quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Agora realizou-se a salvação

Reflexões sobre: Ap 11, 19a;12,1.3-6a.10ab; 1Cor 15, 20-27a; Lc 1, 39-56


Hoje vamos voltar nossos olhos para uma personagem de importância fundamental para a História da Salvação; uma personagem que está na fundação, na origem de nossa fé.

Mais do que isso: trata-se da personagem mais importante para a História da Salvação. E não se trata do Pai, Filho ou Espírito Santo, por um motivo simples: A Trindade Santa não é a personagem mais importante. Deus é o destino e não caminho, nem modelo. O modelo a ser seguido é esta personagem, a mais importante. É aquela que disse sim!

Então quem é essa personagem?

É aquela o pe. Zezinho cantou, dizendo que foi a “menina que Deus amou e escolheu...”.

É aquela cantada pelo cancioneiro popular: “Da cepa brotou a rama, da rama brotou a flor, da flor nasceu...”

Ela é lembrada no hino português: “A treze de maio, na Cova da Iria, no céu aparece...”

Ela foi para quem o pe. Zezinho pediu: “Ensina teu povo a rezar...”

Ela fez os pescadores ficarem maravilhados “vendo surgir das águas a tosca imagem de negra cor...”. Aqueles pescadores tinham um motivo para se alegrar pois ao ver o sofrimento do seu povo “Esta senhora humilde, de cor morena, se fez presente”. E, por ser uma senhora de cor morena, passou a ser vista não só como mãe do Brasil, mas também como “Senhora da América Latina, de olhar e caridade tão divina, de cor igual a cor de tantas raças...”, contou o pe. Zezinho.

Ela é a personagem a quem, muitos de nós, quando pequeninos, nos dirigimos para falar de nossas limitações. Foi quando aprendemos a dizer: “Mãezinha do céu, eu não sei rezar; eu só sei dizer: Quero te amar"

Nestas alturas você já deve ter entendido: não estamos falando apenas de mais uma importante personagem da História da Salvação. Você já entendeu que, realmente, estamos falando da mais importante personagem. Você já entendeu que estava certo o Zé Vicente ao afirmar sua singeleza, quando indagou: “Quem é essa mulher radiante, orgulho do povo de Deus, sintonia…?” E, na sua música, o coro responde: “É Maria, é Maria, companheira noite e dia”

E foi Maria, a “mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”, como se lê no livro do apocalipse (Ap 12,1).

E foi Maria, aquela que “deu à luz um filho homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro”.

E foi Maria, aquela que ensinou Jesus a se colocar junto com os preferidos de Deus. E, para ensinar a Jesus, ela também teve que fazer suas opções. De acordo com o evangelista Lucas, foi a própria Maria quem disse que o Senhor olhou “para a humilhação de sua serva” e a fez bem aventurada.

Entretanto, como não pensava somente em si, Maria definiu as fronteiras. E isso não fomos nós, nem a Igreja quem inventou. Maria foi quem afirmou que o Senhor: “mostrou a força de seu braço: dispersou os homens de coração soberbo. Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias” (Lc 1,51-53).

Para ser fiel à Palavra divina, a Igreja reconhece e exalta a Mãe, a mulher que “fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar” (Ap 12,6). Em fidelidade à Palavra Divina a Igreja reconhece “em Cristo todos reviverão. Porém, cada qual segundo uma ordem determinada: Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo”: Maria foi a primeira a ser acolhida no céu (1 Cor15,22-23). Por isso a Igreja celebra a Ascensão de Nossa Senhora

Por inspiração divina a Igreja definiu, acatando uma aspiração popular. A Igreja aprendeu com o povo a olhar a senhora Mãe com os olhos da fé. “O povo te chama de Nossa Senhora por causa de Nosso Senhor”. E a poesia da música nos ensina: “Não és deusa, não és mais que Deus, mas depois de Jesus, o Senhor: Neste mundo ninguém foi maior”.

Assim, na festa da Ascensão da Senhora Mãe podemos cantar, o que a palavra divina nos ensina: “Que só Jesus Cristo é o intercessor. Porém se podemos orar pelos outros, a Mãe de Jesus pode mais. Por isto te pedimos em prece, oh, Maria, que leves o povo a Jesus, porque de levar a Jesus entendes mais. Como é bonita uma religião que se lembra da mãe de Jesus”.

Tudo isso foi Maria que nos ensinou. É assim que a Igreja orienta. E é assim que nossa fé nos ajuda a cantar com Maria, na festa de sua assunção: “A minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador” (Lc 1, 46-47). E cantamos porque, além de derrubar do trono os poderosos, o Senhor é aquele que sacia os famintos, pois “agora realizou-se a salvação”




Neri de Paula Carneiro

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Chutar o balde

Levanto cedo pra ir trabalhar

Volto pra casa sem nada ganhar

O pagamento é só no fim do mês

Mas o feijão acabou outra vez


E agora o que fazer?

E agora o que fazer?

Chutar o balde ou

Por o leite pra ferver?


Se fico em casa a comida não vem

Mas trabalhar não enrica ninguém

Chora Joãozinho, Maria e José

Já não tem leite, farinha e café


E agora o que fazer?

E agora o que fazer?

Chutar o balde ou

Por o leite pra ferver?


O desemprego está acelerado

Essa tal crise vem de todo lado

Tudo que fiz só o patrão engordou

Buscando emprego meu sapato furou


E agora o que fazer?

E agora o que fazer?

Chutar o balde ou

Por o leite pra ferver?


De bolso vazio estou sem um tostão

Não tem arroz, quiabo ou macarrão

Eu sei: não adianta a sorte lamentar

Mas sem emprego onde vou trabalhar?


E agora o que fazer?

E agora o que fazer?

Chutar o balde ou

Por o leite pra ferver?

Neri de Paula Carneiro

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Para a vida do mundo

Reflexão a partir de: 1Rs 19,4-8; Ef 4,30-5,2; Jo 6,41-51


Por que, muitas vezes, nos sentimos impotentes, desencorajados… e, tomados pelo desânimo, querendo desistir de tudo? Qual é a força que nos impulsiona a continuarmos em nossas ações cotidianas?

Parece que era essa a condição em que se encontrava Elias, segundo nos informa o livro dos Reis (1Rs 19,4-8). Havia realizado uma obra em nome de Deus e seus opositores o estavam perseguindo. O profeta estava, além de assustado, arrasado, sem entender o porquê de se sentir abandonado. Em completo desânimo, desistindo de tudo, pediu a morte. “Agora basta, Senhor! Tira a minha vida, pois não sou melhor que meus pais” (1Rs 19,4).

A outra face da situação nos é apresentada no diálogo dos judeus com Jesus (Jo 6,41-51).

