quarta-feira, maio 31, 2023

Santíssima Trindade: Caminha conosco

(Reflexões baseadas em:Êxodo 34,4b-6.8-9; 2 Cor 13,11-13; João 3,16-18)




A solenidade da Santíssima Trindade, é a celebração pela qual a Igreja retoma a caminhada do tempo comum. Trata-se de um momento litúrgico pelo qual somos interpelados pelo gesto do amor do Deus Comunidade Trina: um Deus que nos acolhe na criação; que nos salva pela encarnação e que nos santifica pelo Espírito de Vida.

A interpelação que começa com o Êxodo (34,4b-6.8-9). Entretanto, para melhor compreender precisamos situá-lo em seu contexto. Ou seja, precisamos lembrar de que num capítulo anterior o Povo de Deus havia quebrado a fidelidade, cultuando outras divindades. Em razão disso, Moisés quebra as tábuas da Lei. Mas Deus decide dar nova chance ao povo. isso por causa de seu amor e porque mesmo sendo “um povo de cabeça dura” Moisés suplica ao Senhor: “caminha conosco” (Ex 34,9).

Diante da infidelidade o Senhor, por ser “misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel” (
Ex 34,6), decide dar nova oportunidade ao povo infiel. Por isso ordena a Moisés que entalhe novas tábuas e depois suba ao monte para um novo encontro. E assim, diante do Senhor, Moisés intercede em favor do povo. O representante do povo infiel intercede ao Deus fiel. E como intercessor, Moisés faz dois pedidos importantes: primeiro pede ao Senhor: “caminha conosco”, pois as outras divindades, por serem falsos deuses, eram estáticos, fixos… Só o Deus da vida poderia acompanhar ao povo pecador. Por isso o segundo pedido de Moisés: “perdoa nossas culpas” (Ex 34,9).

Mas a súplica de Moisés só é compreensível se for colocada não na perspectiva humana, mas numa perspectiva divina. A perspectiva humana diz respeito ao fato atual, ao momento presente. É limitada e se insere apenas na história. Mas a perspectiva divina, que concede nova oportunidade, insere-se na perspectiva do amor eterno. Por isso foi que o Senhor “desceu na nuvem e permaneceu com Moisés”.

Descer e permanecer com seu povo é uma ação constante do Pai. Diferente das pseudo divindades, o livro do Êxodo mostra a extensão da fidelidade do Senhor que “ouve”, “vê”, desce e liberta seu povo (Ex. 3,7-10).

O programa do capítulo 3 se concretiza no capítulo 34. Moisés foi enviado pelo Senhor e como tal se torna intercessor em favor do povo. Dessa forma, entendemos o novo compromisso, novo estágio da Aliança de Deus com o povo (Ex 34,10). Tudo isso nos remete à carta de Paulo à comunidade de Corinto (2Cor 13,11-13).

Por amor a Jesus Cristo, o Filho, Paulo também se faz intercessor. Ao mesmo tempo que ora pela comunidade, orienta-a no sentido do “aperfeiçoamento”. Podemos dizer, portanto, que da mesma forma que o povo de Moisés estava se afastando do convívio com o Pai, a comunidade de Corinto estava se afastando do Filho, pois estava negligenciando os ensinamentos de Jesus, transmitidos pelo apóstolo.

Em razão da divisão na comunidade, Paulo exorta-os a viver na concórdia; em razão dos atritos, estimula a paz. A orientação do apóstolo é clara: havendo concórdia, haverá paz; havendo paz, ali está presente o “Deus do amor e da paz” (2Cor 13,11). E isso nos leva à saudação final do apóstolo. Na medida em que a comunidade se esforça para superar seus problemas e divisões pode, cada vez mais, contar com ajuda do Deus Trindade. Havendo esforço humano, significa que não há rejeição. E se a comunidade não rejeita ao Senhor, então passa a ser merecedora da intercessão paulina: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2Cor 13,13). Na medida em que a comunidade se mantém em comunhão, manifesta a presença da comunhão trinitária.

Mas por que estamos falando que essa presença divina depende da comunidade? Porque Deus se oferece constantemente, mas respeita o ser humano em suas vontades e decisões. O ser humano é livre para aderir ou não ao plano salvífico do Senhor.

