, mas aquele que os domesticou também ostenta o vermelho em sua bandeira.

Já que o presidente e seus “miquinhos amestrados” aceitam caminhar à sobra de uma bandeira estrangeira, vamos recuperar nossa nação e, cantando nosso hino, levantar nossa bandeira verde amarela, símbolo e sinal do povo brasileiro que somos nós. Mesmo com ideias distintas vamos nos unir em defesa do Brasil e do povo que o constrói cotidianamente.




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO

sábado, maio 02, 2020

Esse a quem crucificastes

4 domingo do tempo pascal


A liturgia de hoje pode ser vista como uma continuação do discurso de Pentecostes. Ela tem como pontos de reflexão, inicialmente a leitura de At 2,14.36-41, a continuação do discurso de Pedro.

Como é Pedro quem está com a palavra, ele começa com a acusação: “Esse Jesus, que vós crucificastes”.

Não foram os soldados, nem o império Romano dominador e explorador, que matou Jesus. Os causadores e promotores do seu assassinato foi a “casa de Israel”.

Isso ocorreu, entretanto não a partir e com base no poder dos homens, mas do próprio Deus, por isso Ele “o constituiu Senhor e Cristo”. Com isso o apóstolo está afirmando: vós o crucificastes, mas o dom de Deus supera suas mesquinharias, suas invejas, suas injustiças.

Pedro disse, com seu discurso, que aos algozes cabem duas opções: continuar a perseguir aos seguidores do crucificado, como o que fizeram vários judeus; ou entrar num processo de arrependimento e adesão, pelo batismo.

Aqueles que se arrependerem e aderirem ao projeto do Cristo terão como recompensa os dons do Espírito de Amor.

Mas, quais os critérios para o seguimento? Como devem se comportar aqueles que se arrependerem? Os critérios estão na segunda leitura (1 Ped 2,20-25).

Em sua carta Pedro oferece algumas diretrizes: “para isto fostes chamados”.

E o chamado é para suportar pacientemente as adversidades.

A paciência é o caminho para a vitória. Entretanto, uma coisa deve ficar clara: ser paciente, não é ser passivo. Ser paciente é preparar-se para ser instrumento da implantação das propostas do Reino, que consiste na justiça para todos. Ser paciente não é agir ou reagir pela violência. Ser paciente é colaborar com aquele que “julga com justiça”.

E a justiça para aqueles que se encaminham para o Reino não é a mesma dos homens maus. A justiça do Reino é a vida. E esse é o ensinamento de Jesus (Jo 10,1-10): ele veio para os seus com uma finalidade: “que tenham Vida em abundância”

A quem os Judeus crucificaram? Não foi a um malfeitor, pois se assim fosse, esse malfeitor não teria entrado pela porta, de modo que todos pudessem ver. O malfeitor vem sorrateiramente. Quando nos damos pela coisa, o malfeitor já está aí.

Jesus fez tudo às claras por isso ele é a porta… e também, o pastor a quem as ovelhas, que somos nós, seguem para as verdes pastagens.

Cabe ressaltar, ainda, que muitos se apresentam como se fossem o pastor, apontando uma porta falsa. Uma porta que não conduz à vida. Todos aqueles que se apresentam com boas e belas palavras, mas não oferecem “vida em abundancia”, não são nem a porta nem o bom pastor.

Quem não oferece vida em abundância é o ladrão: dos sonhos, das esperanças, da união… esse ladrão, na realidade, é a personificação do diabo, pois com suas palavras e gestos e falsas promessas não conduz à união da comunidade, mas leva à divisão e à morte.

Jesus é categórico ao dizer que “O ladrão não vem senão para furtar, matar e destruir. Eu vim para que as ovelhas tenham vida e para que a tenham em abundância".

Neri de Paula Carneiro

sábado, abril 25, 2020

Ao partir o pão

A liturgia deste domingo de Páscoa nos permite algumas linhas de reflexão.

Uma delas pode ser lida acessando o link: https://www.webartigos.com/artigos/atos-dos-apostolos-homens/13581. Trata-se de uma das aulas de um curso sobre os Atos dos Apóstolos.

Nesse texto podemos entender o discurso de Pedro dentro do conexo e da proposta literária do livro de Atos dos Apóstolos. E isso nos leva à conclusão de que Pedro nos confere uma missão: continuar a ação dos apóstolos, movidos pela ação do Espírito de Vida.

Outra linha de reflexão pode ser seguida a partir da leitura do Evangelho. E para esta celebração é escolhido o texto de Lucas 24, 13-35, também conhecido com episódio dos discípulos de Emaús.

Aqui podemos aprender com aquilo que se pode chamar de “pedagogia de Jesus”. O ressuscitado, primeiro se apresenta e indaga sobre o problema que aflige os caminhantes (v 17). E os discípulos apresentam a realidade, o problema que atinge ao grupo: a perda de um “profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e do povo” (v 19). Eles expressam sua tristeza e frustração pois esperavam que Jesus “fosse libertar Israel”.