Todos o conheciam. Sabiam de sua vida, dos seus parentes. Sabiam onde morava e o que faziam seus pais. E, em virtude disso, diziam, entre si e a quem os queria ouvir: “Ele não pode fazer isso!” “Sabemos onde mora!” “Como pode andar por ai, falando e fazendo o que faz?” E, com certeza, diziam muito mais, pois ele era um rapaz conhecido entre seus vizinhos, em sua cidade. Era um rapaz conhecido em sua terra. “Não é este Jesus, o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como então pode dizer que desceu do céu?” (Jo 6,42).

Contra os maledicentes ouvimos a palavra de Paulo (Ef 4,30-5,2). O apóstolo exorta a comunidade de Éfeso, orientando-os a buscar um bom comportamento, condizente com os dons do Espírito Santo. Convida-os a erradicar a maldade. “Toda a amargura, irritação, cólera, gritaria, injúrias, tudo isso deve desaparecer do meio de vós” (Ef 4,31). A mesma orientação é dirigida a nós. Principalmente porque que se existe algo de bom a ser feito, isso deve ser realizado, independentemente do que falarão os que nada fazem pelo outro, pela comunidade, pela sociedade.

Essa situação é semelhante ao que vemos acontecer em muitas localidades. Nem tanto nas grandes cidades em que se vive anônimo em meio à multidão, mas nos pequenos grupos sociais. Em muitas comunidades rurais e urbanas. Se a pessoa tem uma qualidade que se destaca ou presta um bom serviço, passa a ser malvista entre aqueles que a conhecem e com os quais convive. Tanto que se popularizou o dito: “Santo de casa não faz milagre”.

Nessas situações, a pessoa é levada ao desânimo. Ela, por vezes, se cansa de realizar obras em favor do povo, que não reconhece esse gesto. A pessoa até pode ter consciência de que faz o bem porque esse bem deve ser feito, independentemente de ser ou não elogiado. Mas um mínimo de reconhecimento, por parte de quem recebe o bem feito, “conforta a alma” de quem realiza a obra e impulsiona para novas ações.

Para ajudar a superar o desânimo de Elias, Deus enviou seu anjo confortador. Ofereceu-lhe alimento e estímulo: “Levanta-te e come!” E uma segunda vez: “Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer”.

Mas por que Deus o encoraja e não lhe tira sua vida? Por que as pessoas de boa vontade não desistem diante de tanta inveja, maldade, malquerer e malfalar…? Por que continuam mesmo com tanta gente que oferece espinhos e cria dificuldades para as boas obras?

Podemos aprender com Jesus, quando nos fala: “Não murmureis entre vós!” Hoje, certamente, Jesus diria: “Não fiquem aí pelos cantos inventando intrigas. Não alimentem fofocas entre vocês!” Jesus diria mais: “Em vez de ficar por aí falando mal de quem está fazendo algo pelos outros, vá você também procurar o que fazer!”

E, novamente, por que as pessoas altruístas não desanimam?

Porque são pessoas especiais. Porque são convidadas pele próprio Deus a realizar grandes obras. Além disso, é bom lembrar que sem elas a comunidade perde a vida e se esvai nas fofocas…

Como os agentes ativos da comunidade são convidados por Deus, recebem uma carga extra de estímulo. Para elas Jesus está falando: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia” (Jo, 6,44). A partir das palavras de Jesus podemos dizer mais. Podemos dizer que as ações do cotidianos, terminam em si mesmas. “Vossos pais comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram” (Jo 6,49). Mas quem realiza coisas boas, pensando apenas no bem de quem recebe essas ações, ouvem de Jesus: “o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo” (Jo 6,51).

Eis o porquê das pessoas de boa vontade não desistirem, embora, como Elias, por vezes sejam tomadas pelo desânimo: elas ouvem o anjo de Deus estimulando: “ainda tens um longo caminho a percorrer” (1Rs 19,7). Para percorrer o caminho que ainda resta, recebem o alimento divino: “Eu sou o pão da vida.” E cada vez que o desânimo ou os contratempos aparecerem, ouvirão do próprio Mestre: “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo” (Jo 6,48.51)




Neri de Paula Carneiro

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segunda-feira, 2 de agosto de 2021

A FILOSOFIA CLÁSSICA (I)

Antiguidade Clássica, quando estamos estudando história, refere-se ao período áureo das civilizações grega e romana. Mas, na filosofia trata-se do período de atuação de três pensadores que imprimiram uma novidade na busca do conhecimento: criando uma metodologia revolucionária, como a ironia e a maiêutica de Sócrates; criando uma nova cosmovisão para explicar o mundo sensível e sua correlação conceitual, como a teoria do mundo das ideias de Platão e uma nova sistematização dos saberes e de transmitir os conhecimentos, desenvolvidos por Aristóteles. Lembrando que os pressupostos aristotélicos não só para a filosofia, como também para a sistematização das ciências e a inovação de várias áreas do saber, permanecem sendo usados até nossos dias.

Agora, a partir do século V aC o objeto de estudo deixa de ser a phýsis (natureza), como fizeram os pré-socráticos e se concentra no homem e sua vida social. Por isso alguns autores chamam este de período antropológico. Essa mudança de perspectiva começa, com os sofistas e se explica devido a nova conjuntura política.



A supremacia de Atenas

A partir do século V aC registraram-se algumas mudanças no cenário histórico e isso justificou algumas alterações nos objetos da investigação filosófica.

Os principais pensadores não estão mais nas colônias, mas se concentram em Atenas. Suas atenções voltam-se para a formação do cidadão que deve ser virtuoso. Daí que os problemas centrais do conhecimento passam a ser de ordem ética e política.

Qual a causa dessa mudança? Principalmente a ameaça dos Persas, ou seja as chamadas Guerras Médicas (490 a 480 aC).

Esse período de guerras colocou a cidade de Atenas na liderança de um grupo de cidades, tornando-se o centro político do mundo grego. Percebeu-se a necessidade de organizar mecanismos de administração e manutenção do governo. Constatou-se, também, que a vida urbana apresentava algumas exigências de ordem tanto política como ética, as quais precisavam de uma resposta.




Novo Modelo Político

Esse contexto urbano produziu um novo modelo político, que se desenvolveu a partir de Atenas: a democracia. Sua principal característica: a discussão em assembleia. E para participar da democracia o cidadão precisava saber falar, saber argumentar no debate. Precisava da arte da retórica.

A respeito dessa nova organização política assim falou Tucídides (460-400 aC), no primeiro livro de sua obra “História da Guerra do Peloponeso”:

“Nós, cidadãos atenienses, decidimos as questões públicas por nós mesmos, ou pelo menos nos esforçamos por compreendê-las claramente, na crença de que não é o debate que é empecilho à ação, e sim o fato de não se estar esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da ação. Consideramo-nos ainda superiores aos outros homens em outro ponto: somos ousados para agir, mas ao mesmo tempo gostamos de refletir sobre os riscos que pretendemos correr.”

