terça-feira, 7 de setembro de 2021

A FILOSOFIA CLÁSSICA (II-c) - Aristóteles: as mudanças no mundo sensível

Aristóteles é o terceiro grande nome do período clássico da filosofia grega. Juntamente com Sócrates e Platão, forma aquela que, possivelmente tenha sido a maior tíade de pensadores do mundo grego.

Evidentemente a academia de Platão formou vários discípulos. Mas somente um marcou a história da filosofia: Aristóteles, que viveu entre 384 a.C. a 322 a.C.


O mestre do liceu

Ao contrário de seu mestre e de Sócrates, que eram de Atenas, nasceu em Estagira, uma colônia grega. Só veio para Atenas aos 18 anos, justamente para estudar na academia de Platão. Aí permaneceu por 20 anos.

Após a morte do mestre fez várias viagens de estudos até ser convidado pelo rei Felipe, da Macedônia, para ser instrutor de seu filho. Na época um garoto de treze anos. Após a morte da Felipe o rapaz assumiu o governo, expandindo seu reino. Suas conquistas militares o fizeram entrar para a história como Alexandre, o grande. Com suas conquistas também contribuiu para a disseminação da cultura grega em todo o seu império, trazendo para a Europa inúmeras contribuições do saber oriental, produzindo o fenômeno denominado de Helenismo

A contribuição de Aristóteles para a filosofia foi enorme. Mas não só a filosofia lhe paga tributo. Suas observações e conclusões lhe permitiram colocar as bases de várias ciências atuais. Um exemplo disso é sua classificação de plantas e animais que perdurou até a reformulação feita por Lineu, no século XVIII. Mas não para aí. Escreveu sobre: a geração dos animais e suas migrações; meteoros e o céu…. Além de escritos sobre a alma (psicologia), sobre economia, política, matemática, ética, estética, e várias outras áreas. Evidentemente, todos os seus estudos e escritos tiveram o auxilio dos seus discípulos.

Enquanto Platão dava atenção ao processo de se sair do mundo sensível para se concentrar no “mundo das ideias”, em busca das realidades inatas, ele queria “sair da caverna” a fim de entender o mundo circundante e sensível, exatamente o inverso de Platão: olhava para a natureza e nela estudava tudo.





Anotações e escritos

Não sabemos com exatidão, mas alguns estudiosos dizem que Aristóteles teria produzido mais de 170 escritos, dos quais a maioria se perdeu. Restam-nos apenas 47 textos dos quais alguns são livros completos, e outros apontamentos para suas lições aos discípulos.

No tempo de Aristóteles, a filosofia (e assim agiam todos os mestres) era uma atividade oral. Sócrates conversava com seus discípulos na praça de Atenas. Platão em sua academia.

No caso de Aristóteles suas lições eram ministradas em seu Liceu, localizado nas proximidades do jardim dedicado a Apolo Lício. De manhã dirigia-se a aos discípulos e à tarde ao publico geral que o procurasse.

Suas anotações e escritos serviram de base para uma linguagem técnica ainda hoje utilizada pelas ciências. Além disso, criou e sistematizou inúmeros saberes que deram origem a diversas ciências.





Preservado pelos muçulmanos

Deve-se lembrar, no entanto, que todos esses saberes da filosofia grega havia se perdido sem haver chegado ao mundo ocidental. Isso só não ocorreu porque os estudiosos muçulmanos copiaram os textos gregos, traduzindo-os para o árabe. No tempo das cruzadas os europeus redescobriram os gregos e os trouxeram para a Europa onde os monges católicos os traduziram, inicialmente para o latim e depois foram sendo absorvidos pelas outras línguas locais.

Dessa forma foi que a importância de Aristóteles foi realçada. E isso se deve, principalmente, a santo Tomás de Aquino que o estudou profundamente de modo que passou a ser um filósofo de conhecimento quase que obrigatório entre os estudantes e clérigos católicos.

Deviso a importância a ele atribuída por Aquino, os estudiosos medievais nem mais o chamavam pelo nome mas de “O Filósofo”.

Talvez por esse motivo, ao longo de vários seculos medievais não houve inovações, pois todos o saber e as possibilidades de conhecimento já haviam sido alcançadas pelo Filósofo. De modo que qualquer indagação a ser respondida passou a ter duas fontes de resposta: a bíblia e os escritos de Aristóteles. Ou seja, como comentam alguns altores, deixava-se de observar e estudar o fato ou o fenômeno para se observar apenas O Filósofo.

Tanto que Aristóteles passou a ser critério de verdade. Qualquer pesquisa tinha que estar em consonância com a bíblia e com o Filósofo. Se não estava na bíblia nem nos escritos de Aristóteles era anátema, ou seja, algo condenável. Daí a anedota a respeito de um grupo de estudantes queria saber quantos dentes existem na boca de um cavalo adulto. Como não encontravam resposta na bíblia nem em Aristóteles, um deles sugeriu que se fosse até o estábulo para contar, diretamente no animal. Em vez de acatar a sugestão, o grupo expulsou o estudante herege, pois estava propondo um “absurdo”!





