sexta-feira, julho 29, 2022

Tudo é vaidade

 (Reflexões baseadas em: Eclesiastes (1,2; 2,21-23); Colossenses 3,1-5.9-11; Lucas (12,13-21)

 

Uma das grandes questões dos dias atuais está colocada hoje pela Palavra de Deus. Trata-se do sentido da existência e dos bens acumulados. Da mesma forma que no livro do Eclesiastes (1,2; 2,21-23) Jesus, na narrativa de Lucas (12,13-21), levanta a indagação: qual o sentido de passar a vida a acumular coisas? E essa indagação nos leva a outras: qual o sentido da vida humana? Qual o sentido da existência? O que necessitamos para viver?

O bom senso nos permite refletir sobre o sentido da vida e das coisas. Afinal, qual o sentido de passar a vida acumulando coisas se essas coisas não podem prolongar em nada a vida da pessoa. E essa reflexão nasce justamente da necessidade de resposta a esta indagação: Qual o sentido de acumular coisas, sabendo que ao partir toda a herança ficará com “outro que em nada colaborou” (Ecl. 2,21) para esse acúmulo. Algo semelhante sai da boca de Jesus, na parábola do rico acumulador: “Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?” (Lc 12,20).

O autor do livro do Eclesiastes dá uma resposta à essa indagação. Não tem sentido, pois tudo não passa de vaidade: “Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade” (Ecl 1,2). Mas, então, o que significa “Vaidade”? Inutilidade, futilidade, coisa vã, algo que não tem sentido em si mesmo, algo sem sentido...

Assim sendo, se tudo é vaidade, a posse dos bens também é uma vaidade. Uma vaidade que se manifesta com o nome de ganância. Mas, também em relação a isso, diz a palavra de Deus, pela boca do Filho de Deus: “Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,15). O que muito possui e o que nada tem, chegarão ao mesmo fim e nada levarão do que acumularam, apenas as obras realizadas.

A vida humana, portanto, não pode se resumir às vaidades, ou seja, às coisas inúteis, fúteis... A vida não pode se resumir ao “sem sentido” da existência. E o sentido da existência não pode ser confundida com o acúmulo de bens... tanto isso é verdade que a ganância não cessa e por mais que alguém possua, sempre deseja ter mais e faz de sua vida um tormento em busca dos bens que não lhe acrescentarão sequer um segundo à sua linha da vida! E, o que é pior, ao final da vida, tudo que foi acumulado, fica para ser desfrutado... ou desperdiçado, por outros...

Qual é, então, o sentido das coisas? Se perguntarmos a um aleijado qual o sentido de sua muleta ou sua cadeira de rodas, ele nos responderá que são instrumentos para sua locomoção. O aleijado não quer nem a muleta nem a cadeira de rodas. Ele quer a capacidade de se locomover. Essa pessoa não precisa de dez pares de muletas, nem de uma coleção de cadeiras de roda. Essa pessoa não terá maior mobilidade se sua muleta for de uma madeira simples ou de ouro... essa pessoa precisa apenas de seu ponto de apoio para se locomover... Essa é a condição humana. As coisas são as muletas e todas as que não usamos são inúteis... e, pior, podem estar faltando ao outro...

Isso posto, podemos entender as palavras de Paulo aos Colossenses (3,1-5.9-11). Nessa carta o apóstolo propõe uma ressignificação de tudo. Apresenta um sentido para o trabalho e para as coisas que se podem conseguir como fruto do trabalho. Diz o apóstolo: “Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres” (Col 3,1-2).

Agora podemos retomar a indagação: qual o sentido da vida? Das coisas? Do trabalho? Qual o sentido da existência? O apóstolo dá a resposta. Nada tem sentido em si mesmo. As coisas e a vida e a existência somente têm sentido a partir da opção por Jesus. Ele é o sentido de tudo e sem ele nada do que existe tem sentido.

Não adianta ter coisas, se essas coisas não são usadas a partir do critério de Cristo. As coisas ou a vida, se não estiverem pautadas a partir de Jesus, o Cristo de Deus, podem até alegrar alguma vida, mas não conduzem à Vida Plena. “Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus. Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória” (Col 3,3-4) ... levando não as coisas, mas as obras! Pois as coisas estão no círculo das vaidades... resta saber como assinalamos nossas obras.

