segunda-feira, fevereiro 28, 2022

Quarta feira de cinzas: Na frente das pessoas

(Reflexões baseadas em: Joel 2,12-18; 2Coríntios 5,20 – 6,2; Mateus 6,1-6.16-18)



Qual o melhor momento para fazer caridade?

Tenho certeza que você vai responder: quando alguém estiver precisando.

A caridade, portanto, é uma resposta a uma necessidade.

E já que estamos de acordo que a caridade é uma resposta a uma necessidade, vamos nos indagar: minha caridade tem que ser vista ou deve ocorrer longe dos holofotes, das fotos, das postagens nas redes sociais…?

Aqui surgem as divergências. Creio que todos dirão que a caridade deve ser praticada em função daquela necessidade que a solicita, sem ostentação. Mas também encontramos aqueles que fazem questão de mostrar seu gesto; aqueles que fazem questão de contar a todo mundo o gesto solidário realizado…os que se divulgam ao mundo, pelas redes sociais...

Qual é a postura correta? A resposta segura e definitiva vem de Jesus de Nazaré (Mt 6,1-6.16-18). E se quisermos um reforço, o profeta Joel também oferece uma orientação (2,12-18) a respeito de como proceder.

Com certeza, no tempo de Jesus e entre seus concidadãos, havia muitos necessitados. Confirma isso o fato de, constantemente, Jesus curar os desassistidos, amparar os famintos, aliviar as dores de todos. E orientava seus discípulos a fazerem o mesmo. Para isso tinha uma orientação básica: “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles” (Mt 6,1). Por quê? Porque o “ser visto” já é a recompensa!

Então o que quer o Senhor?

Não quer ostentação. Não quer o exterior. Quer o que vai no coração. O costume antigo, era usar roupas rasgadas para demonstrar o ato de penitência. Não é esse o desejo de Deus, pois o “rasgar as roupas” é um sinal exterior. “Rasgai o coração, e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus” (Jl 2,13). O coração é o símbolo do sentimento interior. É isso que interessa ao Senhor. Pois o “penitente” pode fazer um gesto externo, mas não assumir a intenção sincera da penitência ou da oração.

Então vamos ver o que Jesus ensina para os seus. Ele ensina a fazer os atos de caridade com as corretas intenções. A esmola, a oração, o jejum… devem ser discretos, pois a ostentação não é um gesto para Deus e sim para as pessoas. As pessoa olham para o exterior; Deus vê a intenção. E assim todos os gestos de caridade, feitos e expostos, não atraem a atenção de Deus, mas sim das pessoas. E, o que é pior: expõe a fragilidade daquele que está passando por necessidade.

E Jesus é categórico, nisso: “Por isso, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem elogiados pelos homens.” (Mt 6,2). Evidentemente a pessoa que recebeu a ajuda, fica agradecida...e exposta em suas dores, mas a intenção daquele que fez o bom ato, não estava na ajuda ao necessitado e sim em mostrar aos demais a caridade realizada. Está preocupado com a própria imagem. Faz para ser visto!

O mesmo vale para a oração. Diz o Senhor: “Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar em pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens” (Mt 6,5). E também para o jejum, que é uma forma de oração. Uma oração que se dá na forma de uma abstinência. “Quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto, para que os homens vejam que estão jejuando” (Mt 6,16).

Como deve agir o discípulo de Jesus?

Quando ajudar alguém, quando estiver em oração ou quando for jejuar, não deve demonstrar o que está fazendo, para chamar a atenção, mas fazer somente no contato íntimo como Senhor. Aí, então o “Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa” (Mt 6,4.15.18).

Esse, portanto é o sentido da quarta feira de cinzas: convidar cada cristão não a fazer atos exteriores, mas gestos concretos na simplicidade da vida. Não na frente das pessoas, para receber elogios, mas na intimidade com o Senhor, e assim ser digno de receber a recompensa divina.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, fevereiro 25, 2022

A boca fala

(Reflexões baseadas em: Eclesiástico 27,5-8; 1 Corintios 15,54-58; Lucas 6,39-45)



A respeito de que são nossas falas? Por que falamos? A quem falamos? O que resta depois que falamos alguma coisa? A quem queremos convencer ou a quem nos dirigimos, quando emitimos nossas palavras? São algumas das indagações que podemos nos fazer, se ouvirmos as palavras de Jesus (Lc 6,39-45).