O mesmo Tucídides coloca na boca de Péricles o seguinte discurso, dirigido aos atenienses:

“Vivemos sob uma forma de governo que não se baseia nas instituições de nossos vizinhos; ao contrário, servimos de modelo a alguns ao invés de imitar outros. Seu nome, como tudo depende não de poucos mas da maioria, é democracia. Nela, enquanto no tocante às leis todos são iguais para a solução de suas divergências privadas, quando se trata de escolher (se é preciso distinguir em qualquer setor), não é o fato de pertencer a uma classe, mas o mérito, que dá acesso aos postos mais honrosos; inversamente, a pobreza não é razão para que alguém, sendo capaz de prestar serviços à cidade, seja impedido de fazê-lo pela obscuridade de sua condição. Conduzimo-nos liberalmente em nossa vida pública, e não observamos com uma curiosidade suspicaz a vida privada de nossos concidadãos, pois não nos ressentimos com nosso vizinho se ele age como lhe apraz, nem o olhamos com ares de reprovação que, embora inócuos, lhe causariam desgosto. Ao mesmo tempo que evitamos ofender os outros em nosso convívio privado, em nossa vida pública nos afastamos da ilegalidade principalmente por causa de um temor reverente, pois somos submissos às autoridades e às leis, especialmente àquelas promulgadas para socorrer os oprimidos e às que, embora não escritas, trazem aos transgressores uma desonra visível a todos.”

E assim se impõe a questão: se a palavra (capacidade de bem falar) é importante e cada individuo pode participar da vida política (participando do debate), faz-se necessário desenvolver a arte do falar para melhor participar. O cidadão, portanto, precisou desenvolver essa habilidade: Falar e argumentar, para defender um ponto de vista.

E, como se pode notar, a questão deixa de ser a compreensão da natureza, e passa a ser a vida em sociedade ou seja a política. E a palavra será a ferramenta nesse processo. Mas como desenvolvê-la?




Os sofistas

A resposta foi dada por um novo grupo de pensadores. Os Sofistas.

Eles formaram um grupo de pensadores que mudou o foco da filosofia. Mantinham a crítica aos mitos, como o fizeram os pré-socráticos. Mas priorizaram a arte do bem falar, pois esta era a nova característica da sociedade ateniense, para onde eles migraram, vindo das colônias.

Os sofistas, portanto, são o ponto de transição entre os filósofos da Natureza e os ensinamentos de Sócrates. E, em razão da demanda pela oratória, dedicaram-se a isso: desenvolver a capacidade de bem falar e a arte de convencer o interlocutor. Com sua retórica consideravam que não havia uma verdade única.

A bem da verdade diversos comentadores da história da filosofia não viram com bons olhos a atuação dos sofistas.

Essa visão a seu respeito, deve-se ao que falaram deles alguns de seus adversários. Em seus escritos pensadores como Platão, Tucídides, Xenofontes, Aristóteles, Aristófanes não os consideravam filósofos, mas manipuladores do raciocínio sem amor pela verdade.

Na atualidade, entretanto, alguns outros estudiosos entendem que os sofistas apenas estavam respondendo a um apelo de Atenas. Satisfaziam uma necessidade dos cidadãos que precisavam aprender a técnica de persuadir com argumentos. A professora Marilena Chauí, no seu livro “Convite à filosofia” comenta a atuação dos sofistas: “o sofista, oferecendo um ensino útil nas assembleias e nos tribunais, ensinava a arte de ser cidadão”.

Sendo assim, podemos dizer que o problema dos sofistas não foram suas ideias, mas seus adversários. Como trabalhavam a partir das opiniões (dóxai, em grego) e do interesse de quem pagava pelas suas aulas, não se comprometiam com a profundidade da verdade (alétheia, em grego), algo radicalmente defendido pelos filósofos. E isto deve ser dito porque a verdade não muda para satisfazer necessidades ou interesses das opiniões ou de quem paga, ela é o que é.

O fato é que os sofistas, de acordo com o que escreveram os italianos G. REALE e D. ANTISERI, no primeiro volume de sua obra “História da Filosofia”: “Os sofistas operaram uma verdadeira revolução espiritual, deslocando o eixo da reflexão filosófica da phýsis e do cosmos para o homem e aquilo que concerne a vida do homem como membro de uma sociedade.”




Os sofistas: algumas falas

Independentemente da polêmica a respeito de serem ou não filósofos; de terem ou não desenvolvido uma filosofia; de terem ou não agido para satisfazer os interesses de alguns membros da polis… Independentemente de tudo isso, os sofistas, ao seu modo, deram sua contribuição à filosofia. Ou pela temática inaugurada ou porque sua atuação exigiu um posicionamento de seus adversários e, dessa contenda desenvolveu-se o que se denominou de período antropológico da filosofia. O homem em sociedade passou a ser o centro da filosofia clássica.

Entretanto quase nada restou dos escritos desses pensadores a não ser fragmentos provindos de seus adversários. Dois deles se tornaram bastante conhecidos uma vez que são amplamente mencionados nos diálogos de Platão. Trata-se de Protágoras de Abdera e Górgias de Leontini.

Lembrando que existiram vários outros. Só para mencionar alguns: Hípias de Élis, Isócrates de Atenas, entre outros.

Vejamos alguns retalhos do que nos sobrou do que disseram Protágoras e Górgias. Não por outro motivo, mas pelo fato de Platão ter a eles dedicado dois de seus escritos que trazem por título justamente os nomes destes dois personagens.

A Protágoras são atribuídas algumas frases interessantes e que merecem uma reflexão da filosofia. Se não pela verdade que podem apresentar, pelo menos pala beleza literária que possuem. Talvez a mais célebre frase de Protágoras seja: “O homem é a medida de todas as coisas. Das que são pelo que são e das que não são pelo que não são”.

Como podemos entender essa afirmação? Não existe uma resposta, mas podemos dizer que o homem é a MEDIDA porque é dele que procedem os juízos, os julgamentos, os valores… a respeito da realidade; o homem é critério de realidade ao lhe conferir significado, pois sem ele as realidade são apenas o que são. O olhar valorativo do ser humano confere sentido, por isso, mais do que só existir, as realidades ganham o significado que lhe confere o homem. O insignificante e sem sentido passa a ter significado e sentido.

De acordo com Protágoras, o que dizemos sobre algo, nada mais é do que as convenções que estabelecemos; os valores que a isso atribuímos. E quem faz isso é o ser humano, por isso é a medida

Mas as convenções, podem mudar…, como muda o homem… e assim, desse ponto de vista, a percepção humana também se diferencia...

Outra fala de Protágoras que se aproxima da anterior: “Tal como cada coisa se apresenta para mim, assim ela é para mim, tal como ela se apresenta para você, assim ela é para você.".

Também vale a pena refletir o alcance desta outra: “Todo o argumento permite sempre a discussão de duas teses contrárias, inclusive este de que a tese favorável e contrária são igualmente defensáveis.

De Górgias também nos chegaram alguns retalhos de pensamento. Vejamos alguns exemplos:

“Uma mesma atividade pode ser boa ou ruim dependendo de quem a pratica e em que situação se encontra.”