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

 

quinta-feira, julho 21, 2022

Ensina-nos a rezar

(Reflexões baseadas em: Gênesis 18,20-32; Colossenses 2,12-14; Lucas 11,1-13)

 

Imagino que com você ocorre o mesmo que acontece comigo: ao ler ou ouvir referências a Sodoma e Gomorra, vem à mente a destruição de uma cidade pecaminosa. Creio que poucas vezes as pessoas se recordam da intervenção de Abraão, em defesa da cidade (Gênesis 18,20-32). Poucas vezes as pessoas se dão conta de que o Senhor atende às solicitações de Abraão que apela para a clemência do Senhor em favor dos moradores daquela cidade.

A clemência do Senhor é, também, o tema de Paulo, escrevendo aos cristãos da cidade de Colossos, conforme lemos na carta a essa comunidade (Col 2,12-14). E o apóstolo ensina que apesar dos pecados se avolumando na vida de muitas pessoas, a doação de Jesus e seu sangue vertido na cruz, lavou todos os pecados de todas as pessoas e, graças a isso, a humanidade que estava mergulhada nos sinais de morte pode se reencaminhar na direção de uma nova vida na companhia do Cristo Ressuscitado.

Isso nos coloca diante de Jesus, sendo interpelado por alguém, querendo aprender a orar (Lucas 11,1-13). E Jesus ensina a orar. Ensina, como sempre, apresentando uma novidade: desta vez a novidade consiste em mostrar uma nova face de Deus. Mostrar a proximidade de um Deus que, não só caminha com quem O procura, mas que estende a mão como um Pai ao socorrer as necessidades do filho carente. Um pai que ouve o clamor de seu filho que lhe pede a solução de um problema, o encaminhamento diante de um desafio, o socorro numa necessidade.

Essa nova face do Deus Conosco, nos permite entender que não mais necessitamos de alguém para interceder por nós, como o fizera Abraão, em favor da cidade do pecado. Olhando a lição de oração de Jesus, podemos nos dirigir diretamente ao Pai. A Ele podemos apresentar nossas necessidades, nossas angústias, nossos desejos, nossas dores, nossas alegrias, nossa súplica e nossa gratidão. Podemos rezar pelo pão e pelo perdão; pela instalação do Reino e para sermos capazes de superar as tentações. E podemos tudo isso porque agora sabemos que temos um Deus que é Pai. Que é um Pai Nosso.

Alguém poderia dizer que agora a relação com Deus depende unicamente do orante em sintonia com o Pai. Isso porque Jesus também disse que no momento de oração a pessoa deve se colocar no isolamento do seu quarto (Mt 6,6), para ser atendido pelo Senhor que conhece as necessidades daquele que suplica.

Isso, entretanto, não invalida a importância da Igreja, a comunidade orante, pois Jesus a instituiu e a edificou sobre o alicerce de Pedro (“sobre esta pedra edificarei minha Igreja”, Mt 16,18). E disse que permaneceria com a Igreja santificada pelo Espírito de Vida. E, principalmente, garantiu sua presença na união de dois ou mais que estejam unidos em seu nome e em oração (Mt 18,20). Portanto, se por um lado podemos nos dirigir, confiantes, ao Deus Pai Nosso, também devemos fazê-lo em comunidade, como Igreja, corpo de Cristo.

Então, o que aprendemos com isso?

Aprendemos que Deus não quer a ingratidão do pecado, mas está disposto a perdoar o pecador, como assegurou a Abraão: poupar a cidade do pecado se ali houver alguém merecedor do perdão, se houver arrependimento. Aprendemos que Deus aceita dialogar com o orante, como dialogou com Abraão, o intercessor, mas para isso precisamos iniciar o diálogo. Aprendemos que Deus não quer a destruição do ingrato, mas o seu arrependimento.

Além e acima de tudo isso, aprendemos que Deus é um Pai bondoso: que tem um nome santo; que oferece seu Reino de amor; que dá o pão de cada dia, mas também quer que o distribuamos àqueles que dele têm necessidade; que perdoa o pecador arrependido, mas também deseja que as pessoas aprendam a perdoar; que as pessoas aprendam a repartir o pão, pois o que sobra na mesa de um é o que falta para todos os outro; que deseja ouvir nosso pedido para não cair na tentação e no pecado. Enfim, Jesus nos ensina que Deus, nosso Senhor, é um Pai bondoso, que concede o Espírito de Vida: “Se vós que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem!” (Lc 11,13).

Mas, ainda precisamos temos muito a aprender. Jesus e o Pai Nosso que nos dá o Espírito de Vida, quer que aprendamos a rezar, não só suplicando graças, mas também agradecendo a graça da vida cotidiana, mesmo com seus altos e baixos. Então, como o fez o discípulo, contemplando o exemplo do Mestre, sejamos capazes de pedir: “Senhor, ensina-nos a rezar!!!”

 

Neri de Paula Carneiro.