E isso nos leva ao evangelho de João (3,16-18). Por amor, Deus nos envia seu Filho, para nos conceder a vida eterna, como a nova tábua da lei, de Moisés. Entretanto, agora não se trata mais de uma tábua da lei, mas do próprio Senhor. Com a necessidade de observância de apenas um detalhe: Essa herança se destina a quem crê (Jo 3,16).

E se alguém não seguir os princípios cristãos? E se alguém não acreditar? Não será Deus a recusá-lo. Esta é uma questão de escolha livre. “Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado” (Jo 3,18). 

A oferta do Deus trindade é constante: um convite a viver em comunidade. Convite para cada membro do corpo: unir-se àquele para quem Moisés apela: Caminha conosco! É o apelo de Paulo: caminhar na graça e na comunhão. Mas a escolha é do “povo de coração duro”. 

A proposta é amolecer o coração e pedir “Caminha conosco”. Ao povo de coração duro é dada a liberdade da escolha: Manter o coração duro ou caminhar com o Senhor. O convite é feito para a comunidade, mas a resposta é pessoal. Cada um tem que fazer seu pedido: Caminha conosco.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, maio 25, 2023

Pentecostes – Ninguém pode dizer

(Reflexões baseadas em: At 2,1-11; 1Cor 12,3b-7.12-13; Jo 20,19-23)




Existem alguns elementos que chamam nossa atenção nas três leituras do domingo de Pentecostes. E são elementos importantes!

Logo de início chama nossa atenção a afirmação que podemos ler em Atos dos Apóstolos (2,1-11). Ali diz que “os discípulos estavam todos reunidos no mesmo lugar.” E essa afirmação tem um ponto central: todos reunidos. Trata-se de uma comunidade reunida! Uma comunidade que se reunia! A união é o centro dessa comunidade dos primeiros cristãos.

Bem, os discípulos estava reunidos. Mas onde e por que estavam reunidos? Para saber precisamos voltar ao capítulo 1 dos Atos do Apóstolos. Lá somos informados que após acompanharem a ascensão do Senhor os discípulos voltaram a Jerusalém e foram para uma sala “onde costumavam ficar” (At 1,13), quando Jesus ainda andava com eles pelas cidades.

Quanto ao motivo de se reunirem, podemos enumerar vários: o primeiro deles possivelmente era o medo, como afirma João 20,19-23. Podemos acreditar que esse motivo seja real, pois João estava entre os que se reuniam. O medo era tal que “as portas estavam fechadas”, pois os judeus, que haviam entregue Jesus, eram uma ameaça aos seus seguidores. Outro motivo para estarem reunidos é a orientação de Jesus (At 1,4), dizendo para não se afastarem de Jerusalém até que se cumprisse a promessa do Pai. Um terceiro motivo é a fidelidade à orientação de Jesus: esperar o batismo no Espírito, (At 1,5). E se lermos com atenção o texto do Evangelho, notaremos um quarto motivo: acolher a paz do Senhor (Jo 20,19). Como consequência da paz, vem um quinto motivo para estarem reunidos: a missão. Serem enviados, como o Pai enviou a Jesus. (Jo 20,21). Há, ainda, um sexto motivo, expresso no texto do Pentecostes: o forte vento do Espírito e as línguas de fogo (At 2,2-3).

Com base nisso, quase sempre nos detemos nesse aspecto do cumprimento da promessa: O Espírito foi dado como força e como fogo purificador.

Mas será que não podemos perceber mais um motivo para os discípulos terem permanecido reunidos? Talvez possamos dizer que, a partir do que ouviram das lições de Jesus de Nazaré e depois, também do Cristo ressuscitado, os discípulos entenderam que a vinda do Santo Espírito os libertaria do medo. Isso é compreensível quando notamos que tão logo as línguas de fogo se derramam os discípulos superam o medo e começaram a falar. E os ouvintes se admiravam pois eles anunciavam “as maravilhas de Deus”.

Entretanto, não só a necessidade de vencer o medo uniu os discípulos. Paulo, (1Cor 12,3b-7.12-13) nos fala de outros dons do Espírito. E ele faz uma pequena lista: reconhecer Jesus como Senhor; a diversidade de dons; a diversidade de ministérios… (1Cor 12,3-5).