Evidentemente não são as outras pessoas que responderão às indagações a respeito do que dizemos e sobre nossos comportamentos. Evidentemente depois que fazemos algo a nossa obra fala por nós e o nosso falar é um comportamento. Portanto, nossos atos falam por nós. Nossos discursos falam por nós. Nós nos mostramos em nossos atos e no que dizemos.

Essa, também, é a razão da Palavra de Deus a nós dirigida: um espelho a mostrar o que somos. O Eclesiástico ( 27,5-8) nos coloca diante do espelho de nosso falar. E, por sua vez, Paulo, na primeira carta aos coríntios (1Cor 15,54-58), mostra o que sobra depois que passamos a limpo nossa vida: nosso encontro com o Senhor!

Num primeiro momento somos levados a acreditar que o discurso de cada um de nós é o que importa. E por esse motivo somos levados a fazer belas falas; bonitos discursos. E com isso pretendemos convencer nossos ouvintes e interlocutores de que aquilo que dizemos representa a verdade… Mas é nesse ponto que nos enganamos, pois em geral queremos nos ver na imagem da superfície e mostrar a superfície. Não é essa a verdade da palavra divina e o Eclesiástico nos diz que cada pessoa é o que está mergulhado em águas profundas.

“Não elogies a ninguém, antes de ouvi-lo falar: pois é no falar que o homem se revela” (Eclo 27,8). Isso implica dizer: o que alguém fala tem que ser coerente com aquilo que fez. Caso contrário o discurso será vazio, pois a verdade está nas atitudes.

Entretanto, é compreensível que cada pessoa, vez por outra caia em contradições; que diga algo que não corresponda à verdade de sua essência de ser humano. Mas também é compreensível que a pessoa que pretende ser fiel à proposta divina procure superar suas limitações, suas contradições suas mentiras… e, ao buscar essa superação, é natural que se preocupe em buscar a verdade.

É Paulo quem nos explica o caminho da superação. No momento presente estamos como que presos à nossa condição humana, “este ser corruptível”. Mas, nosso esforço pode nos conduzir a superação dos nossos limites e então, quando estivermos revestidos de “incorruptibilidade e este ser mortal estiver vestido de imortalidade, então estará cumprida a palavra da Escritura” (1Cor 15,54)… Entretanto isso não é para ocorrer só num depois indefinido, mas em nosso cotidiano.

Para evitar uma espera acomodada o apóstolo orienta: é necessário buscar a perfeição. E nessa busca, “meus amados irmãos, sede firmes e inabaláveis, empenhando-vos cada vez mais na obra do Senhor, certos de que vossas fadigas não são em vão” (1Cor 15,58). Não importa o que façamos ou digamos: importa caminhar na “obra do Senhor”.

Isso nos coloca diante do questionamento do Senhor Jesus: quais serão nossas palavras? Quais serão nossas atitudes? Como pretendemos conduzir nossas vidas? É necessário termos claras estas indagações para darmos nossas respostas, pois não tem como um cego guiar outro cego pois, neste caso, nenhum deles saberia por onde ir.

No fim das contas vale, para a condução de nossas vidas, o que carregamos em nossa consciência, pois isso mostra o que efetivamente somos. O que somos determina nossas atitudes e o que dizemos “O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração. Mas o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro, pois sua boca fala do que o coração está cheio” (Lc 6,39-45). Este vive pelas aparências enquanto a pessoa boa se apresenta como realmente é, sem pretensões de ser algo a mais …

De que está repleto nosso coração: das aparências ou com a essência de nossa verdade?




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, fevereiro 18, 2022

Com a mesma medida

(Reflexões baseadas em: 1 Samuel 26,2.7-9.12-13.22-23; 1 Coríntios 15,45-49; Lucas 6,27-38)

Em nossa sociedade os ideias de perdão e respeito já não encontram muito espaço no comportamento das pessoas. As pessoas até admiram essas virtudes, mas raramente as praticam. Somos uma sociedade da exclusão, do ódio, da vingança, da busca dos privilégios pessoais…. E os outros? Que se virem!

Não é essa a proposta de Deus.

Não é isso que vemos Davi fazer com Saul (1Sm26,2.7-9.12-13.22-23). O jovem que havia vencido o gigante Golias, poderia ter exterminado a vida de Saul e acabado com um poderoso inimigo. Mas não quis tirar vantagem da fragilidade do inimigo matando-o enquanto dormia. “Davi e Abisai dirigiram-se de noite até ao acampamento, e encontraram Saul deitado e dormindo no meio das barricadas, com a sua lança à cabeceira, fincada no chão. Abner e seus soldados dormiam ao redor dele” (1Sm,26,7).