Afastando-se de Platão

O fato de se ocupar com inúmeras dimensões do saber, a filosofia de Aristóteles se distanciou daquela desenvolvida por Platão, pois preferia investigar fatos, uma vez que em sua concepção os fatos manifestam e explicam as realidades em si mesmas; os fatos do passado explicam e mobilizam cada coisa para que se atualize no que é; a realidade presente gera o desenvolvimento da coisa de modo que no futuro, cada realidade mesmo alterada, mantenha sua identidade. Ou seja, o fato manifesta a realidade.

Não se trata de uma tentativa de explicação sobre o tempo ou da tentativa de entender o que é passado, presente e futuro, mas de perceber – como já o havia dito Heráclito – que toda realidade é o que é, mas também pode vir a ser algo diferente. A realidade, enquanto é o que é, se mantém idêntica a si mesma, mas sua existência acena para a possibilidade daquilo que É vir a ser algo diferente. Estamos, portanto, diante de duas teses aristotélicas: uma afirmando a essência da realidade em si mesma, mas em sendo isso, ocasiona inúmeras possibilidades até atingir sua “meta”. Trata-se de saber qual é essa meta, qual o fim último de cada realidade.

O entendimento do fim último (o telos) leva a segunda tese: ato e potência. O que é, é em ato; o que pode vir a ser é a potência. Em ato, a semente da castanheira é semente, mas potencialmente pode vir a ser uma árvore, alimento para outro ser vivo ou simplesmente decompor-se na terra tornando-se adubo. Mas qual é a finalidade (telos) da semente: germinar, ser alimento ou adubo? Ao se chegar a esse fim último, supondo que seja germinar, a semente que em ato é semente, desenvolve sua potencialidade tornando-se ato na árvore. Esta, por sua vez, atualmente é arvore, mas pode vir a ser lenha, madeira para construção, ou apenas continuar na floresta, produzindo flores e sementes que manterão o processo...

Podemos observar que a teoria do ato e potência, provém da teoria do devir ou da dialética de Heráclito, posteriormente outros pensadores se utilizaram da dialética, sendo que ela ganhou realce principalmente com os trabalhos de Hegel e Marx.





Quatro causas

Outro aspecto importante, da filosofia de Aristóteles é a teoria das quatro causas. Trata-se de um desdobramento da teoria do ato e potência, mostrando o movimento, ou seja, o processo pelo qual as coisas se constituem. Ou seja, há uma causa e um efeito. Daí sua teoria das quatro causas: material, formal, eficiente e final.

Em que consiste isso? Vamos imaginar uma xícara artesanal de barro/argila.

Causa Material: é aquilo de que a xícara é feita. Imaginemos uma xícara barro. A causa material dessa xícara é o barro, a argila.

Causa formal: é a forma do objeto ou da coisa; como essa realidade se manifesta. Ou seja, a própria xícara, na forma como ela se manifesta.

Causa eficiente: trata-se daquilo que deu origem à coisa em questão. Em nosso exemplo a xícara artesanal tem no artesão sua origem.

Causa final: corresponde à finalidade, ao sentido da existência da coisa. Qual o sentido de existir uma xícara artesanal de barro? É ser usada para se tomar café, por exemplo.

A filosofia de Aristóteles tem outras particularidades. Não só porque examina os diferentes aspectos da realidade, material, formal e metafísicos, mas também porque se propõe analisar mecanismos da organização social. Para isso escreve sobre política e ética. Ao mesmo tempo analisa a sociedade e propõe mecanismos para melhorar as relações.

Suas contribuições para a política e a ética podem ser encontradas em dois de seus livros: a Política e Ética a Nicômaco.

O fato é que ainda hoje a cultura e o saber ocidentais são tributários à mentalidade e à filosofia grega, do período clássico: quando falamos em corpo-alma estamos nos referindo a conceitos originários de Platão. Quando pretendemos maior clareza de nosso interlocutor, e para isso lhe fazemos uma série de questionamentos, estamos nos reportando a Sócrates. Quando falamos em lógica, organização e sistematização de conhecimentos, estamos aplicando uma metodologia aristotélica.

Outra consequência da ação desses três pilares da filosofia grega foi o fato de, após suas mortes, a filosofia ter entrado em um período de declínio. Não por ter perdido qualidade ou preocupação com o saber, mas pelo fato de, por um longo período, não terem aparecido grandes nomes, propondo novos sistemas. Vale lembrar que Aristóteles inicia seu livro Metafísica dizendo que “todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer: uma prova disso é o prazer das sensações, pois, fora até da sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas”. A preocupação com o saber permaneceu, mas ela ganhou novas roupagens.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação. Filósofo, Teólogo, Historiador


Outros escritos do autor:


Nenhum comentário:

Postar um comentário

TEMPO COMUM e o Tempo de Deus

Também disponível em: * https://pensoerepasso.blogspot.com/2024/01/tempo-comum-os-tempos-de-jesus-de-nazare.html * https://www.recantodasl...