Tem mais: Buscar o “bem comum” também é dom do Espírito. Isso nos leva a uma conclusão: quem não se ocupa do bem comum não está adequado ao Espírito. O Apóstolo também nos recorda que esses membros unidos formam um só corpo. E isso nos mostra a importância da diversidade. Ou seja, todo aqueles que condenam o diferente, estão condenando o próprio corpo… que está vinculado ao Cristo Senhor.

Tudo mostra que a união tem a ver com o Espírito, seus dons e sua força. De acordo com Paulo e com Jesus, tem algo a mais, nessa importante reunião: Paulo faz mais que uma lista de dons do Espírito. Ele explica o motivo do Espírito se derramar como dom: são dados “em vista do bem comum.” O bem de todos os membros que formam o corpo que tem a Cristo como cabeça (1Cor 12,12). O bem comum, portanto, é o bem da comunidade.

Cristo é a cabeça de um corpo, mas que corpo é esse? Nada mais que a própria Igreja. A Igreja é o corpo de Cristo e Cristo é a cabeça da Igreja. E a Igreja é a comunidade dos que se reúnem pelo Espírito, em nome de Cristo.

Além de tudo isso: Foi à Igreja que Jesus dirigiu suas palavras finais. E aqui está, talvez, o mais importante motivo dos discípulos terem permanecido reunidos: receber o dom de mediar do perdão (Jo, 20,23). Embora o perdão dos pecados seja um dom divino, Jesus, pela mediação do Espírito, concede esse dom à Igreja. Ou seja, por mandato do Pai a Igreja é mediadora do perdão como de um dom trinitário. Ao anunciar o perdão, a Igreja o concede “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

O envio feito por Jesus, é uma missão para o perdão: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados” (Jo 20,23).

De fato, “ninguém pode dizer Jesus Cristo é o Senhor, a não ser pelo Espírito” (1 Cor 12,3). Mas essa profissão de fé só tem sentido, para uma vida eclesial. É na comunidade que podemos proclamar e reconhecer, pelo Espírito, que Jesus é o Senhor.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, maio 18, 2023

Ascensão: Toda a autoridade

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 1,1-11; Efésios 1,17-23; Mateus 28,16-20)




Em diferentes momentos, em sua vida pública, Jesus foi questionado a respeito de suas ações. Houve até quem indagasse: com que autoridade você está fazendo isso?

Aqui está a resposta. É o evangelista Mateus (28,16-20) quem hoje nos apresenta Jesus Cristo dando uma explicação sobre suas atitudes: age porque tem autoridade.

Mas o Cristo não falou de sua autoridade para se mostrar em sua autoridade, nem porque desejasse ser respeitado, temido, bajulado… como o fazem muitos dos que se dizem poderosos, por aí. Autoridades das quais podemos questionar a autenticidade, a validade, a a legalidade, a legitimidade! Cristo não agiu assim. Ele mostrou sua autoridade e onde ela se fundamentava: em função da missão. Em favor da humanidade; autoridade que estava conferindo aos seus discípulos e daquela que seria partilhada entre seus seguidores.

Ele tinha consciência do que podia, por isso afirmou: “Toda autoridade me foi dada!” Entretanto, ele não só tinha (e tem) toda autoridade como sabia que ela se estende sobre o céu e sobre a terra. Por esse motivo, possuidor de “Toda” autoridade, ele a confere aos discípulos, com uma recomendação em três etapas: os discípulos devem levar adiante sua mensagem “ide e fazei discípulos meus”; eles devem cumprir com o mandato de batizar em nome da Trindade Santa e por fim os discípulos recebem a missão de ensinar a observar os preceitos que Ele havia ensinado nos tempos em que percorrera a região: em favor dos excluídos!

Então, em que consiste a autoridade de Jesus? Em compartilhar a autoridade. E fez isso com que finalidade? A fim de que seus discípulos continuassem, também com autoridade, a missão de anunciar o Reino. E, como reforço desse poder de anunciar e preparar o Reino, Jesus entregou o Espírito de Amor prometendo estar presente na caminhada: “Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo", quando o Reino será não mais uma promessa, mas uma realidade!