Por sua vez, Jesus contextualiza sua atuação, seu ministério, sua missão a partir das escrituras: “explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito dele.”(v 27). E a ação de Jesus provoca a reação dos caminhantes: Jesus diz que vai adiante e eles argumentam com a hospitalidade: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” (v 29).

Ocorre, então a parte central desse discurso de Lucas: primeiro os olhos (o coração, a mente, a postura) dos discípulos se abrem no gesto de repartir do pão. Em seguida se dá a tomada de decisão “eles se levantaram” (v33) e partiram para o anúncio.

E o que foi anunciado? Jesus caminha ao nosso lado, ele se manifesta, se deixa reconhecer “ao partir o pão” (v 35).

A liturgia do terceiro domingo da Páscoa, portanto é um convite e um desafio: o discípulo é convidado a ser anunciador da Ressurreição. Proponente de uma vida nova!


Neri de Paula Carneiro

Pra quem governam os governantes?

Quando nos deparamos com situações críticas, invariavelmente nos perguntamos: o que o “governo” vai fazer para resolver isso?

E o governo, no caso, tanto pode ser municipal, estadual ou federal. Tanto pode ser o executivo como o legislativo: é o governo, pois esses dois poderes não agem isoladamente. E, quando o fazem, aprontam lambança. Mas também fazem lambança, e as vezes maiores ainda, quando agem um contra o outro, como tem ocorrido ultimamente.

O princípio democrático, emanado de nossa constituição diz que os poderes agem, ou devem agir, em defesa dos interesses dos cidadãos. Quer dizer, tudo que qualquer integrante do poder público fizer, deverá ser para atender a essa regra básica atender ao bem do cidadão. E quando não atendem a esse princípio, estarão, não só ofendendo a lei, mas principalmente negando-se a si mesmo.

Isso implica dizer que qualquer representante do poder público que deixa de cumprir a lei ou nega-se a si mesmo, não só está se condenado ao fracasso em reação à sua razão de existir como também perde sua condição de representante do povo.

Esse princípio nós o aprendemos com Aristóteles, pesador grego que viveu no seculo IV aC. No seu livro “Política” (Livro III, cap VI), faz o seguinte comentário:

“Antigamente, como é natural, cada qual se alternava nos cargos; então, alguém que estava ocupando uma magistratura olhava pelo interesse de quem não estava, o qual, igualmente, olhava pelo interesse dos outros quando estivesse ocupando uma magistratura. Mas, atualmente, com o objetivo de obter vantagens no exercício dos cargos, os homens querem conservar esses cargos para si, como se o fato de continuar os ocupando lhes conferisse saúde”.

E o filósofo grego completa:

“Os governos que têm em vista o interesse comum estão constituídos em conformidade com os princípios da justiça e, portanto, estruturados corretamente, mas aqueles que têm em vista apenas o interesse dos governantes são todos falhos e formas desviadas das instituições corretas”.

O que esse discurso de 2400 anos tem a nos dizer? Qual a repercussão disso em nosso momento atual de enfrentamento da COVID 19?

Trada-se de algo muito simples! Trata-se de analisarmos os comportamentos e posturas daqueles a quem chamamos de prefeitos, governadores, presidente e, evidentemente seus correspondentes do legislativo. Trata-se de olharmos o que esses personagens estão fazendo e a partir do que fazem respondermos a pergunta título desta fala: Pra quem governam os governantes?

Em nível nacional vemos o presidente pisando na bola, nadando contra a corrente e entrando em confronto com as orientações da ciência médica. E, com isso, se conflitando com o legislativo. O que, um e outro, pretende com essa postura? Essa postura trará algum benefício, para o povo? Qual? Essa postura pretende melhorar a vida do povo ou tirar proveito da situação?

A mesma indagação vale para o nível estadual e municipal. Num e no outro níveis, não vemos a preocupação de atender às necessidades do povo mas, a partir de várias circunstâncias a preocupação de tirar vantagem da executivo e legislativo, cada poder tentando dizer que está fazendo o melhor para o povo, mas a população continua sem ser beneficiada com esse “melhor”. Então volta a indagação: para quem estão governando?

Muito mais do que as lições de Aristóteles, de 2400 anos, ao que nos parece os homens do poder estão seguindo as lições mais nefastas de “O Príncipe” de Maquiavel (cap VIII), uma vez que “suas ações resultaram, como acima se disse, não do favor de alguém mas de sua ascensão na milícia, obtida com mil aborrecimentos e perigos, que lhe permitiu alcançar o principado e, depois, mantê-lo com tantas decisões corajosas e arriscadas. Não se pode, ainda, chamar virtude o matar os seus concidadãos, trair os amigos, ser sem fé, sem piedade, sem religião; tais modos podem fazer conquistar poder, mas não glória.”