“Mesmo que pudéssemos pensar e conhecer o ser, nós não poderíamos expressar como ele é porque as palavras não conseguem transmitir com veracidade nada que não seja ela mesma. Quando comunicamos, comunicamos palavras e não o ser.”

“A persuasão é soberana, porque não há nenhuma verdade acima da que um homem pode ser persuadido a crer.”

“O artista é um criador de mundos.” E nós podemos confessar que ficamos admirados com todos os mundos que nascem das realizações dos artistas...

Além disso, Górgias de Leontini, afirma que o bom orador deve ser capaz de "persuadir os juízes nos tribunais, os conselheiros no Conselho, os membros da assembleia popular na Assembleia e, da mesma forma, qualquer outra reunião que se realize entre cidadãos". É o mesmo que dizer que o bom orador pode convencer qualquer um sobre qualquer coisa. E essa capacidade de argumentar e convencer era o que os atenienses mais desejavam, na medida em que mais se instalava a vida social, na polis.

A postura dos sofistas, demonstrando pouca preocupação com a verdade e muito mais com o argumento, levou Platão a colocar na boca de Sócrates um comentário sobre Protágoras, dizendo que "ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um pouco mais sábio que ele exatamente por não supor que saiba o que não sei".

Como se pode perceber a preocupação dos sofistas é a argumentação e o convencimento do interlocutor. Por sua vez Sócrates/Platão estão preocupados com a verdade daquilo que se sabe ou do que se pode saber. Assim, a partir de Sócrates e Platão a filosofia se volta para uma de suas principais inquietações: a busca da verdade.




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação. Filósofo, Teólogo, Historiador




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domingo, 1 de agosto de 2021

Cidadania: a defesa do cidadão

Quem de nós ainda não se deparou com a palavra CIDADANIA? Entretanto, quantos de nós atentamos para o alcance e o significado dessa palavra? Que nos diz a constituição de nosso país a respeito de cidadania? E, afinal de contas, o que significa essa palavra?


Cidadão

A palavra nasce de Cidadão. Sua etimologia é latina, vem de “civitas”, que significa cidade. Ou seja, o cidadão é o morador da cidade. E era usada em oposição ao pagão, que era o morador do “pagus” (que nós chamamos de zona rural). Pagão, portanto é o homem do campo. E cidadão o homem da cidade.

Mas também está ligada ao mundo grego. Para esse povo, cidadão era o homem da pólis. O homem rico, nascido e morador em cada uma das cidades estado.

Tanto para os romanos como para os gregos o cidadão era o homem possuidor de direitos a serem defendidos pelo poder público, o Estado; e, ao mesmo tempo, uma pessoa com obrigações em relação à sua cidade.

Deve-se registrar, no entanto, que tanto entre os gregos como entre os romanos, a cidadania não era um privilégio de toda a população. Era um direito de poucos privilegiados pelas riquezas.

Em nossa sociedade cidadão não é somente o morador da cidade, mas sim todos os homens e mulheres da cidade e do campo. Além disso, esses habitantes, são detentores de direitos e deveres. Portanto já temos, aqui um avanço em relação ao conceito dos gregos e latinos. Lá o cidadão era o homem urbano. Para nós todas as pessoas são cidadãs.

Podemos dizer que cidadãos são homens e mulheres possuidores de direitos e deveres em relação a um Estado e aos demais habitantes desse Estado. O cidadão, portanto, só existe em relação a outros cidadãos. É inconcebível o cidadão isolado. E isso por um motivo simples: direitos e deveres somente existem quando as pessoas relacionam-se umas com as outras. Um indivíduo isolado não depende de direitos nem tem deveres, pois sua relação sempre será consigo mesma. O cidadão passa a existir na medida em que se relaciona com outras pessoas e esse grupo forma uma sociedade onde se manifesta a necessidade recíproca de respeito.


Cidadania

Agora podemos fazer uma inferência simples: sabendo que cidadãos são homens e mulheres com direitos e deveres em uma sociedade, a cidadania é condição ou a situação na qual o cidadão exerce seus direitos e deveres.

Ou seja, a cidadania, que tem a ver com o cidadão, também representa as condições e situações em que o cidadão realiza aquilo que lhe compete.

Como se pode notar, a cidadania implica na existência de direitos e deveres. Entretanto temos aí dois elementos a mais a serem notados: a relação com os direitos humanos e a dimensão ética. Ou seja, o exercício da cidadania ultrapassa o conceito meramente jurídico, para alcançar uma dimensão de consciência. Quer dizer, não basta ter direitos e deveres. É necessário ter consciência de sua existência e fazer questão de exercê-los.

A relação com os direitos humanos se estabelece na medida em que os Direitos Humanos, nem sempre foram uma prioridade das sociedades humanas ao longo da história. No mundo antigo a grande massa da população não gozava de proteção por parte dos dirigentes da sociedade. Isso ocorria porque o centro da sociedade eram os ricos, cabendo aos pobres e escravos apenas produzir.

Com o transcorrer dos séculos, vários grupos sociais foram se organizando em busca da defesa de seus direitos. Um exemplo disso foi a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, no contexto da Revolução Francesa (a íntegra dessa Declaração pode ser acessada em: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/declaracao-dos-direitos-do-homem-e-do-cidadao-integra-do-documento-original.htm).

Na Assembleia Nacional Constituinte, os franceses, em 1789, aprovaram essa declaração que começa com as seguintes palavras:

“Os representantes do povo francês, constituídos em Assembleia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das infelicidades públicas e da corrupção dos governos, resolveram expor, numa Declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem...”

Logo em seguida, no artigo primeiro, dessa Declaração podemos ler:

“Os homens nascem e vivem livres e iguais em direitos. As diferenças sociais só podem ser fundamentadas no interesse comum.”

Notemos a consciência da importância do ser humano, nessa Declaração, ao afirmar que a “IGNORÂNCIA”, o “ESQUECIMENTO” e o “DESPREZO” aos direitos dos seres humanos são as “ÚNICAS CAUSAS DAS INFELICIDADES”.

Para superar isso e, consequentemente promover a felicidade é que se estabelecem as normas com os direitos dos cidadãos. Entre os quais e em primeiro lugar está a liberdade. Ou seja, os demais direitos – e também os deveres – decorrem da liberdade.

Por isso e para preservar a liberdade, contra a arbitrariedade dos governantes e outras autoridades, os franceses estabeleceram o princípio da superioridade da lei, como está no artigo sétimo dessa mesma Declaração:

“Nenhum homem pode ser acusado, preso ou detido senão quando assim determinado pela lei e de acordo com as formas que ela prescreveu. Os que solicitam, expedem, executam ou fazem executar ordens arbitrárias devem ser punidos. Mas todo homem intimado ou convocado em nome da lei deve obedecer imediatamente: ele se torna culpado pela resistência”.

Em 1948, após a II Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) em sua Assembleia Geral aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (cuja íntegra pode ser acessada em: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/declaracao-universal-dos-direitos-humanos-texto-integral.htm), na qual estabelece os princípios para a defesa do ser humano contra excessos dos poderosos, como o exemplo recente dos horrores do nazismo contra algumas minorias.

