(Reflexão a partir de: Números 11,25-29; Tiago 5,1-6; Marcos 9,38-43.45.47-48)
Qual seria nossa postura se estivéssemos no lugar de Josué, num episódio como este narrado pelo livro dos números?
No episódio(Nm. 11,25-29), sem maiores avisos, um grupo de anciãos começa a profetizar. Diante do fato alguém fala a Moisés que, vê isso com naturalidade. Ele entende que isso é obra divina. Mas Josué, talvez com medo de perder seu posto, se propõe a calar o “surto profético”.
Como nós agiríamos se, de repente, víssemos algo semelhante? Agiríamos como o jovem Josué, em defesa do mestre ou com a sapiência de Moisés, reconhecendo a mão de Deus em ação?
A pergunta tem sentido pois nos dias atuais não são poucas as vozes proféticas condenando as agressões ao meio ambiente e ao povo trabalhador… Não são poucas as vozes condenando os atos do presidente, deputados e senadores, de juízes e governadores, de prefeitos e vereadores legislando, governando e julgando em causa própria… E, por outro lado, não são poucos os empresários que anseiam pelo aumento do lucro sem ampliar os salários dos seus operários…
Por outro lado, não são poucas as vozes condenando as justas reivindicações de trabalhadores, por vezes considerando-os vagabundos… Não são poucas as pessoas dizendo que essa não é a função da Igreja. Que a Igreja não se deve meter em política…
Nos dias atuais são muitos os que se dizem cristãos, mas condenam aqueles que agem e realizam as obras de Jesus. São muitos os que se dizem cristãos, mas agem como o jovem Josué; “manda que eles se calem!” (Nm 11,28). Nos nossos dias muitos são os que se comportam como João, “nós o proibimos, pois não nos segue!” (Mc 9,38)
A postura de Josué e de João (Mc. 9,38-43.45.47-48), são idênticas: condenar a atuação profética; condenar aquele que se esforça para oferecer melhores condições ao desamparado, ao excluído, ao empobrecido, à vítima do sistema.…; condenar aqueles que defendem os escolhidos de Deus. Condenar aquele que usa sua vida para combater as injustiças e as obras más, prejudiciais ao povo e à natureza.
Que diz Moisés? “Quem dera todo o povo fosse profeta” (Nm 11,29) como a dizer: Alguém precisa falar, profetizar, pois talvez assim seja possível estimular o povo a reagir contra aqueles que o exploram, que os enganam, que lhe tiram direitos básicos…. O profeta sabe que não cabe ao povo esperar; sabe que o povo tem que cobrar e reagir….
Que afirma Jesus? “Ninguém faz algo de bom em meu nome e depois age contra mim” (Mc 9,39). E Jesus não para nisso. Convoca seus discípulos para que se engajem na defesa dos explorados, pois assim fazendo, receberão a recompensa que o Senhor destina aos seus eleitos: “Quem vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa” (Mc 9,41)
Mas, se por um lado o Senhor promete recompensas celestes, também explica o destino daqueles que produzem as condições e situações nas quais os pequeninos do Senhor são vítimas: “E, se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço.” (Mc 9,42).
Como sabemos, Deus é o Senhor de todos; que ama a todos e a todos oferece a salvação. Exige apenas uma condição: a conversão pessoal e total. E, justamente por ser pleno de amor, não tolera atitudes desamorosas; não tolera que uns poucos vivam às custas das dores de quem vive a sofrer. Não tolera a dureza de coração que atribui ao pobre explorado a culpa de ser pobre, não aceitando que a causa de alguns pouco possuírem se deve ao fato de alguns se apropriaram de mais do que o necessário para várias vidas.
É o apóstolo Tiago que nos ensina os critérios para viver nos caminhos do Senhor: fazer de tudo para eliminar as causas da pobreza. O sofrimento e a situação de pobreza, não são naturais nem existem por negligência ou preguiça do empobrecido. Existem porque aqueles que tem mais, ou que tem muito, tiraram seus bens da boca dos pequeninos. A concentração existe porque aquilo que foi concentrado pertencia aos explorados. Diz o apóstolo: “O salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos, que vós deixastes de pagar, está gritando, e o clamor dos trabalhadores chegou aos ouvidos do Senhor todo-poderoso.”(Tg 5,4).
As palavras de Tiago são mais do que claras e suficientes para derrubar por terra toda falsa argumentação daqueles que dizem: isso não é papel da Igreja; são pobres porque não trabalham… Aos poderosos do mundo Tiago avisa: “clamor dos trabalhadores chegou aos ouvidos do Senhor”, e isso não é palavra da Igreja, é palavra de Deus. Contra os enganadores do povo o alerta é de Jesus: quem for solidário, não ficará sem recompensa; mas quem é causa das dores do povo corre o risco de “ser jogado no inferno, onde o verme deles não morre, e o fogo não se apaga” (Mc 9,48)
É necessário, portanto, que sejam quebradas as relações e estruturas causadoras de dor. Mesmo tendo que agir contra e sobre as vozes dos que condenam a organização popular. É necessário que todo o povo se ponha a profetizar. É necessária uma reação.
É necessário um processo de conversão, não para se alienar em falsos louvores, mas para aderir à causa dos sofredores. É necessário lembrar e ter presente que a recompensa do Senhor vem em resposta aos atos humanitários: “Em verdade eu vos digo: quem vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa” (Mc 9,41).
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;
Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
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