Esse panorama das posturas daqueles que chegaram ao poder, para governar ou legislar, nos sugere que esses personagens são grandes dissimuladores. Ou seja: dizem aquilo que o povo quer ouvir, a fim de se elevar ao poder, mas no momento em que o povo se encontra em dificuldade seu líder será o primeiro a explorá-lo. E, outra vez, a lição foi aprendida com Maquiavel (cap X): “Mas é necessário saber bem disfarçar esta qualidade e ser grande simulador e dissimulador: tão simples são os homens e de tal forma cedem às necessidades presentes, que aquele que engana sempre encontrará quem se deixe enganar”

Diante ou em meio a uma situação crítica e frente a indagação popular: O que o “governo” vai fazer a respeito? A resposta está na experiência de anos de sofrimento: diante da crise o governo (legislativo e executivo) vai ludibriar o povo e aproveitar-se da situação.

Que resta ao povo?

Que podemos dizer?

Em tempos de Pandemia, o que resta ao povo é seguir os ditames da sabedoria e precaver-se contra as artimanhas do poder. O poder se disfarça para não manifestar seus interesses inconfessáveis. Por seu lado, neste caso, a sabedoria vem da ciência.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO

sábado, abril 11, 2020

Ele Ressuscitou!

Vendo o entardecer e o sol se pondo, penso nas mulheres que acompanharam Jesus.

Sua agonia na sexta feira, vendo o mestre ser executado. O desespero durante todo o sábado, querendo crer, mas ainda na incerteza: Mataram o senhor!

Elas sabem pois viram isso acontecer.

Finalmente o sábado está findando. O dia consagrado a Deus está chegando ao fim… Mas em seguida vem a noite… e será mais uma noite de inquietação.

Possivelmente elas nem dormiram à noite, preparando-se para o ritual do último encontro.

Eis o que nos dizem os quatro evangelistas:

Mc 16,1: Passado o sábado, Maria Madalena e Maria, a mãe de Tiago, e Salomé compraram perfumes para embalsamar o corpo de Jesus. 2 E bem cedo no primeiro dia da semana, ao raiar do sol, foram ao túmulo.

Mt 28,1: Depois do sábado, ao raiar o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro.

Lc 24,1: No primeiro dia da semana, bem de madrugada, as mulheres foram ao túmulo, levando os

perfumes que tinham preparado.

Jo 20,1: No primeiro dia da semana, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, Maria Madalena foi ao túmulo e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo.

Os mesmos quatro evangelistas dão a notçia em primeira mão:

Mc 16,6: O jovem lhes disse: “Não vos assusteis! Procurais Jesus, o nazareno, aquele que foi crucificado? Ele ressuscitou!”

Mt 28, 5: Então o anjo falou às mulheres: “Vós não precisais ter medo! Sei que procurais Jesus, que foi crucificado. 6 Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito!”

Lc 24,4: dois homens com vestes resplandecentes pararam perto delas. 5 Tomadas de medo, elas

olhavam para o chão. Eles, porém, disseram-lhes: “Por que procurais entre os mortos aquele que

está vivo? 6 Não está aqui. Ressuscitou! Lembrai-vos do que ele vos falou”

Jo 16,16: Então, Jesus falou: “Maria!” Ela voltou-se e exclamou, em hebraico: “Rabûni!” (que quer dizer: Mestre). 17 Jesus disse: “Não me segures, pois ainda não subi para junto do Pai. Mas vai dizer aos meus irmãos: subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”. 18 Então, Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: “Eu vi o Senhor”

Aquelas mulheres, também estavam com medo dentro de suas casas. Mas no desespero, no medo e na incerteza, tiveram um lampejo de esperança: Ele ressuscitou!

Podemos dizer que está é a mensagem neste entardecer do Sábado Santo: Ele ressuscitou!

Então comemoremos: Ele Ressuscitou!




Neri de Paula Carneiro

sexta-feira, abril 10, 2020

Sexta Feira Santa

Não é só dia de jejum. É também dia de nos darmos conta de que Jesus não sofreu somente há 2000 anos, mas continua sendo crucificado nos dias atuais:

por nós, quando não somos solidários para com os que precisam de nós;

pelos políticos, quando enganam e roubam do povo;

pelos magistrados, quando encontram brechas na lei e usam a lei para não fazer justiça;

pelos pais e mães, quando deixam de estabelecer limites aos filhos e eles crescem sem se importar com o “outro”;

pelos jovens, quando consideram mais importante a “curtição” a “balada” do que o estudo e a atenção aos pais…

Sexta Feira Santa é dia de revermos nossas atitudes.

Sexta Feira Santa é, sim o dia de celebrar o Senhor Morto, mas também de percebermos em quais situação o estamos matando hoje.

Na Sexta Feira Santa celebramos o Senhor Morto, mas essa celebração deve ser um convite a nos prepararmos para superar nossas mortes de todo dia e nos encaminharmos para a vida nova na Páscoa definitiva.