Essa é a postura de uma pessoa com nobreza de caráter: A vitória sobre o adversário deve ser de forma justa, sem trapaça e com lealdade. Aproveitar a fraqueza do outro para superá-lo, demonstra não a força, mas fraqueza, leviandade, covardia… Esse respeito permitiu que Davi entendesse que “o Senhor retribuirá a cada um conforme a sua justiça e a sua fidelidade” (1Sm 26,23).

A capacidade de agir com justiça nem sempre está presente nas atitudes das pessoas. Não poque não possam fazer isso, mas porque, na maioria das vezes escolhe-se seguir os impulsos. Cada um de nós oscila entre agir em favor dos dons espirituais e os impulsos naturais. Entre fazer o que é edificante e seguir os interesses e satisfazer as ambições.

De acordo com as palavras de Paulo (1Cor 15-45-49),cada um de nós, dia após dia, vive o dilema dessa encruzilhada: agir a partir dos impulsos naturais ou buscar os dons espirituais “Veio primeiro não o homem espiritual, mas o homem natural; depois é que veio o homem espiritual” (1Cor 15,46).

Davi, ao poupar a vida do inimigo que dormia, podendo tê-lo derrotado, agiu com a força do homem espiritual.Não se deixou levar pelo “homem terrestre” e sim pelo “homem celeste”. Por esse motivo podemos dizer que, cada pessoa, também pode fazer a escolha. Dessa forma, “como já refletimos a imagem do homem terrestre, assim também refletiremos a imagem do homem celeste” (1Cor 15,49), pois, embora estejamos numa viagem pelo mundo, nosso destino é o convívio com os dons do céu. E, embora já transitando nessa viagem, as passagens são adquiridas no dia a dia, e são pagas com as escolhas pessoais, dia após dia.

Essas escolhas, em nossos dias, tendem a ser feitas não pelo caminho do altruísmo, mas do egoísmo. Não da solidariedade, mas do individualismo. E quando se faz algo em favor de outros, esse outro é um amigo, um parente, um membro do grupo de relações… Aos estranhos e adversários, destinamos nossa aversão. Por isso crescem os índices de exclusão social, de marginalização, de atritos e competição entre as pessoas.

Contra essa situação é que se eleva a voz de Jesus (Lc 6,27-38):seu discípulo é aquele que faz algo a mais do que fazem todas as outras pessoas. Seu discípulo é aquele que vai além das convenções. Seu discípulo é aquele cujas ações promovem revoluções estruturais e comportamentais.

Em que consiste isso? Fazer sempre o bem, independentemente de quem quer que seja o destinatário. Ou seja, se tem que fazer um favor, se tem algo de bom para fazer a alguém, se tem um perdão a conceder… o discípulo de Jesus fará isso não aos amigos e “chegados”, mas àqueles que não podem retribuir. “Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Até os pecadores amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem somente aos que vos fazem o bem, que recompensa tereis? Até os pecadores fazem assim” (Lc 6,32-33).

Portanto, ensina o Senhor, se vai fazer algo em favor de alguém, faça “sem esperar coisa alguma em troca. Então, a vossa recompensa será grande, e sereis filhos do Altíssimo” (Lc 6,35). Entretanto tudo isso está longe do nosso cotidiano. Talvez porque a maioria das pessoas se esqueceu de quem foi Jesus. Talvez porque a maioria das pessoas nunca soube quem foi Jesus. Talvez porque a maioria das pessoas nunca olhou, de fato para Jesus e sua prática, mas para o próprio umbigo….

Entretanto, nunca é tarde para lembrar e aprender o que Jesus ensinou: “com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos” (Lc 6,38).




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, fevereiro 11, 2022

Bem-aventurados

(Reflexões baseadas em: Jeremias 17,5-8; 1Coríntios 15,12.16-20; Lucas 6,17.20-26)


Maldito ou bendito? Merecedor de pena ou seguidor da verdade? Ai de vós ou bem aventurados? Em qual destas situações nos situamos?

É o profeta Jeremias (17,5-8) quem nos chama a atenção para o que somos e para o que podemos ser. Podemos estar na maldição ou na benção. Tudo depende de em quem depositamos nossa fé, nossa esperança, nossa confiança, nossa segurança, nossa vida… depende de nós!