Em defesa do ser humano a ONU, no preâmbulo dessa Declaração, já afirma alguns princípios: o reconhecimento da “dignidade” e igualdade entre as pessoas faz crescer a liberdade, a justiça e a paz no mundo.

Eis o que dizem as duas primeiras considerações dessa Declaração:

“Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum.”

Note-se que os dirigentes das nações reunidos na ONU, afirmam que desprezar e desrespeitar os direitos humanos resultam em “ATOS BÁRBAROS’. Ou seja, tanto a Declaração dos Franceses como da ONU reconhecem a importância do cidadão e exaltam seus direitos. E, portanto, a defesa dos direitos da pessoa, bem como cada pessoa se empenhar na busca de seus direitos é uma forma de exercício de cidadania.

Essas duas Declarações nos colocam diante da nossa Constituição (que pode ser acessada na integra em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf).

Nossa lei maior também se fundamenta na defesa do ser humano. Logo no artigo primeiro podemos ler que vivemos num país constituído com base no “Estado Democrático de Direito”. E esse Estado tem como fundamento: “I–a soberania; II–a cidadania; III–a dignidade da pessoa humana; IV–os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V–o pluralismo político.”

Mas, pode-se perguntar, qual a fonte desses fundamentos? No parágrafo único do primeiro artigo está a explicação: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Ou seja, as autoridades não existem para outra coisa que não seja a defesa dos direitos do povo. As autoridades não existem para si, mas para o povo.

Por isso, no artigo terceiro da nossa Constituição estão previstos os “objetivos fundamentais”, ou a razão de existir o Brasil. “I–construir uma sociedade livre, justa e solidária; II–garantir o desenvolvimento nacional; III–erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV–promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”

O exercício da cidadania, em nosso país, consiste nisso. E, também nisto se fundamenta a dimensão ética do exercício da cidadania. Ou seja, reconhecer e tornar público que no caso das autoridades não construírem ou não colaborarem com esses objetivos e esses fundamentos elas passam a ser ilegítimas e um atentado contra a cidadania. E, por outro lado, cabe aos cidadãos, fazerem um esforço para que estes direitos sejam instalados e, ao mesmo tempo, cobrar das autoridades o pleno cumprimento da lei maior do país, visando a plena proteção dos cidadãos.





Neri de Paula Carneiro

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sexta-feira, 30 de julho de 2021

Comestes e ficastes satisfeitos

Reflexão a partir de: Ex 16,2-4.12-15; Ef 4,17.20-24; Jo 6,24-35

O que nos faz aderir ou recusar uma ideia ou um projeto social, religioso, político…? Por que defendemos isto ou aquilo e condenamos outras tantas coisas? A resposta não poderia ser outra: nossos interesses! Aderimos ou recusamos algo se aquilo satisfaz, ou não, nossos interesses.

Podemos observar isso em nosso cotidiano e na vida das pessoas com as quais convivemos. Buscamos aquilo que nos interessa e recusamos o que não nos agrada, que foge ou que vai contra nossos interesses. Mas isso não ocorre somente entre nós. Também percebemos isso entre os filhos de Israel, no livro do Êxodo (Ex 16,2-4.12-15), da mesma forma que nas palavras de Jesus, narradas por João (Jo 6,24-35).

Em síntese: São os interesses que movem o mundo. E se quisermos emprestar as palavras de Jesus, podemos dizer que “onde está o teu tesouro, aí está o teu coração!” (Mt 6,21)

Mas se os interesses movem o mundo e as ações das pessoas, como entender as atitudes dos filhos de Israel? Compreensível que estivessem insatisfeitos com a servidão egípcia. Seu interesse, portanto, era a libertação. E por isso clamaram ao Senhor que os libertou. Mas agora livres, no deserto, estão insatisfeitos! Reclamam da alimentação e sentem saudades do que deixaram no Egito! E, novamente, clamam ao Senhor, ao “murmurar contra Moisés e Aarão, no deserto” (Ex 16,2).

Algo semelhante percebemos nas palavras de Jesus, ao interpelar as pessoas que o procuravam. “Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos” (Jo 6,26).

Com isso Jesus afirma que a cena da multiplicação dos pães não foi um sinal-milagre, mas uma ação social; ao mesmo tempo mostra qual grupo social o procura: os mais pobres; aqueles que nada possuem para comer; aqueles que seguem Jesus porque ele age estimulando as pessoas a se envolvam no processo da partilha. Ou seja, o milagre de Jesus, não foi, a partir do nada, gerar pão, mas criar as condições para a partilha do que já existe entre as pessoas. Já existe alimento, para todos, e com sobras. O que falta é partilha e não o alimento.

Temos, então a seguinte situação: o fenômeno da partilha decorre da boa vontade ou dos interesses das pessoas. Ela pode ocorrer se as pessoas desenvolverem esse interesse. Diante disso Jesus interpela quem o procura, chamando a atenção para uma correção de rumos. Primeiro mostra que a partilha é fundamental; que é um sinal do Reino; além disso diferencia aqueles que são seus seguidores (os que sabem partilhar) e aqueles que dificultam a prosperidade de Reino e acumulam de forma excessiva. Por isso a afirmação: o que falta para muitos é o que sobra entre alguns.

Só que Jesus dá um passo a mais. Mostra que, na ótica do Reino, o importante não é o pão cotidiano, mas aquilo que conduz à vida eterna. Demonstra que o acesso ao reino e a vida eterna passam pela partilha, mas a partilha é caminho ou um meio para se chagar ao Pai. A partilha é sinal de que houve compreensão dos caminhos do Reino. “Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do homem vos dará” (Jo 6,27).

Os interlocutores de Jesus entenderam seu apelo e pediram: “Senhor, dá-nos sempre desse pão” (Jo 6,34). E Jesus esclarece, afirmando que ele é o pão eterno. Mostra também, com o gesto da partilha, que o pão eterno, aquele que alimenta para a vida definitiva, nasce e se desenvolve na mesma proporção em que ocorre partilha. Quanto mais cresce a sociedade sem excluídos, mais próximos estamos do Reino definitivo. Jesus explica o motivo: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede” (Jo 6,35).

E se isso vale para a multidão que procurava por Jesus, a fim de ser saciada, vale também para os filhos de Israel, reclamando no deserto.

E para nós, talvez aqui esteja a grande lição: é necessário reclamar contra a situação na qual se está sofrendo, pois nosso interesse é a felicidade. Mas, também é necessário o esforço pessoal e social, para superar essa situação. Quando as forças pessoais e do grupo são insuficientes, a ajuda não vem da lamentação, mas da confiança no Senhor.

Daí a necessidade de nos lembrarmos: Deus não fará por nós aquilo para o quê nos deu forças de realizar. Dessa forma podemos entender a afirmação de Paulo aos Efésios, dizendo ser necessário renunciar à existência passada e concentrarmo-nos num novo centro de interesses. “Despojai-vos do homem velho, que se corrompe sob o efeito das paixões enganadoras, e renovai o vosso espírito e a vossa mentalidade. Revesti o homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4,22-24).