E isso tem que ser pensado, principalmente nestes tempos de quaresma/quarentena de recolhimento religioso e de preservação da saúde.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador.

Rolim de Moura - RO

Pensando o Domingo de Ramos

O Domingo de Ramos nos provoca a compreendermos o sentido da Semana Santa. E a primeira coisa que podemos nos lembrar é que a Semana Santa começa com o Domingo de Ramos.

Outro elemento importante a termos presente é o fato de que Domingo de Ramos e Sexta Feira Santa são dois momentos extremos e opostos da vida de Jesus e coloca em evidência nossas reais atitudes em relação a Jesus: No domingo o acolhemos com ramos e festa. Na sexta feira o crucificamos.

Mais um ponto que podemos refletir diz respeito ao que estamos vivendo atualmente, nesta situação de confinamento (prevenção contra o corona vírus). Podemos nos propor a fazer desta semana uma espécie de retiro espiritual de forma a possamos rever, avaliar e buscar novas atitudes a fim de que nossas vidas melhor se encaixem ao plano de Deus.

Podemos, além disso, da mesma forma que se faz no Natal, colocarmos ramos em nossas portas, como que sinalizando para que Jesus, ao passar, montado no jumentinho se digne a visitar nossas famílias.

Mas essa visita não pode ser gratuita. Ela deve nos comprometer a seguir seu exemplo e por em prática os seus ensinamentos. E que isso não aconteça somente na Semana Santa, mas em todo o resto de nossas vidas.

E assim, cada família em sua residência pode dar um novo sentido à vida comunitária, pois estar juntos nem sempre é estar no mesmo ambiente. Estar juntos é caminhar na direção da construção de um mundo melhor.

Talvez este isolamento seja o melhor momento que já tivemos para passar a limpo, não só nossa vida, mas também o mundo em que estamos inseridos.

Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador.
Rolim de Moura - RO

terça-feira, março 31, 2020

Mensagem dos últimos tempos

Não fazem muitos dias e ainda estávamos no final de 2019, fazendo planos para 2020… Festas, fogos… frivolidades… mas, também, sonhos!!!

E o que sonhávamos?

Mais conquistas financeiras. Melhores oportunidades de trabalho. Aumentar a renda familiar. Comprar isto ou aquilo; isto e aquilo… Novos amores ou reforço nas relações já existentes… e a lista se sucedia… cresciam com pedidos de mais coisas; quase não nos dávamos conta da importância das pessoas.

Aliás, das pessoas queríamos o número ou canal de acesso a uma rede social. Queríamos a conexão, mas não a relação… a não ser que a relação fosse virtual… (virtual, de virtus, do latim, que significa algo relacionado com força; mas queríamos a força do canal e não uma relação pessoal forte). Nisso residia o fato!

Qual fato?

O fato é que nessa altura das nossas relações, já estávamos isolados… cada um no seu mundo de teclas ou de tela sensível ao toque. Nem nos namoros o toque estava tendo espaço, perdendo para a tela fria. Não poucas vezes vi casais, lado a lado, em vez de trocarem beijos e abraços, cada um tocava a sua tela insensível… e eu, a observar, me dizendo: numa relação a dois existem coisas melhores de serem tocadas, apertadas, acariciadas… numa relação a dois tem algo muito melhor a se fazer…….

O fato é que o ano começou. Os sonhos foram se assentando na poeira do tempo e a realidade se impondo. E as notícias de um país distante com um problema sério(?) mal chamavam nossa atenção. Era do outro lado do mundo!!! Mas as informações nos chegavam pelas telas e jornais.

O fato cresceu. Multiplicou-se. Alastrou-se. Aproximou-se. Chegou ao nosso quintal. Instalou-se e está aí. E o fato, notícia da China, não era mais só negócio da China. Era o medo se instalando. Era o medo já instalado. E alastrado pelas telas e teclados. Mas ai já era somente coisa das elites.

O fato trouxe incertezas. Trouxe discussões e divergências. Muitos tinham muito a dizer, mas poucos atinavam, exatamente, sobre o que era essa ameaça. E o medo se alastrou, muito mais rapidamente que o vírus temido. E algumas máscaras começaram a cair. E as pessoas instaladas em seu mundo, individualista e individualizado, sentiram que algo diferente (terrível) pairava no ar ameaçadoramente! Algo, não só grandioso, mas principalmente fora de controle, havia se instalado. E os dedos, mais do que o cérebro, buscavam informações nas telas. Mas a rede não apresentava a certeza buscada! Ampliava as incertezas. E alguém resolveu andar na contramão dos fatos. Alguém que, iludindo uma minoria, se fez um presidente que mente.

O fato e o fake apareceram em informações desencontradas, contraditórias; notícias falsas ganharam mais atenção que as supostas verdades… ambas alarmantes! O mundo estava enfermo. Fica em casa. Vai pra rua! Fica em casa ou vai pra rua? A ciência diz fica. A arrogância, na forma de uma marionete do capital diz vai… A sapiência recomenda prudência, pois a incerteza é maior que os interesses empresariais.