 

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

 

Outros escritos do autor:

 

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

 

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

sexta-feira, julho 15, 2022

Escolher a melhor parte

(Reflexões baseadas em: Gênesis 18,1-10a; Colossenses 1,24-28; Lucas 10,38-42)




Talvez, nem todos entendam o que significa enfrentar o maior calor do dia, numa região desértica. Nesse momento de extremo calor foi que Abraão recebeu a visita do Senhor (Gênesis 18,1-10a).

Talvez, para quem não se solidariza com a dor do outro, seja difícil entender a postura de Paulo (Colossenses 1,24-28) oferecendo-se em favor dos irmãos.

E somente quem se coloca ao lado do Mestre pode entender o que escolher e como escolher a melhor parte (Lucas 10,38-42).

Nos tempos atuais, quando a violência é uma constante em nossa sociedade, causa estranheza a cordialidade da recepção de Abraão oferecida aos três estranhos. O fato é que ele os acolheu, ofereceu-lhes abrigo no momento em que eles necessitavam. Não lhes perguntou as intenções, nem se preocupou com mais nada. Apenas lhes ofereceu abrigo, água e alimento (Gn 18,3-5).

Não pediu nada em troca, apenas queria o bem estar daqueles estranhos viajantes.

E justamente por isso recebeu a melhor retribuição que nunca imaginava ser possível. Uma promessa: nova visita e o prêmio de uma nova vida. “Voltarei, sem falta, no ano que vem, por este tempo, e Sara, tua mulher, já terá um filho” (Gn 18,10).O filho, sem dúvida, é a forma pela qual Deus concede ao ser humano a honra de continuar sua obra criadora! A criação divina se polonga nos filhos que geramos...

Qual foi a ação de Abraão, para merecer a retribuição dessa honra? Oferecer abrigo, água e comida a quem estava em dificuldade: o calor agressivo do deserto.

Por seu lado, Paulo, ao escrever à comunidade dos Colossenses, fala dos seus sofrimentos. As duras penas enfrentadas para ser fiel ao centro de suas pregações: “O mistério escondido por séculos e gerações, mas agora revelado aos seus santos” (Col 1,26). E o que Deus está revelando mediante a pregação paulina? A riqueza da glória divina, manifestada aos seus; a presença salvadora de seu Cristo; a esperança da vida gloriosa (Col 1,27).

O anúncio dessa esperança,se por um lado enche o apóstolo de alegria por estar colaborando no projeto de instalação do Reino de Deus, por outro lado cousa-lhe grandes transtornos e dores, pois seus adversários não estão para brincadeira: o aprisionam e o destinam à morte. Mas nem isso o intimida. E por isso vibra: “completo em minha carne o que falta das tribulações de Cristo” (Col 1,24). Ou seja, o apóstolo é solidário com a comunidade, com a Igreja, com o projeto de salvação.

Assim como Abraão fez algo em favor daqueles que necessitavam, também Paulo. Enquanto Abraão recebe o dom de vida, continuando a obra da criação, com a vida de seu filho, Paulo recebe o dom de continuar a obra da salvação, continuando a obra do Próprio Salvador.

Talvez, com isso, o Senhor esteja querendo nos dizer: preciso de você para continuar minha obra. Talvez Deus esteja nos dizendo, enquanto o Reino não se instala, completamente, preciso de tua ajuda para continuar a obra da criação. Talvez Cristo esteja nos mostrando que depende de nossa ajuda para continuar a obra da salvação. Talvez, com isso, querendo nos dizer que a grandeza da obra divina, não está no milagre da criação nem da salvação, por serrem realizações divinas, mas são coisas grandiosas porque o Senhor Deus confiou a nós a missão de continuá-la. A missão humana, portanto, é gigantesca, pois tem a envergadura de uma obra divina.

Dessa forma podemos entender a situação das duas irmãs. Não que o trabalho de Marta, em seus afazeres cotidianos não sejam importantes(Lc 10,40). São importantes, pois é no cotidiano de nossa vida que se planta, germinam e crescem as sementes do Reino. Mas para que essas sementes sejam frutuosas é necessária a sintonia com o mestre.

Por isso Jesus afirma que só uma coisa é necessária: a sintonia com o projeto do Reino. E isso deve ser feito a partir de nosso cotidiano. Entretanto esse projeto tem que ser feito em sintonia com o Mestre. E Maria entendeu isso, por isso escolheu a melhor parte, que “não lhe será tirada” (Lc 10,42).




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, julho 08, 2022

Quem é meu o próximo?