Neri de Paula Carneiro

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quinta-feira, 22 de julho de 2021

Para que nada se perca - O povo passa fome

 (Baseado em: 2Rs 4,42-44; Ef 4,1-6;  Jo 6,1-15.)
Aconteceu em 1980, em Teresina. Na época, o papa João Paulo II – hoje santo – viu uma faixa, em meio à multidão: “Santo Padre, o povo passa fome”. No mesmo instante rezou: “Pai nosso, o povo passa fome”. Mas não era só comida, o povo também desejava acesso a direitos sociais, políticos… o povo queria sair da situação de pobreza. Por isso apelou ao papa: o líder religioso, talvez, pudesse ajudar nas questões sociais, em favor dos necessitados.

Alguns séculos antes de Cristo, as pessoas sofriam com as dificuldades, em meio à pobreza (2Rs 4,42-44). Houve fome na região, diz o livro dos Reis. Foi assim que, ao ver uma pequena multidão à sua frente, “Eliseu, o homem de Deus”, ensinou o caminho da partilha: vinte pães alimentaram as cem pessoas.

Entre estes dois episódios encontramos outro personagem e seu gesto revolucionário. Trata-se de Jesus de Nazaré, (Jo 6,1-15) alimentando a multidão. Aqui, entretanto, é possível que alguém diga: para Jesus foi fácil dar alimento a “aproximadamente cinco mil homens”.

Não foi, e digo o porquê. Também para não cometermos uma injustiça contra Jesus ou Eliseu, nesta lição de partilha. Temos que dizer, com todas as letras da palavra santa: Não foi Jesus quem deu o alimento! O mesmo vale para o livro dos Reis, narrando o gesto de Eliseu. A partilha ocorreu porque alguém ofereceu o que tinha. E isso muitos séculos antes de Marx falar em partilha.

Um grupo estava passando necessidade e chegou “um homem de Baal-Salisa, trazendo em seu alforje para Eliseu, o homem de Deus, pães dos primeiros frutos da terra: eram vinte pães de cevada e trigo novo” (2Rs 4,42). Quem acompanhava Eliseu até argumentou: isso é muito pouco para cem pessoas. Mas o “homem de Deus” não deu ouvido para a postura negacionista. Simplesmente mandou que tudo fosse distribuído. Eliseu disse apenas: “Dá ao povo para que coma; pois assim diz o Senhor: ‘Comerão e ainda sobrará’” (2Rs 4,43). Como se vê Eliseu apenas organizou e direcionou a postura socialista do homem de Baal-Salisa. Todos comeram e “ainda sobrou, conforme a Palavra do Senhor” (2Rs 4,44).

Com o papa João Paulo II não houve partilha de pão, mas de consciência de Igreja. Aquela faixa e as palavras do santo padre, em plena ditadura militar, chamaram a atenção do mundo para a situação do Brasil, para as condições de vida do povo, para a miséria provocada pela concentração de rendas. O santo padre, da mesma forma que Eliseu, foi apenas o mediador de uma nova proposta de partilha. Ao afirmar que o povo passa fome, está afirmando que alguns concentraram muito e o que eles têm a mais é o que falta na mesa dos escolhidos de Deus.

Mas, entre João Paulo e Eliseu, está Jesus.

E o que o Homem de Nazaré ensina? O mesmo que ensinou a Eliseu e o papa: o caminho da partilha. Da mesma forma que Eliseu, Jesus nada tinha para distribuir. Sabia o que ia fazer (Jo 6,6), mas ele não tinha alimento para a multidão. Tinha sua palavra salvadora, mas não os pães e peixes. O que tinha, Jesus distribuiu: ensinou a organização para atingir o objetivo: “Fazei sentar as pessoas” (Jo 6,10). Ele valoriza a oferta de quem dá o que tem para servir ao outro: “Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes” (Jo 6,9).

Jesus sabia que as multidões o procuravam para sair das dificuldades e enfermidades. Por isso lhes dava o que queriam e o que precisavam. Jesus os curava. E, em relação à fome, valorizou a fé, que eles já possuíam. E usou dessa fé para evidenciar o caminho da solução para os problemas. Uma solução que depende daquilo que podemos oferecer para o outro. Por isso distribuiu o pão e o peixe que alguém estava oferecendo.

Jesus multiplicou, e continua multiplicando, aquilo que temos para oferecer. Se ofertamos bastante, a multiplicação é maior, mas se apresentamos apenas nossas mesquinharias, essa será nossa recompensa. Mas, acima de tudo, Jesus ensina que, para os problemas sócio-políticos, as soluções também são sócio-políticas. A oração vem como motivação para a luta, para desenvolver consciência de classe e de organização social; ajuda a ter humildade para agradecer. Mas as soluções devem crescer entre nós.

Os negacionistas agem como Felipe: “onde iremos comprar tanto pão?” (Jo 6,5); ou como André: “Nem duzentos mil bastariam para atender a todos” (Jo 6,7). Mas Jesus, que sabe das coisas, diz, simplesmente: “Manda o povo se organizar!” (Jo 6,10). Contra a mesquinharia de alguns, a organização popular é a solução.

Neste ponto somos levados à conclusão, apontada por Paulo (Ef 4,1-6). Ela é simples: se há um só corpo, um só Espírito, um só Senhor, uma só fé e somente um Deus e sabendo que esse que é único ensina o caminho da partilha para um mundo socialista e solidário, então todo aquele que age contra essa proposta divina, não é de Deus! Não vem de Deus!! Não leva a Deus!!!




Neri de Paula Carneiro

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quinta-feira, 15 de julho de 2021

Ovelhas sem pastor

Lobos ferozes. Vorazes. Insaciáveis. Assim podemos descrever a grande maioria dos integrantes de um grupo que subverteu a ordem política da política. E não estou falando nem da esquerda nem da direita. Estou falando da categoria social, como um todo. Desse todo apensas uns poucos não se transformaram em lobos ferozes. Vorazes. Insaciáveis…. Inescrupulosos.

Alguém pode perguntar, baseado em quê você afirma isso?

Nas palavras de Jesus, respondo (Mc 6,30-34). Mas se forem necessários mais argumentos, posso recorrer também às palavras de Jeremias (Jr 23,1-6).

O desavisado pode dizer: As palavras de Jesus, em Marcos e a profecia de Jeremias estão se referindo aos pastores. O que tem isso a ver com a voracidade dos lobos?

Certo, a condenação é feita aos pastores. Mas, os pastores sendo negligentes, qual a consequência para o rebanho?

O rebanho abandonado pelos pastores fica a mercê da ferocidade vorás dos lobos. Por esse motivo a irritação de Jeremias: “Ai dos pastores que deixam perder-se e dispersar-se o rebanho de minha pastagem” (Jr 23,1). Esses pastores afugentaram e dispersaram o rebanho – o povo de Deus. Da mesma forma que olhando o povo abandonado – o rebanho escolhido – Jesus se compadece; ao ver “uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor” Mc (6,34).