O fato das notícias de mortes do outro lado do mundo, não nos afligia, eram só notícias. Trágicas, mas só notícias, como outras tantas de tantas tragédias, que lamentávamos, mas não nos diziam respeito. Mas as mortes começaram a dançar não só no outro lado do mundo, mas também nos quintais dos vizinhos. E entrou pela porta das elites e invadiu nosso quintal.

O fato é que ela chegou. Inicialmente coisa das elites. Mas assustou as periferias. Se não havia hospitais para as elites qual vai ser o impacto no chão do povo? E o medo produziu o isolamento. E as pessoas, abraçadas com seus aparelhos de comunicação que gerou distanciamento, descobriram a necessidade do outro; e o aparelhinho maldito ganhou nova finalidade: buscar notícias; enviar mensagem de otimismo.

O fato é que até as igrejas se esvaziaram. Mas as preces se irmanaram. De uma lado a prece da ciência: enquanto manipula as pipetas, o microscópio, os reagentes e outros aparelhos, pede ao Onipotente que lhe ilumine as buscas. A sapiência da ciência também é dom do Espírito. Do outro lado a prece que se desenvolveu do medo e da esperança popular. E as preces do povo dizem e pedem para que as autoridades deixem as picuinhas e seus interesses pessoais e se concentrem no interesse do povo; para que o presidente desça de seu ego maldito, deixe de ser lacaio dos empresários e banqueiros e olhe para os interesses e necessidades do povo; para que os veículos de comunicação e notícia deixem de atender aos seus interesses publicitários prendendo a atenção do povo com notícias sensacionalistas e se concentrem em dizer e divulgar verdades; para que os legisladores deixem o medo do presidente e façam algo pra colocar o Brasil nos trilhos, na direção das necessidades do povo.

E agora que o vírus começa a descer das elites e a fome começa a se instalar, o povo quer saber a quem recorrer?

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador.

Rolim de Moura - RO

sexta-feira, março 27, 2020

EM QUARENTENA: TALVEZ...

Em nosso tempo, o tempo que nos cabe viver, ocorreram e continuam acontecendo coisas assombrosas.

Quem é do meu tempo deve lembrar de como vivíamos e de coisas que usávamos, meio século atrás: toca disco, rádio “de pilha”. Cerveja em garrafa de 600 ml. Bailes, tocados por conjuntos ou bandas, ao vivo. Caso fossemos para o interior, onde não havia “luz elétrica” e, evidentemente, também não havia geladeira (aqueles que a possuíam a faziam funcionar com base num motorzinho a querosene) observaríamos uma simples e eficiente técnica de conservação de carne: salgá-la e deixá-la secando ao sol, para depois ser guardada. Em muitas casas a carne de porco passava por outro processo: toda ela era colocada num taxo, fritada e depois guardada em latas com banha... uma delícia…

Mas o tempo passou.

E chegamos ao nosso tempo. Ao mundo atual. Tudo rápido. Digital. Controlado remotamente. Por controle de voz. Por sensor de movimento.... E o passo seguinte já sendo dado: Quase tudo sendo assumido pelos sistemas de inteligência artificial.

Naquele tempo era tudo mecânico. Não dava para trocar um disco de vinil remotamente. Era necessário levantar do sofá. Pegar o disco. Virá-lo e, com muita delicadeza, recolocar a agulha do braço do toca-discos no início para tocar as quatro, cinco ou seis músicas do LP. E depois trocar novamente…

Atualmente, se quisermos, podemos fazer uma play list, com trezentas ou quinhentas músicas que se sucedem com um único toque de start.

E as comunicações, então… As notícias de quem morava longe, iam ou chegavam, por meio das cartas. E como demoravam. Claro, alguns tinham telefone em casa: pedia ligação para a telefonista, que discava e chamava o número desejado. E quando tudo corria bem a pessoa, do outro lado atendia. Depois veio o DDD...

Mas tudo isso é passado. Nostalgia, para alguns. Alívio para outros. Mas é passado!

O fato é que nesse último meio século tudo mudou. Virtualizou-se. Tornou-se Infotecnovitual. Tudo é fácil e acessível ao toque de um botão.

Resultado?

Nos distanciamos. Mesmo morando na mesma casa, quase não nos encontramos: de casa para o trabalho, do trabalho pra outra atividade… e sempre correndo… e sem tempo… e sempre atrasados… e sempre cansados…

E quando chegamos em casa, cansados, estressados, irritados com as dificuldades do dia mal vivido, mal temos tempo para um banho e queremos repouso. E os problemas domésticos se avolumam. E a família entra em crise. E a sociedade perde o rumo… ou os valores...