(Reflexões baseadas em: Deuteronômio 30,10-14; Colossenses 1,15-20; Lucas 10,25-37)




Quem está familiarizado com a leitura da Bíblia, neste caso com os evangelhos, vai entender: Jesus passou sua vida de pregador sendo tentado, testado, provado, provocado… pelos Doutores da Lei: homens conhecedores de todos os preceitos divinos, ensinados no Antigo Testamento, mas incapazes de vivenciá-los.

Esses personagens não questionavam Jesus querendo aprender com Ele nem porque o admiravam. Fazia isso porque, na sua visão, Jesus era um impostor e devia ser desmascarado. E também porque haviam se encaminhado por uma vereda que os afastava do espírito do ensinamento divino, contido nas escrituras. Sua preocupação estava na exterioridade da religião ao passo que Jesus demostra que o importante não são as aparências, mas aquilo que se vive, os motivos que leva cada um a fazer o que faz.

Tendo isso presente podemos entender a indagação que o “mestre da lei” lança a Jesus (Lc 10,25-37): “Quem é o meu próximo?”

E, diante da autoridade do mestre da lei, fala a autoridade do Filho de Deus (Colossenses 1,15-20), o Mestre da vida. E isso fez a diferença porque aquilo que Jesus ensina supervaloriza e aperfeiçoa o argumento de Moisés (Dt 30,10-14). Para seus concidadãos, Moisés ensina: “Ouve a voz do Senhor teu Deus, e observa todos os seus mandamentos e preceitos”. E o servo do Senhor explica o porquê dessa orientação. Os israelitas deveriam cumprir esse “mandamento” porque ele “não é difícil demais, nem está fora do teu alcance” (Dt 30,10-11).

A Palavra de Deus, saindo da boca de Moisés, insiste na necessidade de se cumprir os preceitos divinos: “esta palavra está bem ao teu alcance, está em tua boca e em teu coração, para que a possas cumprir” (Dt 30,14). A proposta divina, portanto, não é apenas para ser anunciada (por isso não está apenas “na boca”) mas para ser vivenciada no cotidiano. Por isso, além da boca, está no coração, ou seja, para ser executada, para que possa ser cumprida.

O problema é que os “sábios” de Israel queriam compreender a lei, mas não tinham predisposição para colocá-la em prática. Ensinavam, mas não havia compromisso com a vida cotidiana, nem com a prática concreta. Por isso o mestre da lei, pergunta ao Mestre da Vida: “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?”

Jesus não responde como os mestres da lei e sim como Senhor da Vida. Afinal de contas “por causa dele, foram criadas todas as coisas no céu e na terra, as visíveis e as invisíveis, tronos e dominações, soberanias e poderes. Tudo foi criado por meio dele e para ele” (Col 1,16).Sendo diferente dos mestres da lei a resposta de Jesus é uma pergunta: “O que está escrito na Lei? Como lês?”

Como especialista, o mestre sabe o que diz a lei: amar a Deus e amar ao próximo. Mas não sabe como ler esse ensinamento. E por isso continua indagando: “quem é meu próximo?” (Lc 10,29). Jesus poderia falar que todas as pessoas com as quais se convive, são nossos próximos. Mas quis dizer de forma enfática, ensinando a vivenciar, a fazer uma experiência de amor, pois somente o amor pode mostrar quem é o próximo. E assim Jesus mostra: nem o sacerdote nem o levita atenderam à necessidade do homem que havia sido assaltado, mas apenas um desconhecido. Praticantes da religião oficial, de exterioridades e formalidades, não se fizeram próximos do necessitado. Seguiam os precitos da lei e não do amor.

Por isso, a pergunta definitiva de Jesus: “Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” (Lc 10,36). Jesus não pergunta o que diz a lei. Quer saber como o indivíduo se posiciona: “Na tua opinião...”

O princípio da lei está claro: amar a Deus e ao próximo. Quem é o próximo? Aquele que precisa de ajuda. Quem é o próximo do necessitado….? Não são aqueles que fazem discursos sobre isto ou aquilo. Não são aqueles que apontam armas, como se a força fosse solução. Não são aqueles que vivem nos casarões e servem seus restos, como quem trata de um cão.Não são entidades políticas que defendem interesses de grandes corporações.

“Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” pergunta Jesus, Mestre da Vida. “Aquele que usou de misericórdia para com ele”, responde o mestre da lei.

Então vá e faça o mesmo, ensina Jesus (Lc 10,36-37). E a lição permanece atual. E a indagação, continua a ser feita, diariamente, a cada um de nós: quem é o próximo daquele que sofre as necessidades impostas pelos donos do poder, da lei, da riqueza…? Quem é o próximo dos excluídos…?




