(Reflexões baseadas em: Jeremias 1,4-5.17-19; 1 Coríntios 12,31-13,13; Lucas 4,21-30)
Por que as pessoas ficaram irritadas com Jesus, na cena de Lucas 4,21-30? Essa pode ser uma indagação a ser feita, quando lemos essa passagem. De que Jeremias tinha medo? Pode ser uma das perguntas de quem lê Jeremias 1,4-5.17-19. Qual é o dom mais elevado? É uma das indagações que podem ser formuladas quando lemos 1 Coríntios 12,31-13,13.
Uma vez que estes textos nos sugerem estas perguntas, que respostas podemos dar?As indagações brotam da palavra de Deus, mas as respostas dependem de comportamentos humanos. Quais seriam nossos comportamentos, em resposta a estas indagações?
Vamos olhar o comportamento de Jeremias. O profeta está com medo. Mesmo sabendo-se chamado por Deus desde o ventre materno, está com medo. Mas, de que tem medo, o profeta? Podemos enumerar dois medos: o primeiro tem a ver com a conjuntura política. Seu povo e seu rei estão ameaçados pelos reinos inimigos… e essa ameaça se cumpriu naquilo que conhecemos como exílio babilônico. E aí está seu segundo medo: saber-se convocado por Deus para denunciar os passos e alianças equivocadas do rei. Passos esses que culminaram com o exílio. Mas o profeta precisou dizer que o rei estava equivocado. Precisou indispor-se com o monarca.
Como o profeta enfrentou esses medos? Confiando na Palavra do Senhor!
Sabia-se convocado por Deus. Sabia-se interpelado por Deus. Sabia-se enviado por Deus.Sabia-se portador da palavra de Deus… e por isso também sabia dos perigos, pois Deus o havia constituído profeta. E, afinal de contas, sabia que Deus lhe havia dito: “Eles farão guerra contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para defender-te” (Jr 4,19). E assim, apesar de todo o medo, assumiu sua missão de “profeta das nações”!
Essa atitude profética manifesta-se na postura de Jesus, quando desdenharam de sua palavra e quiseram atirá-lo do precipício; quando esquivou-se dos perseguidores e continuou seu caminho…. Sabia que outros o esperavam; que sua missão estava apenas começando e sua proposta era mais ampla que as mesquinharias dos sacerdotes e doutores da lei que não conseguiam entender as propostas de Deus… Por isso, passou por entre eles e “continuou o seu caminho” (Lc 4,30)
Mas por que o quiseram atirar no precipício?
Porque veio cumprir as escrituras. Assumiu a defesa dos pobres e marginalizados. Disse que a salvação destina-se a todos e não a uns poucos privilegiados. Anunciou um Deus de amor e não uma divindade interesseira adorada pelos interesseiros.E porque afirmou que Deus quer a fé manifestada nas obras e não ritos vazios e orações exteriores.… O fato é que “todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca” (Lc 4,22), mas poucos se comprometiam com sua proposta.
Ochamado profético, de Jeremias, e a atitude profética de Jesus, cobram de nós um posicionamento. É disso que Paulo está falando, quando escreve à comunidade de Corinto, e hoje a nós e à nossa sociedade.
Oapóstolo orienta a comunidade: “aspirai aos dons mais elevados” (1Cor 12,31). Quais seriam esses dons? Dois deles dizem respeito a nós e podemos desenvolvê-los, alimentando nossa vida espiritual. Trata-se da fé e da esperança. Dons indispensáveis à vida do cristão. Aliás, não existe vida espiritual que não esteja fundamentada na fé. E ela tem a ver com a esperança. Ou seja, a fé nos põe em relação com Deus e a esperança nos leva ao desejo do encontro definitivo com Ele.
O apóstolo cobra o passo seguinte: fé e a esperança são fundamentais e ponto de partida para a vida cristã, mas só isso não basta, pois se esgota numa espiritualidade intimista. Daí a necessidade do passo seguinte: a caridade, ou o amor. Na caridade é que reside o fundamento da profecia, pois leva o crente a sair de si e voltar-se para o outro.
Ou seja, não adianta ter fé acreditando que tudo vai mudar e nascerá uma sociedade melhor, mais justa e equitativa. Isso só existirá quando todos fizermos o que nos cabe para construir essa sociedade… que tem o amor como base e não o interesse pessoal. Esta é a diferença entre o amor cristão e o discurso político. Este é demagógico e enganador enquanto o amor-caridade alimenta-se com o crescimento do outro. Assim, podemos dizer que fé e esperança, são dons interiores, mas cobram sua exteriorização na caridade. “Atualmente permanecem estas três coisas: fé, esperança, caridade. Mas a maior delas é a caridade” (1Cor 13,13).
Neri de Paula Carneiro.
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;