Num mundo de comunicação, não sabemos nada de quem está ao nosso lado. Num universo que exige intensa interatividade no trabalho, vivemos isolados. Num período de múltiplas facilidades nos atrapalhamos com coisas simples…

E, de repente, somos atropelados por uma crise que implode nossas crises anteriores: nos dizem que devemos permanecer em casa. Pior ainda: temos que ficar em casa e conviver com nossa família. E, o terror disso tudo: os pais se vêm obrigados a conviver com os seus filhos!!!

Poucos dias antes as escolas, os cursinhos, as babás, os cuidadores… eram obrigados a suportar nossas crianças, suas birras, suas malcriações, sua falta de limites…

Mas, de repente, caiu sobre todos essa loucura que é um “toque de recolher”. E as crianças não podem azucrinar os “terceirizados” pois não podem sair de casa. E, depois de quase meio século de descaminho, os pais estão sendo obrigados a cuidar de seus filhos… Tão verdadeira é essa situação que uma professora, fez esta perfeita observação: “é bom não ter aula por uns dias. Só assim, dentro de uma semana, uma mãe desesperada vai encontrar a cura para o coronavírus

Mas o drama da quarentena, pode nos permitir outras observações. Que fazer, se não temos nada pra fazer? Certamente muitas discussões e brigas acontecerão no espaço doméstico. Famílias inteiras terão que se suportar por alguns dias, no mesmo ambiente que já foi um lar. Pais e filhos e esposos terão que se olhar todos os dias, sem a desculpa de “sair para o trabalho”.

Essa pandemia está fazendo com que as pessoas se olhem no espelho. E, além de nos colocarmos diante do espelho, seria importante nos perguntarmos: quem é esse que vejo em minha frente?

Talvez, depois de alguns dias de confinamento, mirando-nos no espelho de nossa família, possamos repensar nossas vidas. Nossas relações. Nossas opções.

Talvez, com esse drama, quase de ficção científica, consigamos reaprender, coisas simples como: o sentido da solidariedade; a importância dos aparelhos de comunicação, atrás dos quais passamos parte de nossa vida nos ocultando; o real sentido de um aperto de mão, de um abraço, de um beijo…

Talvez, quem sabe, a sociedade em que estamos mergulhados, redescubra o significado de solidariedade. Quem sabe seja possível redescobrir que os aparelhos de comunicação não existem somente como esconderijo...

Talvez essa catástrofe nos permita perceber a insignificância e a grandeza do ser humano. Tão insignificante somos que um minúsculo ser nos encurrala a todos dentro dos nossos medos. Tão grandioso ao ponto de inúmeros profissionais da saúde, entre outros, se sacrificarem em socorro de tantos.

Talvez, diante desse mal, mais assustador que efetivo produtor de males, a humanidade se reconduza na direção do encontro: do outro, da família; podem ocorrer auto-encontros. Mas também é possível que os mandatários das nações descubram o verdadeiro poder da tirania e a exerçam sobre os povos, com mais requinte e maldade que atualmente.

Em nosso tempo, o tempo que nos cabe viver, parece que estamos recebendo uma nova oportunidade, como se nos fosse apresentada uma nova arca, em um novo dilúvio… Mas também pode ocorrer que afundemos junto com a arca da salvação...

Talvez…




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO

sexta-feira, março 20, 2020

"O dia em que a terra parou"


“No dia em que todas as pessoas do planeta inteiro resolveram que ninguém ia sair de casa. Como que se fosse combinado, em todo o planeta. Naquele dia, ninguém saiu de casa, ninguém”

Esse discurso, entoado numa melodia, profético, de Raul Seixas, acabou não sendo um dia, mas uma sucessão de dias e semanas… Mas a terra parou…

Quer dizer, não parou, assim paradinho sem se mexer. Mas parou.

Não porque deu a louca no mundo. Na verdade o mundo já estava enlouquecido havia muito tempo. Mas o mundo parou.

Não por um evento gigantesco, fantástico; nem por algo maravilhoso, nem catastrófico; também não foi por causa de invasão alienígena, como apregoaram todos os filmes de ficção sobre alienígenas invasores. Também não ocorreu um fenômeno apocalíptico, como crê, quem crê no apocalipse da bíblia… mas o mundo parou.

Bem, na verdade não foi exatamente como gritou, cantando, o velho Raul. Mas quase tudo parou.

Ao paciente o doutor mandou ficar em casa, por isso, também ele não estava lá… Nas igrejas, os fiéis não estavam lá, pois Deus não faz milagre onde cabe ao ser humano realizar; no trabalho, não estavam lá os trabalhadores; nas escolas, os estudantes não estavam e o professor não estava não porque não havia nada pra ensinar…o que não havia era como, pois ensinar havia o quê. Só que o mundo parou.

Não parou tudo porque o médico sabia que não sabia como curar, por isso não parou. Então alguns estavam lá. O doutor porque sabia que tinha muito para curar. A dona de casa, pois sabia que tinha que buscar o “de comer”. O guarda estava lá pra assegurar as condições de segurança, tanto de quem estava como de quem não estava lá….