Abandonado pelos pastores, o povo – rebanho escolhido – tornou-se vítima dos lobos. E quem são os lobos? Todos aqueles que se aproveitam do povo; produzem as dores do povo; enganam ao povo… Todos os lobos sedentos e insaciáveis que, prometem de tudo aos necessitados, esbravejam contra tudo que prejudica ao povo, entretanto, usam disso para se popularizar e, dessa forma, mais enganar ao povo. Um exemplo disso é o corrupto afirmando que vai combater a corrupção.

Ao aceitar ou defender essas distorções o pastor acaba sendo parceiro do lobo. Aliás, torna-se pior do que o lobo, pois em troca de vantagens pessoais induz o rebanho/povo a ser devorado/enganado pelos lobos.

Entre os indivíduos do povo/rebanho não cessam as dificuldades. Para ajudá-los o Senhor institui os pastores (lideres religiosos). Como auxiliares para sanar os problemas, também se criaram as instituições políticas. Ambos a serviço da população. Um a partir da dimensão religiosa e a outra a partir de necessidades sociais. A religião não existe num mundo afastado dos problemas sócio-políticos. A religião faz parte da vida e a vida ocorre em sociedade. Sendo assim, quando a dimensão religiosa abandona o pastoreio, permite que as instituições socio-políticas se transformem em lobos vorazes, cuja ferocidade devora a esperança da população.

Entretanto, se pastores e lobos abandonam ao povo, o Senhor permanece fiel. Jeremias afirma que o Senhor se compromete a reunir um resto de ovelhas que não se perdeu. Esse resto se multiplicará, e será conduzido por bons pastores até que chegue aquele que fará valer a justiça. Esse, “Senhor, nossa Justiça” (Jr 23,3-6) não terá seu nome, nem seus filhos envolvidos em falcatruas, podendo, assim restaurar a esperança, libertando das garras dos lobos e maus pastores.

Contra esses falsos pastores é que Jesus se posiciona ao ver a multidão “como ovelha sem pastor”. Em favor desse povo abandonado é que Ele se compadece. A compaixão do Senhor nãos se deve a um aspecto religioso, mas às suas necessidade concretas de comida, casa, segurança, trabalho, saúde… Jesus sabe que o povo é devoto e orante, mas também sabe que o povo passa fome. E, mais uma vez, sua compaixão tem a ver com essas necessidades básicas.

O povo aderiu a Jesus e seguiu os discípulos não porque os ensinavam a rezar, mas porque foram curados e saciados (a devoção todos já tinham – e hoje, continuam tendo). Jesus e os discípulos eram amados porque supriam necessidades básicas: davam saúde e comida; e com isso alimentavam a esperança de que dias melhores estavam por vir. Além disso condenavam os exploradores do povo: pastores maus e lobos vorazes.

O fato é que, na medida em que os pastores fazem mais pelos lobos que pelo povo, seu mau exemplo arrasta ovelhas desprotegidas. E, dessa forma, as ovelhas passam a seguir os lobos que as devoram. Como consequência dos maus pastores unidos aos lobos, o rebanho fica dividido ao ponto de, ovelhas enganadas defenderem seus algozes. Daí a necessidade de se prestar atenção às palavras de Paulo (Ef 2,13-18): olhar para a postura de Jesus, que nunca esteve do lado dos poderosos. Sempre esteve do lado dos fracos, explorados e vítimas da divisão, em busca da unidade.

É necessário, portanto, que as ovelhas sem pastor, se reunifiquem a fim de construir a paz entre as vítimas, erguendo uma barreira contra os lobos. É, necessário, portanto, reaprender com Jesus que teve compaixão da multidão de ovelhas sem pastor. É necessário seguir Jesus que “começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6,34), entre elas, como se libertar das garras dos maus pastores!




Neri de Paula Carneiro

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quinta-feira, 8 de julho de 2021

Vai profetizar!

Gosto muito da franqueza do profeta Amós.Principalmente no trecho abordado neste décimo quinto domingo do tempo comum (Am 7,12-15). Trecho no qual o profeta afirma estar agindo por mandato divino.

Ele nos ensina que muitos daqueles que dizem estar falando em nome de Deus, na realidade defendem um tirano ou algum usurpador da Palavra de Deus. Aqui, neste trecho, trata-se do sacerdote Amasias, entretanto, nos dias atuais, são muitos os que tentam calar a profecia dizendo que “a Igreja não deve se meter em politica”.

Mas a hipocrisia não para nisso, pois estes só a condenam quando a Igreja denuncia suas mazelas, malandragens e malversação das coisas públicas. Quando algum traidor da Palavra de Deus os apoia, não dizem que a Igreja está fora de seu oficio.

Algo semelhante podemos ver nas palavras de Paulo(Ef 1,3-14). Também o apóstolo insiste na escolha divina. E o interessante é que, enquanto Amós afirma que o chamado divino tem a ver com a denúncia das estruturas apodrecidas e geradoras de sofrimento, por seu lado, Paulo insiste nos objetivos para os quais somos escolhidos. Em Cristo, Deus nos escolheu “antes da fundação do mundo, para que sejamos santos”; “para sermos seus filhos adotivos”; “para o louvor da sua glória”(Ef. 1,4-6).

Com isso somos levados à seguinte indagação: Se somos adotados para a santidade, como diz Paulo, qual o caminho a ser percorrido para atingir esse objetivo? Tanto o apóstolo como o profeta sugerem a resposta: ser agente do anúncio da mensagem divina e da denúncia das estruturas corrompidas e que impedem a plenitude da vida.

E quem nos diz isso é ninguém menos do que Jesus de Nazaré (Mc 6,7-13). Não diz, exatamente com palavras, mas ao indicar as ações que os discípulos devem executar: expulsar demônios e curar os enfermos. Com essa finalidade convocou os discípulos e “começou a enviá-los dois a dois, dando-lhes poder sobre os espíritos impuros” (Mc 6,7).

Em seu tempo, e Jesus bem o sabia, muitas doenças e sofrimentos e dificuldades pelas quais passavam as pessoas, eram vistas como coisas demoníacas. E essa demonização do sofrimento provocava um mal viver. Portanto, encarregar os discípulos de expulsar os demônios era a mesma coisa que promover a cura. E promover a cura era reintroduzir as pessoas ao convívio social. E não são poucas as vezes em que Jesus cura e manda a pessoa curada se reintegrar ao seu grupo familiar… social… passando antes pelo templo a fim de que os sacerdotes reconhecessem a cura. E isso era promoção da vida.

Nem Jesus nem seus discípulos se deliciavam com o sofrimento; não desdenhavam as dores; não menosprezavam quem os procurava em busca de alento… pelo contrário, demonstravam empatia e compaixão. A todos acolhiam e ofereciam o conforto da cura. Para a dor ofereciam acalento, pois a vida de cada um era vista como coisa sagrada: dom de Deus.