Isso nos leva a uma indagação: a quem Jesus Cristo, com “toda autoridade”, faz essa promessa de acompanhar na caminhada, “até o fim do mundo”?

A resposta vem dos Atos dos Apóstolos (1,1-11), do texto dirigido a Teófilo o Amigo de Deus. É com o “amigo de Deus” é que Jesus se compromete.

Aqueles que estavam reunidos esperando a sabedoria do Espírito. E esses amigos de Deus estavam se perguntando: e agora, Jesus de Nazaré foi crucificado. É verdade que se manifestou a nós como o Cristo de Deus. Mas nós ainda temos medo. Ainda corremos risco de sermos associados ao crucificado e presos também. Queremos continuar nos reunindo e recordando o que ele nos ensinou, mas ele acabou de nos deixar, voltando para o Pai. Queremos restaurar Israel, mas somos tão poucos! Que fazer? Como continuar?

Essas indagações, não estão no texto, mas estavam na alma dos discípulos, os amigos de Deus, a comunidade que acabava de ver Jesus, o Cristo de Deus, voltando para Deus e estava se sentindo órfã. Essas indagações motivaram aquela orientação dadas pelos “anjos”: “Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu”. E disseram isso como quem diz: Ele voltará em sua glória e vocês, em vez de olhar para o céu, olhem para os lados. Olhem para seus semelhantes. Olhem-se uns para os outros. Descubram suas necessidades e superem-nas juntos, afinal, você são os amigos de Deus! Na união de vocês está a chave para superar os problemas. Transmitam força e esperança, uns para os outros… nisso está a chave para abrir as portas do Reino!

Respondendo a essas e outras indagações é que Paulo escreve (Ef 1,17-23), falando a respeito do Deus da Glória. E fala isso como quem se sente amparado pelo Verbo encarnado e pelo seu Espírito de Sabedoria. Fala não só a respeito da glória de Deus, mas também da sua sabedoria. E, numa prece, primeiro em favor daquela comunidade; mas com valor perene e, por isso, também em nosso favor. Em sua prece do apóstolo pede ao Pai que “ele abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos”.

A autoridade do Cristo, a comunhão do Santo Espírito e o amor do Pai estão à disposição dos amigos de Deus: todos aqueles que se reúnem em nome do Cristo. Os amigos de Deus que se unem em favor dos mais necessitados. Os amigos de Deus que receberam a autoridade do próprio Cristo para agir como ele e em seu nome. Toda autoridade do Cristo está à disposição dos que receberam o batismo para ajudar na difusão dos valores do Reino.

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, maio 11, 2023

Páscoa 6 As razões da esperança

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 8,5-8.14-17; 1 Pedro 3,15-18; João 14,15-21)




A liturgia deste sexto domingo do tempo pascal nos leva a algumas indagações: Como reagimos ou qual nossa atitude quando sabemos que um amigo ou conhecido está tendo sucesso em seus empreendimentos? Como nos comportamos diante do sucesso de um amigo, de um conhecido, de outra pessoa?

Essa é a indagação que a Igreja nos propõe. Mas isso fica no universo das generalidades. Então vamos nos sentir questionados: como reagimos e como nos comportamos diante do sucesso do outro… principalmente quando ele tem sucesso em algo que nós também estamos realizando? Certamente responderíamos que nos alegramos com nosso amigo. Diríamos que torcemos pelo seu sucesso. Possivelmente, sorrindo, lhe apertaríamos a mão dizendo: “Parabéns!”

Mas, lá no íntimo de nossa vida, no segredo de nosso coração e no silêncio de nossa consciência, será que não sentimos uma pitada de inveja? Será que não nos perguntamos: Porque ele e não eu? Isso quando não ampliamos seus defeitos e diminuímos suas qualidades, procurando desqualificar seu mérito, afirmando um possível sucesso com base na sorte... desonestidade… Na verdade, somos tomados pela inveja diante do sucesso do outro!

Não foi essa a postura dos apóstolos de Jerusalém, quando souberam do sucesso de Felipe (At 8,5-8.14-17;1). Pelo contrário. Alegraram-se ao ponto de lhe enviar reforços: “Os apóstolos, que estavam em Jerusalém, souberam que a Samaria acolhera a Palavra de Deus, e enviaram para lá Pedro e João” (At 8,14).