Ela também não parou. E se alastrou. Circulou o mundo que não queria ou não sabia parar; ou havia perdido o freio e corria ladeira abaixo.

E foi assim quando ela se apresentou. Veio de avião. Não veio pelo chão, por onde pisa o povo, pisando a estrada por onde vai para o trabalho. Ela veio pelos ares que todos respiram. Sem ser vista, entrou pelos olhos, pela boca, garganta… foi sufocante.

Matou muitos. Não de alegria, pois não houve festa, mas de dor; da dor de não poder respirar; da dor de não ter remédio pra curar. E os que viveram, ficaram lá… parados, sem saber o que fazer; o quê dizer?

Ela chegou, doença maldita, e se instalou; e fez tudo parar. Pretendeu matar a tradição, pois elegeu os anciões.

Chegou com um nome pomposo: Corona.

Coroa, não de rei, mas de um vírus. Veio coroar um tempo… quando ninguém mais tinha tempo pra nada, nem para os amigos, nem para a família, nem pra morrer, menos ainda para viver… nem para Deus sobrava tempo! Até tempo para o trabalho quase não se tinha mais, pois a tarefa de hoje, “era pra ontem”, tal sua urgência. Tudo uma só correria. Um mundo de velocidade, no qual até os segundos tiveram que ser esquartejados em milésimos e milionésimos…

Rapidez, velocidade, dinamismo… as palavras que definem o mundo em que ela chegou… e fez tudo parar.

O Raul, em 1977, terminou seu brado, cantando: “Essa noite, eu tive um sonho de sonhador, maluco que sou, acordei”.

E nós? Não acordamos. Continuamos confusos e confundidos. Perdidos: para onde ir, Se tudo está parado? Pra que ir, se tudo está contaminado?

Estamos parados, sem saber o que fazer. Abestalhados, sem saber a quem recorrer. Abandonados, sem um sistema pra nos proteger.

Quando passarem os dias, que não se sabe quantos serão, alguém vai escrever a história. E nessa história não haverá espaço para os heróis, não que eles não tenham existido. Na hora de fechar o balanço, eles aparecerão. Mas terão sido anônimos. Como são todas as multidões que não se furtam em fazer algo para superar as dores.

Se não houver nomes dos heróis, sobrarão narrativas sobre os desencontros de informações. Sobre os vilões da história, que serão vilões não por serem vis, mas por que não estavam à altura das respostas exigidas e pelas tolices afirmadas.

Talvez, então, ao final do drama, tenhamos aprendido algumas lições: o lugar e a vez de valorizar quem realmente importa; descobrir quem realmente importa, não porque é um figurão, mas porque está ao nosso lado; descobrir o valor do tempo, não o do relógio, mas o de ficar do lado de quem é importante pra nós.

Talvez, então, quando este inferno passar, tenhamos aprendido a lição com o velho Raul. Então veremos que o “patrão” não é mais importante que o “empregado”, pois ambos existem em função do trabalho para todos. O guarda não terá mais razão de existir, uma vez que o ladrão também não haverá, pois os que hoje roubam nos gabinetes da politica ou nas esquinas terão aprendido a lição da solidariedade.

Talvez, então, já acordados, como o velho Raul, não tenhamos necessidade de ouvir os sinos das igrejas, pois elas deixarão de ser importantes, pois importante é o ser humano, esse sim, amado por Deus.

Talvez, então, tenhamos aprendido a lição e saberemos quão importante é o professor, não para ensinar, pois as informações já estão na rede, mas para ajudar a trilhar o caminho da sapiência. E não teremos mais espaço para os ridículos comandantes, nem para tolo soldado, pois já não seremos inimigos. E, nesse dia, estaremos curados. E, desse dia, não precisarmos acordar, pois nosso sonho já não será sonho.




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO

sexta-feira, março 13, 2020

Depois do Dia dos Pais

Ontem foi dia dos pais.

Propositadamente não expressei congratulações a nenhum dos pais que conheço. Não que não mereçam. Pelo contrário.

Sei que merecem!

Sei, também, que não são poucos os filhos que se preocupam, cuidam e mesmo à distância convivem cotidianamente com seus pais, com suas mães, com seus filho... e com todos aqueles que precisam de sua mão amiga ou de sua palavra de apoio... Filhos com toda a extensão e profundidade que essa palavra pode expressar e significar. Aqueles filhos que, orgulhosamente, enchem de orgulho o coração dos pais e os fizeram pais, visto que somente a existência do filho gera o pai.

Sei que esses filhos usam, também, o dia dos pais para expressarem sua dedicação e gratidão filial.

Sei de tudo isso.

Mas sei, também, que os outros filhos não são assim.

Sei que só lembram de seus pais porque a loja de presentes, a perfumaria, a loja de confecções... a mídia, enfim, os força a provar sua ausência dando um presente compensatório. Um presente que só satisfaz a loja que vende, pois não preenche a ausência de uma vida de indiferença.

