quinta-feira, 22 de julho de 2021

Para que nada se perca - O povo passa fome

 (Baseado em: 2Rs 4,42-44; Ef 4,1-6;  Jo 6,1-15.)
Aconteceu em 1980, em Teresina. Na época, o papa João Paulo II – hoje santo – viu uma faixa, em meio à multidão: “Santo Padre, o povo passa fome”. No mesmo instante rezou: “Pai nosso, o povo passa fome”. Mas não era só comida, o povo também desejava acesso a direitos sociais, políticos… o povo queria sair da situação de pobreza. Por isso apelou ao papa: o líder religioso, talvez, pudesse ajudar nas questões sociais, em favor dos necessitados.

Alguns séculos antes de Cristo, as pessoas sofriam com as dificuldades, em meio à pobreza (2Rs 4,42-44). Houve fome na região, diz o livro dos Reis. Foi assim que, ao ver uma pequena multidão à sua frente, “Eliseu, o homem de Deus”, ensinou o caminho da partilha: vinte pães alimentaram as cem pessoas.

Entre estes dois episódios encontramos outro personagem e seu gesto revolucionário. Trata-se de Jesus de Nazaré, (Jo 6,1-15) alimentando a multidão. Aqui, entretanto, é possível que alguém diga: para Jesus foi fácil dar alimento a “aproximadamente cinco mil homens”.

Não foi, e digo o porquê. Também para não cometermos uma injustiça contra Jesus ou Eliseu, nesta lição de partilha. Temos que dizer, com todas as letras da palavra santa: Não foi Jesus quem deu o alimento! O mesmo vale para o livro dos Reis, narrando o gesto de Eliseu. A partilha ocorreu porque alguém ofereceu o que tinha. E isso muitos séculos antes de Marx falar em partilha.

Um grupo estava passando necessidade e chegou “um homem de Baal-Salisa, trazendo em seu alforje para Eliseu, o homem de Deus, pães dos primeiros frutos da terra: eram vinte pães de cevada e trigo novo” (2Rs 4,42). Quem acompanhava Eliseu até argumentou: isso é muito pouco para cem pessoas. Mas o “homem de Deus” não deu ouvido para a postura negacionista. Simplesmente mandou que tudo fosse distribuído. Eliseu disse apenas: “Dá ao povo para que coma; pois assim diz o Senhor: ‘Comerão e ainda sobrará’” (2Rs 4,43). Como se vê Eliseu apenas organizou e direcionou a postura socialista do homem de Baal-Salisa. Todos comeram e “ainda sobrou, conforme a Palavra do Senhor” (2Rs 4,44).

Com o papa João Paulo II não houve partilha de pão, mas de consciência de Igreja. Aquela faixa e as palavras do santo padre, em plena ditadura militar, chamaram a atenção do mundo para a situação do Brasil, para as condições de vida do povo, para a miséria provocada pela concentração de rendas. O santo padre, da mesma forma que Eliseu, foi apenas o mediador de uma nova proposta de partilha. Ao afirmar que o povo passa fome, está afirmando que alguns concentraram muito e o que eles têm a mais é o que falta na mesa dos escolhidos de Deus.

Mas, entre João Paulo e Eliseu, está Jesus.

E o que o Homem de Nazaré ensina? O mesmo que ensinou a Eliseu e o papa: o caminho da partilha. Da mesma forma que Eliseu, Jesus nada tinha para distribuir. Sabia o que ia fazer (Jo 6,6), mas ele não tinha alimento para a multidão. Tinha sua palavra salvadora, mas não os pães e peixes. O que tinha, Jesus distribuiu: ensinou a organização para atingir o objetivo: “Fazei sentar as pessoas” (Jo 6,10). Ele valoriza a oferta de quem dá o que tem para servir ao outro: “Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes” (Jo 6,9).

Jesus sabia que as multidões o procuravam para sair das dificuldades e enfermidades. Por isso lhes dava o que queriam e o que precisavam. Jesus os curava. E, em relação à fome, valorizou a fé, que eles já possuíam. E usou dessa fé para evidenciar o caminho da solução para os problemas. Uma solução que depende daquilo que podemos oferecer para o outro. Por isso distribuiu o pão e o peixe que alguém estava oferecendo.

Jesus multiplicou, e continua multiplicando, aquilo que temos para oferecer. Se ofertamos bastante, a multiplicação é maior, mas se apresentamos apenas nossas mesquinharias, essa será nossa recompensa. Mas, acima de tudo, Jesus ensina que, para os problemas sócio-políticos, as soluções também são sócio-políticas. A oração vem como motivação para a luta, para desenvolver consciência de classe e de organização social; ajuda a ter humildade para agradecer. Mas as soluções devem crescer entre nós.

Os negacionistas agem como Felipe: “onde iremos comprar tanto pão?” (Jo 6,5); ou como André: “Nem duzentos mil bastariam para atender a todos” (Jo 6,7). Mas Jesus, que sabe das coisas, diz, simplesmente: “Manda o povo se organizar!” (Jo 6,10). Contra a mesquinharia de alguns, a organização popular é a solução.

Neste ponto somos levados à conclusão, apontada por Paulo (Ef 4,1-6). Ela é simples: se há um só corpo, um só Espírito, um só Senhor, uma só fé e somente um Deus e sabendo que esse que é único ensina o caminho da partilha para um mundo socialista e solidário, então todo aquele que age contra essa proposta divina, não é de Deus! Não vem de Deus!! Não leva a Deus!!!




Neri de Paula Carneiro

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

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