Não são poucas as pessoas que, por exemplo, defendem estes ou aqueles representantes políticos. E os defendem como se disso dependesse sua própria vida. Divinizam essas pessoas como se elas fossem a solução dos problemas do mundo. Não as vêm como pessoas comuns, mas como seres acima do bem e do mal...

Pessoas assim, como diria o profeta, estão confiando não no Senhor, mas em pessoas. E, na medida em que divinizam seus escolhidos, afastam-se de Deus. Segundo o profeta, essas pessoas fazem parte do grupo dos malditos: “Maldito o homem que confia no homem” (Jr 17,5).

Outra é a condição dos que confiam no Senhor. Eles sabem que os homens maus não produzem obras do bem. Porém os benditos, devido à sua confiança no Senhor, vão produzir coisas boas: Vão plantar as sementes do Reino entre as pessoas, por meio de suas ações. Todos estes que agem produzindo o bem, são os “benditos que confiam no Senhor” (Jr 17,7). São aqueles aos quais Jesus chamou de “Bem aventurados” (Lc 6,17.20-26)

Esses dois grupos de pessoas, benditos e os malditos, correspondem exatamente àqueles aos quais Jesus chama de bem aventurados e aos quais lança o alerta: ai de vós!

Os benditos e bem aventurados são facilmente identificáveis quando olhamos para suas obras. Eles trabalham em favor do Reino! E justamente pela sua atuação em favor dos valores do Reino, são perseguidos, são injuriados, são amaldiçoados…

Já os destinatários dos “ais” recebem o alerta porque são eles os que geram os sofrimentos e dores do povo. Perseguem os que são sedentos de justiça, pois a prática e a instalação da justiça equivale ao fim dos privilégios desses “malditos”

Com tanto antagonismo, temos que nos perguntar:Quem são os bem aventurados? Jesus faz uma pequena lista. Dela constam: os pobres, os que têm fome, os que choram, as vítimas do ódio, vitimas da exclusão e outras vítimas de todos os preconceitos. (Lc 6,20-22). Pode-se dizer mais: essas são as vítimas daqueles aos quais o profeta chama de Malditos. E são malditos por quê? Porque depositam sua confiança nas lideranças mal intencionadas; naqueles que provocam as dores e sofrimentos, os ais de sofrimento do povo, diferente dos ais de alerta, de Jesus!

Como podemos ver, os bem aventurados produzem as obras de Deus. Exatamente o oposto são aqueles para os quais Jesus pronuncia seus “ais” ou “ai de vós!”: “Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! Ai de vós, que agora tendes fartura, porque passareis fome! Ai de vós, que agora rides, porque tereis luto e lágrimas! Ai de vós quando todos vos elogiam!” (Lc 6,24-26).

Como superar essa situação, deixando de ser maldito para receber a benção divina? Por meio de um ato de fé no Cristo Ressuscitado (1Cor 15,12.16-20).

A vida de bençãos e bem-aventuranças está condicionada a isso: à fé no Cristo vivo. A adesão a essa fé implica em práticas virtuosas, o que traz, como consequência, as bençãos divinas.

Mas, por outro lado,temos a incredulidade. A postura daqueles que não praticam boas obras e não se preocupam com o bem estar de quem está em situação de sofrimento. Estão centrados em si mesmos e em seus privilégios, mesmo que isso custe as dores dos outros. Estes não alimentam a fé no Ressuscitado e, por isso se mantêm numa vida mergulhada na maldade. Eles produzem todo tipo de exclusão social e econômica, ajudam a ampliar o abismo dos preconceitos. Estão mergulhados no pecado e arrastam multidões com eles.

Enquanto os benditos, os bem aventurados os que se alimentam da esperança e alimentam a esperança de tantos, praticam as obras do Cristo Ressuscitado, os malditos apenas representam o anticristo. E enquanto as obras do anticristo atraem os incrédulos e indiferentes, presos em si mesmos, aqueles que se deixam conduzir pelo convite do Ressuscitado são conduzidos pelo próprio Deus ao mundo das bem aventuranças.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, fevereiro 03, 2022

Quem irá por nós?

(Reflexões baseadas em: Isaías 6,1-8; 1Coríntios 15,1-11; Lucas 5,1-11)



Quando nos colocamos diante da Palavra de Deus, podemos ficar em silêncio procurando ouvir a voz do Senhor. Podemos dizer que ela nos diz algo ao coração, sentindo-nos repletos de graça. Ou, num gesto de quem ainda não sabe o caminho a seguir, mas tem vontade de receber a orientação divina, podemos nos perguntar: O que Deus está me propondo, hoje, com esta Palavra?