Por outro lado, Jesus mostrava sua Ira Santa e indignação contra aqueles que não se dedicavam à promoção da vida. Principalmente aqueles que tinham dever de o fazer, em razão de seu ofício, como os sacerdotes… e as demais lideranças políticas. Contra esses e todas as autoridades, que eram  representantes das forças demoníacas, foi que Jesus enviou seus discípulos. Contra todos os que se haviam apropriado da Palavra de Deus e a usavam contra os pequeninos....

Contra essas injustiças e posturas maldosas é que Deus escolhe algumas pessoas. Como Amós, um vaqueiro e cultivador de figos. A ele Deus incumbiu de profetizar, anunciando uma ruína iminente. Se aqueles que comandam a nação, não se converterem em favor dos fracos, toda a nação sofrerá. Não por castigo divino, mas por irresponsabilidade dos dirigentes. E o profeta anuncia, não a morte dos que promovem a maldade, mas sua ruína: sua esposa se prostituirá; seu filho será assassinado. Deus, como ninguém mais, sabe que maus políticos causam a dor da população e a ruína da nação. Contra isso Deus chamou o profeta. E o mandou profetizar!

Mas, por outro lado, se houver conversão, ensina a sabedoria paulina: aqueles que promovem a vida, e que colocaram “sua esperança em Cristo”; aqueles que colocarem em prática a “palavra da verdade”, esses poderão ser “marcados com o selo do Espírito prometido, o Espírito Santo, que é o penhor da nossa herança para a redenção do povo que ele adquiriu, para o louvor da sua glória” (Ef 1,11-14).

E assim a denúncia do profeta e o anúncio do apóstolo se encontram na ordem dada pelo Senhor: Vai profetizar!


Neri de Paula Carneiro

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sexta-feira, 2 de julho de 2021

Pedro e Paulo - “O Senhor enviou o seu anjo”

Na solenidade de São Pedro e São Paulo somos convidados a nos espelharmos não em uma mas na postura de duas das pedras sobre as quais Jesus instituiu a Igreja.

Não importa a denominação, importa que se a Igreja é cristã, não pode menosprezar estes dois personagens. Pedro porque, em diferentes oportunidades foi o principal personagem a contracenar com Jesus, nas andanças, nas conversas, nas orações, na explosão de entusiasmo ou, com a espada na mão, apressando-se na defesa do Senhor. Paulo porque, como poucos, difundiu as palavras do mestre ao qual nem chegou a conhecer em vida. Ambos com a mesma e única paixão: Jesus de Nazaré, morto por suas ideias e ideais de amor; ressuscitado porque é o enviado do Pai.

Nos Atos dos Apóstolos(12,1-11) vemos encontramos Pedro acorrentado. Preso e em risco de ser executado, por ser adepto e defender e difundir a mensagem de um criminoso, o Cristo crucificado. Mas ai também vemos como Jesus age em defesa dos seus. Simplesmente os liberta e os coloca a caminhar.

Na segunda carta a Timóteo (2Tm 4,6-8.17-18) é Paulo quem dá o testemunho não somente de sua confiança no Cristo libertador, como também dos efeitos de sua pregação. Afinal foi Jesus, ao conceder o Espírito santificador, que possibilitou que “a mensagem fosse anunciada por mim integralmente, e ouvida por todas as nações” (2Tm 4,17). Podemos dizer, sem sombra de dúvidas, que se hoje somos seguidores de Jesus, devemos isso a Paulo, que levou a mensagem cristã, para os pontos mais distantes. E, dessa forma, a palavra de Jesus chegou a nós.

OPedro, que vemos nos Atos dos Apóstolos, pode transmitir a impressão que está abatido, como que sentindo a derrota. Ele sabe que será apresentado àqueles que assassinaram Jesus e que, certamente, os mesmos pedirão sua execução. Afinal, Herodes não age diferente dos políticos atuais. Não importa quem é a vítima, o que importa é tirar proveito de sua desgraça. Herodes quer satisfazer os Judeus e, em troca, continuar governando como se tudo estivesse bem. Entretanto, as coisas não estavam bem, pois o povo sofria. O povo passava fome e, como sempre ocorre, somente os ricos tinham enormes vantagens com a situação. Herodes e os mandatários da época uniam-se para sugar ao povo, tal qual ocorre em nossos dias.

Mas Pedro representava as aspirações de libertação, justiça social, uma sociedade sem excluídos. Uma sociedade de respeito e dignidade para todos. Plena de esperança de dias melhores. Por ter sido escolhido pelo Mestre como suporte da Igreja, Pedro sabia que podia contar com a comunidade e, dessa forma, enquanto “era mantido na prisão, a Igreja rezava continuamente a Deus por ele.” (At 12, 5). Por esse motivo, não estava abatido, pelo contrário, sabia que o Senhor não o havia abandonado. E, ao ser libertado, disse com convicção, fé e certeza: "Agora sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar do poder de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava!" (At 12,11). Ele sabia: o Senhor não abandona os seus…

Amesma certeza e segurança ouvimos de Paulo.

Prisioneiro, sabe que a hora de sua execução está próxima: “Quanto a mim, eu já estou para ser derramado em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida” (2Tm 4,6).Mesmo sabendo o destino que o aguarda, não perde o ânimo, nem a esperança e menos ainda a certeza de seu destino final. E externa isso em três afirmações fortes (2Tm 4,17-18): “O Senhor esteve a meu lado e me deu forças”, para suportar as perseguições e continuar o anúncio. “Fui libertado da boca do leão”, pois em mais de uma oportunidade foi aprisionado e correu risco de vida. “O Senhor me libertará de todo mal e me salvará para o seu Reino celeste. A ele a glória, pelos séculos dos séculos! Amém.” Afirma isso exteriorizando uma certeza norteadora da vida de quem sempre se dedicou ao seguimento de Jesus de Nazaré.

“Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus" (Mt 16,19),fala Jesus, explicando a Pedro sua missão. E isso independe da denominação cristã. É mandato divino. Da mesma forma que a respeito de Paulo, diz o Senhor que “este homem é um instrumento que escolhi para levar o meu nome às nações pagãs e aos reis, e também aos israelitas” (At 9,15), pois a missão não é pequena e seu sucesso, iniciou-se com Pedro e Paulo, mas hoje, depende de cada um dos que se fazem chamar de cristãos

Pedro e Paulo, personagens que deram um rosto e um norte às palavras de Jesus: anunciar sempre. Criaram um motivo para ser Igreja: colocar-se a serviço de quem precisa, mesmo contra os interesses dos que se acham donos do mundo.Mostraram a proposta de Jesus, para a inauguração do Reino: dar voz e vez aos marginalizados. E, de fato, “o Senhor enviou o seu anjo” e o anjo nos ensinou a olhar para as duas pedras sobre as quais se assenta a Igreja.
Neri de Paula Carneiro

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CICLO DA PÁSCOA: A vitória da vida.

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