Esse envio não se deu por inveja, ou desconfiança. Pedro e João levavam palavras solidárias e suporte para avanço missionário. Confirmaram o apostolado de Felipe, e graças a isso os samaritanos “receberam o Espírito Santo” (At 8,17) e a plenitude da fé cristã.

A consequência? O engajamento na ação evangelizadora. Não somente na pregação, mas na atitude cotidiana de guardar e seguir os mandamentos como ensina João (Jo 14,15-21): “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” .

Como continuação do que os apóstolos realizaram na Samaria temos as palavras de Pedro (1 Pd 3,15-18). Consciente de que os seguidores de Jesus poderiam ser questionados ou perseguidos por estarem adotando uma nova fé, Pedro orienta aos cristãos: “estejais sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la pedir” (1Pd 3,15).

E qual a razão da esperança do cristão? É uma só: a Paixão de Cristo. Para o cristão, acima dos contratempos ou dificuldades, está aquele que “morreu, uma vez por todas, por causa dos pecados, o justo, pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus” (1Pd 3,18).

Entretanto, para merecer isso existem alguns critérios, entre eles a mansidão e o respeito. Diante das difamações, perseguições... a postura do cristão não é a beligerância, a vingança, a hostilidade. Sua resposta será sempre mansidão e o respeito. A mansidão que implica em não cair no desespero e o respeito que consiste em não agredir ao agressor.

Como o cristão pode assim proceder? Confiando no “Defensor” mencionado por João (Jo 14,16). E quem é esse Defensor prometido? É “o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber”. Defensor, Consolador, Espírito de Verdade, Espírito de Amor… o Espírito Santo que, de junto do Pai, Jesus envia para e sobre aqueles que guardam os mandamentos.

Em que consiste a guarda dos mandamentos?

Algumas pistas: primeira: ao ver o sucesso do outro, não devemos nos alimentar de inveja, mas nos enchermos de alegria e, sempre que possível, manter a disposição em ajudar para que esse sucesso seja ainda maior. A ajuda desinteressada implica na possibilidade de, quando o outro se elevar, levar consigo quem o ajudou. Segunda: é necessário manter a mansidão e o respeito, pois o desespero não é um sentimento condizente com a fé cristã. O desespero é uma negação da esperança, que é o alimento da fé cristã. A fé cristã alimenta a esperança do encontro definitivo com o Pai. Terceiro: manter-se aberto à ação do Espírito de Verdade que é a presença do próprio Deus em nós, uma vez que o próprio Jesus afirmou: “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,18). Mesmo já tendo partido, Jesus permanece junto aos seus: “eu estou no meu Pai e vós em mim e eu em vós” (Jo 14,20).

Nessa sintonia está arazão de nossa esperança: alegrar-se com o sucesso do outro pois esse sucesso também nos eleva; saber que a razão de nossa esperança é seguir os passos de Jesus, multiplicando atos em defesa da vida e no caminho para o Pai; e, principalmente, a certeza de que Jesus dirige a nós estas palavras: “quem me ama, será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele”. Essa é a razão de nossa fé e isso é dom de Deus.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, maio 05, 2023

Páscoa 5 - Sete homens de fé

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 6,1-7; 1 Pedro 2,4-9; João 14,1-12)


Tem muita gente que abomina, esbraveja e condena a ação libertadora que a Igreja propõe. Talvez porque essas pessoas ainda não entenderam a proposta de Jesus nem a prática dos apóstolos e dos cristãos dos primeiros anos da Igreja. Quem sabe, com um pouco de catequese e de abertura para o amor, comecem a entender…

A catequese pode ocorrer, por exemplo, quando acompanhamos a liturgia do período pascal. Já a abertura para o amor, depende dos corações puros! Mas isso nem todos carregam!

Uma proposta da catequese libertadora é mostrada nos Atos dos Apóstolos (At 6,1-7): a pregação; a atenção aos necessitados; a decisão tomada em conjunto.

Os Atos dos Apóstolos afirmam que o número dos discípulos estava aumentando.

