(Reflexão a partir de: Sb 2,12.17-20; Tg 3,16-4,3; Mc 9,30-37)
“Armemos ciladas ao justo!”
Essas são as intenções e assim se comportam os maldosos, os ímpios, segundo o livro da Sabedoria (Sb 2,12.17-20). Hoje dizer mais. Podemos acrescentar que são representantes do príncipe do mal!
Esse projeto maléfico nos ajuda a perceber algo, infelizmente, muito presente no ambiente de trabalho, nas relações sociais e no mundo competitivo em que se encontra mergulhada a sociedade em que vivemos. É o tradicional “puxar o tapete”. Coisa própria dos incompetentes, daqueles que não suportarem assistir o sucesso de quem é capaz de progredir. É o mundo da inveja!!!
Esse invejoso, segundo a Sabedoria, arma as ciladas ao justo e explica o motivo: “Armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda”. E a lista dos motivos para trair a confiança daquele que é íntegro continua. O justo “se opõe” ao comportamento do malandro; o justo “repreende” e “reprova” suas transgressões…. Por isso o ímpio o persegue armando-lhe ciladas!
Esse justo, de que fala a Sabedoria, a Igreja entendeu que se identifica com Jesus de Nazaré, também apresentado por Isaías como o “Servo Sofredor”. Entretanto, podemos ir além: em nossa sociedade ele pode ser personificado em cada pessoa que realiza coisas boas em favor de quem sofre, de quem precisa de ajuda, dos excluídos… Pessoas que buscam o bem da família (sua e de outros)… e recebem críticas e, por vezes, as maledicências de quem o circunda. O justo vive próximo daquelas pessoas a quem ajuda e ambos vivem cercados e envolvidos pelos invejosos!
Essa situação nos leva às palavras de Tiago, comentando o ambiente em que existe inveja. O ambiente no qual o “impio” está instalado: “Onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e toda espécie de obras más”. Isso porque o “ímpio”, o invejoso, aquele que é tomado pela sanha do mal – pois vive ao lado do príncipe do mal – não consegue ver, nem valorizar o bem. Sua maldade é tamanha que imagina que o sentido de sua vida é espalhar maldades. Por isso, fala em seu coração “armemos ciladas ao justo”.
Notemos que Tiago destaca os frutos das ações do justo. Suas ações são pautadas pela verdade, pela sinceridade, pela bondade: “a sabedoria que vem do alto é, antes de tudo, pura, depois pacífica, modesta, conciliadora, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem fingimento. O fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que promovem a paz.”. (Tg 3,17-18). Vale ressaltar que ao destacar estes valores, do justo, Tiago parte da constatação de que ele está cercado por aqueles que fazem o oposto: vivem de plantar o mal! E isso também vale para a nossa sociedade: o justo está cercado pelos que lhe querem armar ciladas.
Pode até não parecer, mas o justo, apesar de sofrer perseguições, é um difusor de paz. Exatamente o oposto das atitudes do ímpio. Este, com sua postura de inveja, produz as guerras e as brigas. (Tg 4,1) E faz isso por inveja. Esse é o motivo pelo qual vive tramando maldades: alimenta-se do ódio. E, justamente por isso, está condenado ao fracasso. Pode até, momentaneamente, ser bem sucedido infernizando a vida do justo, mas seu destino é o fracasso. “Cobiçais, mas não conseguis ter. Matais e cultivais inveja, mas não conseguis êxito. Brigais e fazeis guerra, mas não conseguis possuir” (Tg 4,2).
Estamos, pois, diante de dois projetos. O projeto do justo, que promove a paz, a concórdia, o bem estar dos seus…. E o projeto do ímpio, produtor do mal, aliado do pai da maldade; aquele que se guia pelo sofrimento do outro; aqueles que se alimenta de gerar dor; de explorar a dor alheia… Este provoca a dor do outro, além de ser blasfemo, tentando a Deus. Maltrata pensando em ver a reação de Deus. Produz as dores e fica assistindo o “circo pegar fogo”. Assistindo ao sofrimento do justo, regozija-se: “Vejamos, pois, se é verdade o que ele diz, e comprovemos o que vai acontecer com ele. Se, de fato, o justo é 'filho de Deus', Deus o defenderá e o livrará das mãos dos seus inimigos” (Sb 2,17-18).
O ambiente de inveja também se instalara entre os discípulos e Jesus. Enquanto o Mestre ensina os caminhos da solidariedade e do serviço, os discípulos disputam para ver quem se coloca em evidência. Querendo saber quem é o maior (Mc 9,34).
Jesus ensina o caminho para a resposta: não é quem está em destaque, na ostentação, “na crista da onda” como se dizia ou “viralizando” como se diz atualmente. Não é esse o caminho de Jesus. Para o Mestre, merece destaque aquele que se colocar a serviço do outro. Aquele que ajuda o outro a ser melhor: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!” (Mc 9,35).
Essa postura, além de estimular a solidariedade, diminui o conflito; além de estimular a prática do bem, diminui a competição. E conseguirá esse tipo de realização, não quem tenta se projetar pisando no outro, mas quem se faz criança. Não quem arma ciladas ao justo, mas quem acolho o reino como o fazem os pequeninos.
Quem age com a pureza da criança, está preparado para acolher o reino: “Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou” (Mc 9,37). Quem faz de sua vida um espaço para o serviço ao outro, esse é o justo vítima das ciladas…
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;
Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
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