Sim, Deus está propondo, pois Ele não nos impõe nada. Ele apenas nos sugere… e nós aceitamos ou não; nós realizamos sua proposta ou não… mas ele nunca nos obriga a nada. Ele nos criou livres e preza essa liberdade. Entretanto, por meio de sua Palavra, constantemente está nos propondo novos caminhos para melhorarmos nossa vida, nossa relação com o mundo e com as pessoas ao nosso redor… e cabe a nós darmos uma resposta… Vale lembrar que a proposta divina é renovada diariamente. Daí a indagação: O que Deus está me propondo hoje?

A busca pela compreensão da proposta divina pode ser percebida, por exemplo, quando lemos Isaías 6,1-8. Diante de uma manifestação divina o profeta sente-se “perdido”. Mas, logo em seguida é redimido com o fogo de uma brasa que lhe queima as impurezas. Nesse momento manifesta-se, para ele, a proposta divina. E a proposta aparece justamente numa pergunta: “Quem enviarei? Quem irá por nós?” (Is 6,8).

Mesmo tendo sido purificado, o profeta poderia ter se esquivado, fazendo de conta que não ouvira a proposta… mas respondeu e se ofereceu: “Aqui estou! Envia-me!” (Is 6,8). Nós também podemos nos indagar: “E se eu estivesse no lugar do profeta, qual seria minha resposta?”. Por isso, se queremos responder ao apelo divino, podemos sempre nos perguntar: “Qual é a proposta que Deus está fazendo a mim, neste momento?”

Note-se, portanto, que também precisamos estar atentos para ouvirmos a proposta que Deus nos faz. E, aí alguém poderia perguntar: Se tenho que dar uma reposta, como faço para ouvir a proposta de Deus?

Sobre isso é o apóstolo Paulo quem nos orienta (1Cor 15,1-11). E sua orientação é simples: prestar atenção e seguir os ensinamentos dos apóstolos. Em que consiste isso? Crer na essência da vida cristã: crer que Jesus morreu, foi sepultado e “ao terceiro dia ressuscitou, segundo as Escrituras” (1Cor 15,4). E esse ensinamento não é um delírio do apóstolo, como as vezes fazemos nós, quando em vez de ouvir a Palavra de Deus, falamos a partir de nossos interesses… Não é esse o princípio do cristianismo, afirma Paulo.

O ponto de partida não é a palavra de uma pessoa, mas o testemunho de muitos. Um testemunho afirmando que Cristo Morreu e Ressuscitou e Apareceu aos seus. Mas não só apareceu como também os enviou para anunciar essa mensagem: a vida vale mais que a morte. E a prova disso está justamente no fato de Cristo ter vencido a morte. E isso ensina Paulo: este é “o evangelho que vos preguei”; “por ele sois salvos”. Esse é o fundamento da fé e se for “de outro modo teríeis abraçado a fé em vão” (1Cor 15,1-2).

Ou seja, a proposta de Deus manifesta-se a nós, a partir deste critério: a vida vale mais que a morte. Em todos os momentos, o Senhor pede que realizemos atos em defesa da viada. Para isso o profeta foi convocado e respondeu: envia-me! E o apóstolo insiste no “evangelho que vos preguei”.

Além disso, aqueles que se decidem por aceitar a proposta divina vão agir como agiu Simão (Lc 5,1-11). Passou a noite na pescaria e nada pescou. Ouviu a proposta de Jesus: “‘Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes’. Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam” (Lc 5,5-6).

E assim, o grupo de pescadores que voltava de mãos abanando, sem alimento, ao ouvir a proposta da Palavra de Vida, voltou com alimento para as famílias. A vida foi preservada! E, mais ainda, Jesus os convocou para continuar a missão: tornaram-se “pescador de homens!”(Lc 5,10).

Ao ouvir o apelo, o profeta respondeu: eu vou! Aquele que ouve a proposta e a aceita, pode repetir, como o fez o apóstolo: “Sua graça para comigo não foi estéril” (1Cor 15,10). E aquele que se propõe a cumprir a proposta do mestre, com certeza, poderá lançar sua rede e ouvirá do Mestre, que orienta a Missão “Não tenhas medo!”

E, a nosso respeito, a proposta do Senhor continua aberta: “Quem irá por nós?”




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...