Por qual motivo? Devido à pregação dos apóstolos, anunciando a ressurreição e ensinando a fazer o que Jesus fizera. E quem os estava ouvindo? Não eram as elites. Não as camadas dominantes da sociedade. Pelo contrário: Eram os marginalizados, os excluídos. Essa pregação atraia os excluídos; seu número aumentava. E com isso também aumentaram os problemas. Tanto que os apóstolos, dedicados à pregação e à assistência aos pobres, ouviram a queixa: alguns dos mais necessitados, as viúvas, estavam sendo negligenciados.

A pregação não podia parar. Também não se podia negar o atendimento aos necessitados. A sintonia entre os doze e a comunidade encontrou uma solução colegiada. Qual foi a solução? Escolher sete homens de fé e plenos do Espírito e de sabedoria. Assim as duas prioridades continuariam sem abalos: a pregação e a atenção aos marginalizados.

Mas a catequese não para nisso. Tem mais uma lição. Além de urgência do anúncio e do serviço aos necessitados, vem a lição do lugar social do Cristão. Nada justifica alguém sentir-se ou colocar-se acima dos demais. Nem o fato de pertencer a uma denominação religiosa; nem o fato de ter muitos bens econômicos; nem o fato de ter mais escolaridade; menos ainda o fato de ocupar uma função destacada na Igreja… nada. Pelo contrário, tudo que temos ou somos ou fazemos tem um só objetivo: servir a quem mais necessita; promover a inclusão; combater a concentração; denunciar tudo e todos que não conduz ao bem e à vida. Esse era o problema daquela comunidade: o começo de uma divisão que foge à essência cristã!

Contra isso agiram os primeiros cristãos: nascia uma divisão que se infiltrava, como obra diabólica, colocando em lados opostos os cristãos vindos do judaísmo e do paganismo. A lição dos apóstolos: quem possui ou está numa posição de destaque não tem direito, nem está autorizado a menosprezar ou excluir os demais. Qualquer posição ou função privilegiada, só tem sentido cristão, se for para servir. Ser cristão é ser servidor, como os sete homens de fé!

A catequese continua no ensinamento da primeira carta de Pedro (2,4-9). Em que consiste esse novo ensinamento?

Assumir uma atitude, posicionando-se diante daquele que é a “pedra angular”, da Igreja. Essa pedra angular é Jesus. Então qual postura assumir, diante da “pedra angular”, que dá apoio? Entender que Jesus é o ponto de apoio; somente d’Ele vem a segurança.

Aquele que não se apoia nessa “pedra”, nela tropeça, cai, é confundido e se perderá… Mas aqueles que se apoia na “pedra viva, rejeitada pelos homens”, esse não será confundido; esse fará parte da “nação santa”; sairá “das trevas para a sua luz maravilhosa.” Mas, para isso, tem que trilhar os caminhos do Mestre!

Tem mais. A catequese continua quando João (14,1-12) apresenta Jesus como Caminho para o Pai. E aqui também temos duas posturas que nos convidam a tomada de posição a fim de nos definirmos diante do Senhor Jesus e do próprio Pai.

A primeira é a de Felipe. Tendo convivido com o Senhor, lhe pede: “Mostra-nos o pai”. É como muitos de nós: nosso corpo frequenta o templo, mas vivemos o dia a dia como se Deus fosse só uma ideia; um ser distante; um ser para visitar nos finais de semana. E isso mostra que não o conhecemos. Não entendemos que Ele conta com nossa conversão por isso prepara um lugar aos seu lado “a fim de que onde eu estiver estejais também vós”.

Outra é a postura de Jesus, apresentando-se como “o caminho, a verdade e a vida”. E a adesão à sua proposta de acolhimento aos excluídos, ao lado da pregação, anunciando sua proposta,é o que possibilita entrar em sua morada. “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós”. E poderá adentrar essa morada aquele que “acredita em mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores”.

E qual é a obra do Senhor? A promoção da vida, como o fizeram os apóstolos e os sete homens de fé, escolhidos pela comunidade para servir.

Essa é a catequese, mas só a entende quem tem um coração capaz de amar. Essa é uma questão intima entre cada um e Deus… e o Deus que ama os excluídos e conhece os corações.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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Sagrada Família: para se cumprir!

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