(Reflexões baseadas em:Êxodo 34,4b-6.8-9; 2 Cor 13,11-13; João 3,16-18)
A solenidade da Santíssima Trindade, é a celebração pela qual a Igreja retoma a caminhada do tempo comum. Trata-se de um momento litúrgico pelo qual somos interpelados pelo gesto do amor do Deus Comunidade Trina: um Deus que nos acolhe na criação; que nos salva pela encarnação e que nos santifica pelo Espírito de Vida.
A interpelação que começa com o Êxodo (34,4b-6.8-9). Entretanto, para melhor compreender precisamos situá-lo em seu contexto. Ou seja, precisamos lembrar de que num capítulo anterior o Povo de Deus havia quebrado a fidelidade, cultuando outras divindades. Em razão disso, Moisés quebra as tábuas da Lei. Mas Deus decide dar nova chance ao povo. isso por causa de seu amor e porque mesmo sendo “um povo de cabeça dura” Moisés suplica ao Senhor: “caminha conosco” (Ex 34,9).
Diante da infidelidade o Senhor, por ser “misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel” (Ex 34,6), decide dar nova oportunidade ao povo infiel. Por isso ordena a Moisés que entalhe novas tábuas e depois suba ao monte para um novo encontro. E assim, diante do Senhor, Moisés intercede em favor do povo. O representante do povo infiel intercede ao Deus fiel. E como intercessor, Moisés faz dois pedidos importantes: primeiro pede ao Senhor: “caminha conosco”, pois as outras divindades, por serem falsos deuses, eram estáticos, fixos… Só o Deus da vida poderia acompanhar ao povo pecador. Por isso o segundo pedido de Moisés: “perdoa nossas culpas” (Ex 34,9).
Mas a súplica de Moisés só é compreensível se for colocada não na perspectiva humana, mas numa perspectiva divina. A perspectiva humana diz respeito ao fato atual, ao momento presente. É limitada e se insere apenas na história. Mas a perspectiva divina, que concede nova oportunidade, insere-se na perspectiva do amor eterno. Por isso foi que o Senhor “desceu na nuvem e permaneceu com Moisés”.
Descer e permanecer com seu povo é uma ação constante do Pai. Diferente das pseudo divindades, o livro do Êxodo mostra a extensão da fidelidade do Senhor que “ouve”, “vê”, desce e liberta seu povo (Ex. 3,7-10).
O programa do capítulo 3 se concretiza no capítulo 34. Moisés foi enviado pelo Senhor e como tal se torna intercessor em favor do povo. Dessa forma, entendemos o novo compromisso, novo estágio da Aliança de Deus com o povo (Ex 34,10). Tudo isso nos remete à carta de Paulo à comunidade de Corinto (2Cor 13,11-13).
Por amor a Jesus Cristo, o Filho, Paulo também se faz intercessor. Ao mesmo tempo que ora pela comunidade, orienta-a no sentido do “aperfeiçoamento”. Podemos dizer, portanto, que da mesma forma que o povo de Moisés estava se afastando do convívio com o Pai, a comunidade de Corinto estava se afastando do Filho, pois estava negligenciando os ensinamentos de Jesus, transmitidos pelo apóstolo.
Em razão da divisão na comunidade, Paulo exorta-os a viver na concórdia; em razão dos atritos, estimula a paz. A orientação do apóstolo é clara: havendo concórdia, haverá paz; havendo paz, ali está presente o “Deus do amor e da paz” (2Cor 13,11). E isso nos leva à saudação final do apóstolo. Na medida em que a comunidade se esforça para superar seus problemas e divisões pode, cada vez mais, contar com ajuda do Deus Trindade. Havendo esforço humano, significa que não há rejeição. E se a comunidade não rejeita ao Senhor, então passa a ser merecedora da intercessão paulina: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2Cor 13,13). Na medida em que a comunidade se mantém em comunhão, manifesta a presença da comunhão trinitária.
Mas por que estamos falando que essa presença divina depende da comunidade? Porque Deus se oferece constantemente, mas respeita o ser humano em suas vontades e decisões. O ser humano é livre para aderir ou não ao plano salvífico do Senhor.
E isso nos leva ao evangelho de João (3,16-18). Por amor, Deus nos envia seu Filho, para nos conceder a vida eterna, como a nova tábua da lei, de Moisés. Entretanto, agora não se trata mais de uma tábua da lei, mas do próprio Senhor. Com a necessidade de observância de apenas um detalhe: Essa herança se destina a quem crê (Jo 3,16).
E se alguém não seguir os princípios cristãos? E se alguém não acreditar? Não será Deus a recusá-lo. Esta é uma questão de escolha livre. “Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado” (Jo 3,18).
A oferta do Deus trindade é constante: um convite a viver em comunidade. Convite para cada membro do corpo: unir-se àquele para quem Moisés apela: Caminha conosco! É o apelo de Paulo: caminhar na graça e na comunhão. Mas a escolha é do “povo de coração duro”.
A proposta é amolecer o coração e pedir “Caminha conosco”. Ao povo de coração duro é dada a liberdade da escolha: Manter o coração duro ou caminhar com o Senhor. O convite é feito para a comunidade, mas a resposta é pessoal. Cada um tem que fazer seu pedido: Caminha conosco.
Neri de Paula Carneiro.
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;