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, julho 01, 2022

Pedro e Paulo: O Senhor enviou seu anjo

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 12,1-112º Timóteo 4,6-8.17-18; Mateus 16,13-19)


Pedro e Paulo dois personagens completamente diferentes, mas com um elo que os uniu ao redor de uma proposta: a adesão apaixonada por Jesus, o homem de Nazaré, o Cristo Senhor… Adesão essa que ambos levaram até as últimas consequências… E que os levou ao martírio: dar a vida em nome da fé no Ressuscitado.

Ambos, ao longo da vida, protagonizaram cenas memoráveis.

Pedro, convivendo com o Senhor, vivenciou cenas com atitudes extremas. Sempre pronto a confessar: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,13-19; ou como o afirma Lucas: “Tu és o Cristo de Deus! (Lc 9,20). É aquele sujeito impetuoso que deseja andar sobre as águas para encontrar o Senhor, mas tropeça nas ondas e pede que o senhor lhe estenda a mão (Mt, 14,28-29). Disposto a defender o Senhor, com a espada na mão, no que é repreendido por Jesus (Jo 18,10-11)… Corre ao sepulcro, para encontrá-lo vazio (Jo 20,6); mergulha nas águas revoltas para encontrar Jesus na praia (Jo 21,7)… O fato é que Pedro é o discípulo da radicalidade, tal é sua fé e disposição para seguir o Senhor!

Essa radialidade no seguimento lhe rende prisões, como narrado nos Atos dos Apóstolos (12,1-11). O risco de morte era iminente. Outros companheiros já haviam sido executados. Isso, entretanto, não foi motivo para se deixar abater. Ele sabia-se amparado por aquele que passou a ser o centro de sua vida. Tal é sua confiança, que segue seu libertador e, ao se ver livre confessa a confiança: “Agora sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar” (At 12,11).

Essa postura de Pedro, sabendo que podia confiar, nos ajuda a entender os mártires do nossos dias: tanto aqueles que são assassinados em virtude da pregação da Palavra Libertadora, como aqueles que militam em causas sociais como os mártires ambientalistas que são, vitimados pelo poder atual.

Com Paulo as coisas não foram diferentes. Inicialmente radical perseguidor dos discípulos de Jesus.

Combatendo os discípulos de Jesus, assistiu, com um certo prazer jubiloso, a execução de Estevão (At 8,1). Mais do que isso, arrastava homens e mulheres para os prender (At 8,3). Não satisfeito, dirigiu-se a cidade de Damasco…. Foi nesse trajeto que se deu a grande mudança (At 9,1-22). Então começou uma nova fase na vida desse homem dos extremos.

Deixou de perseguir e usou todo seu ardor, seu saber e sua fé para pregar a nova mensagem. Comprova isso suas várias cartas exortando, encorajando, corrigindo, orientando, dando broncas e fazendo amplos elogios…. É todo coração amoroso e, ao mesmo tempo, racional e meticuloso. Usa a fé hebraica, mas fundamenta-a com profundas reflexões filosóficas, como o faziam os pensadores gregos.

Convida a mergulhar no seguimento ao Cristo Ressuscitado, em busca da vida eterna mas, ao mesmo tempo, cobra dos discípulos do Senhor, a mesma coerência do mestre: mostra que a fé se manifesta na prática da justiça social, na defesa dos sofredores e marginalizados; insiste na esperança de uma vida eterna, mas sem desgrudar o pé do cotidiano… enfim, só um passeio pelas suas cartas pode nos dar mais luz e admiração por esse personagem que, podemos dizer, colocou as bases para a catolicidade, a universalidade, da mensagem cristã.

Tanto fez que em favor da proposta e mensagem de Jesus que isso lhe rendeu inúmeras prisões. E no momento em que escreve ao companheiro Timóteo , aquele que honra a Deus (Timao: honra; Teo: Deus), informa-o de que sua vida terrena está chegando ao fim (2 Tm 4,6-8.17-18).

Lendo a conjuntura, sabe que seu fim se aproxima. Mas nem por isso se deixa abater: “já estou para ser derramado em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida. Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. Agora está reservada para mim a coroa da justiça” (2 Tm 4,6-8). E, da mesma forma que Pedro, Paulo sabe que apesar das dores e perseguições e dissabores… “O Senhor me libertará de todo mal e me salvará para o seu Reino celeste” (2 Tm 4,18).

Os traços da personalidade desses dois grandes homens levou Jesus a escolhê-los. E os colocou como fundamentos da Igreja: “Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,18-19). tudo isso nos levar a olhar para ambos como os anjos do Senhor, estabelecendo as bases da Igreja...

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...