(Reflexões baseadas em: Eclesiástico 3,19-21.30-31; Hebreus 12,18-19.22-24a; Lucas 14,1.7-14)
As coisas de Deus parecem absurdas.
Dizendo melhor, as coisas de Deus, aos olhos humanos, são absurdas. Por isso são divinas! Caso contrário seriam apenas coisas humanas. Mas, então, em que consiste o absurdo das coisas de Deus? Por que são absurdas?
Para entender isso, olhemos para o livro do Eclesiástico (3,19-21.30-31). Em relação aos valores do nosso mundo sem juízo, é uma loucura convidar alguém a viver a humildade. Entretanto, o Eclesiástico, afirma a necessidade de realizar tudo com base na mansidão (Ecle 3,19), com base na humildade (Eclo 3,20). E isso porque “para o mal do orgulhoso não existe remédio, pois uma planta de pecado está enraizada nele” (Eclo, 3,30). Ou seja o orgulhoso, aquele que quer “se mostrar”, tentando se sobrepor aos demais, numa postura oposta à humildade, age dessa forma porque nele existe uma raiz de pecado.
Então o que resta ao ser humano? Viver na simplicidade e buscar a sabedoria, que é um dom de Deus. “O homem inteligente reflete sobre as palavras dos sábios, e com ouvido atento deseja a sabedoria” (Eclo 3,31).
Aos olhos de Deus o que conta não são as aparências, nem as coisas que se tem, nem a ostentação, nem as posturas do orgulhoso.
O que conta, aos olhos de Deus,são as atitudes. E a melhor atitude é a humildade. O oposto disso, nos sugere a carta aos Hebreus (12,18-19.22-24), é “escuridão, trevas e tempestade”. Mas o coração humilde conduz à “cidade do Deus vivo”; conduz à “assembleia dos primogênitos”. A atitude humilde conduz àquele que fez de sua vida um caminho de humildade, o “mediador da nova aliança”, ou seja ao próprio Jesus Cristo.
Mas, então o que vem a ser humildade?
Tem a ver com a capacidade de se reconhecer e se assumir com as qualidades e defeitos que se tem, sem querer ser mais nem menos do que aquilo que se é. É uma palavra derivada do latim, humus, que significa chão, a base a partir de onde se edificam as coisas ou de onde crescem as plantas. A humildade tem a ver com o próprio Jesus, como ensina o apóstolo Paulo (Fl 2,6-8), ao dizer que Jesus se “esvaziou” de sua condição divina para assumir a condição humana.
O humilde não é aquele que se deixa minimizar, que aceita ser humilhado, pisado. Pelo contrário. O humilde é aquele que assume seu espaço, seu papel, sua condição de base; que se coloca como o chão a partir de onde se podem construir os demais valores. Nisso reside sua força
Nas palavra de Lucas (14,1.7-14) é isso que ensina Jesus na parábola do convite.
Ao perceber que as pessoas queriam se destacar no grupo de convidados, contou a parábola, dizendo que não é conveniente, ao chegar em uma festa, ocupar os primeiros bancos, os lugares de destaque. Pois pode ser que esse espaço tenha sido reservado para convidados especiais. E, se isso ocorrer, imagina o “mico”tendo que se levantar e ir ocupar um lugar lá nos fundos?… “Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu, e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer: 'Dá o lugar a ele'. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar” (Lc 12,8-9).
Essa não é a postura nem a posição do humilde. Pelo contrário. Essa é uma situação humilhante, na qual aquele que não é humilde é obrigado, por outros, a deixar a postura ostensiva e colocar-se em seu lugar, pois estava tentando usurpar o que não era o seu.
Nessa parábola Jesus ensina qual deve ser a postura daquele que é humilde, que sabe qual é sua posição. É a postura daquele que não busca ostentação nem quer se mostrar acima dos demais. Sabe qual é o seu chão e, por isso, não busca mais do que sabe merecer. Mas também sabe que pode ser destacado por ser o que é. E, novamente, é a palavra de Jesus quem nos explica isso: “Quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: 'Amigo, vem mais para cima'. E isto vai ser uma honra para ti diante de todos os convidados” (Lc 12,10).
E isso nos leva à indagação: qual é o lugar da pessoa humilde?
Seu lugar, como diz o Eclesiástico é o do homem inteligente pois ele “reflete sobre as palavras dos sábios, e com ouvido atento deseja a sabedoria” (Eclo 3,31). Seu lugar, ensina Jesus, é o daquele que, ao dar uma festa não convida quem lhe pode retribuir. Pelo contrário convida os pobre e marginalizados, aqueles que não tem como retribuir. Fazendo isso, diz Jesus, “tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos” (Lc 14,13-14).
Como se vê, as coisas de Deus parecem absurdas!
Neri de Paula Carneiro.
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;