Por isso, hoje, não estou aqui fazendo minha homenagem tardiamente.

A real homenagem não se expressa com palavras, presentes, propostas de almoço ou jantar... A verdadeira homenagem, que enche o pai de orgulho – e não seus olhos de lágrimas por conta do descaso – somente acontece na cumplicidade que ocorre no cotidiano ao longo dos demais dias do ano. Ocorre como se dá a sucessão dos dias, invariavelmente um dia seguindo ao outro, com a brandura de um entardecer e a esperança do raiar do dia...

Entretanto, vai aqui minha homenagem... não aos pais, que já foram ontem superficialmente homenageados pelos filhos relapsos. E se foram lembrados ontem, não precisam de minha homenagem hoje, atrasada.

Também não estou homenageando aos pais que são constantemente presentes na vida de seus filhos. Estes já são honrados cotidianamente; e a minha homenagem, a estes, somente no dia dos pais, poderia soar falsa. E seria ainda pior no dia seguinte!!!

Faço, portanto, homenagem aos filhos!

Minha homenagem é dedicada aos filhos! Mas somente àqueles que durante todo o ano honram seus pais, como ensina o mandamento divino.







Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador.

Rolim de Moura - RO

domingo, março 01, 2020

Abacaxi ou abóbora?

Você já se deu conta de que a escola é um espaço onde são cultivados, entre outras coisas abacaxis e abóboras?
Se você é professor ou estudante ou pai ou simplesmente uma pessoa que gosta de entender as coisas, acompanhe meu raciocínio para perceber que, efetivamente, na escola cultivamos muitas coisas. Entre elas abacaxis e abóboras... Explico-me!
O que é uma abóbora? O que é um abacaxi?
Comecemos com os abacaxis. Aparentemente são futas charmosas. Dá até para fazer uma batidinha de abacaxi. Mas como nosso tema, aqui, é escola, então deixemos as batidas pra lá, pois alguém poderia dizer – algum leitor mal intencionado – que estou advogando o uso da palmada para promover um processo mais producente de educação.
Mas fiquemos com o abacaxi!
Comecemos, então, dizendo que o abacaxi é um fruto que parece rei, mas não tem majestade. Pensa que sua coroa é importante e lhe confere nobreza, mas, na realidade, só serve para cumular água, cocô de passarinho, sujeira e insetos. Abacaxi tem coroa, mas em vez de desenvolver a nobreza, desenvolve espinhos. Se você gosta de abraçar, não vai conseguir abraçar um abacaxi: ele é espinhento. É um tipo que só sabe espetar. E suas mudas, seus filhotes, são tão agressivos quanto os pais: já nascem com espinhos.
O abacaxi, com seus espinhos, é cheio de não-me-toque-não-me-rele. Seu crescimento é lento – e tem alguns deles que nem crescem – e cada pé só dá um fruto. Na feira, por vezes você precisa comprar três ou quatro pra valer um. Seu fruto é ácido e provoca afta em algumas pessoas.
Claro, tem gente que gosta, mas apareceu um problema já nos lembramos: é um abacaxi! É verdade que se pode fazer doce de abacaxi, suco de abacaxi, caipirinha de abacaxi, torta de abacaxi. Dá pra fazer muita coisa de abacaxi, mas não dá para abraçar um abacaxi... e ele cresce muito lentamente... o abacaxi é lento! Vai mais de um ano entre a produção da muda, seu plantio e a produção do fruto. É muito lento...!
E a abóbora?
É bem diferente! Ela não goza de muito status, mas convence pela simplicidade!
Observemos a abóbora em todo seu ciclo, começando com a semente.
A semente germina já crescendo e produz muito: O pé de abóbora produz pela vida inteira. Só para de produzir quando morre. Cresce para todos os lados e quanto mais cresce mais floresce. É verdade que nem todas as flores produzem abobrinha, mas elas atraem borboletas e outros insetos para polinização. O importante é que existem as flores que produzem abóboras. E cada rama produz muitas flores e frutos e mais ramas e mais flores e frutos e muita gente e animal pode se alimentar com eles. E cada abóbora produz centenas de sementes que podem gerar muitos outros pés de abóbora.
O interessante é que cada abóbora tem seu dinamismo próprio: com ela se pode fazer doce, salada, cozer com carne ou de outras formas: é alimento para qualquer situação ou gosto e tem funções benéfica para os intestinos...
Além disso, de qualquer pé de abóbora se pode dizer que é carinhoso, pois sai por aí abraçando tudo que encontra pela frente; e sempre enlaça num abraço produtivo. Mas o importante disso é que a abóbora cresce sempre; é sempre produtiva e altruísta...
A escola, portanto, é um campo em que se cultivam abacaxis e abóboras. Entretanto não sabemos quem é o quê. Mas sabemos que nossas aulas se dirigem a abacaxis e abóboras. Em nossas aulas estamos laçando o adubo... cultivando abóboras e abacaxis...

Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Rolim de Moura – RO.

Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...