quinta-feira, janeiro 28, 2021

Com autoridade



Reflexões baseadas em: Dt 18,15-20; 1Cor 7,32-35; Mc 1,21-28)






A quem nós queremos ouvir? É a pergunta que o livro do Deuteronômio (18,15-20) nos sugere. A quem nós queremos servir? Esta indagação nasce da primeira carta de Paulo aos Coríntios (1 Cor 7,32-35). Qual é a autoridade que percebemos em Jesus? É a questão colocada pelo trecho que lemos em Marcos (Mc 1,21-28).

No deserto, o povo de Deus teve medo de ouvir a voz do Senhor e de ver o fogo que o representava (Dt 18,16). Mas nós podemos indagar: esse povo teve medo do ouvir e ver ou teve medo de não ser capaz de realizar aquilo que o Senhor queria? Parece que seu medo estava no fato de não conseguir mudar os comportamentos e atitudes. Então, pra não se comprometer, preferiram não ouvir nem ver o Senhor… Não ouvindo poderiam continuar com suas atitudes pecaminosas e alegar desconhecer o projeto de Deus...

Podemos até dizer: o povo sabia que o Senhor é exigente e quer um comprometimento completo. Por esse motivo pediu alguém que falasse em nome de Deus. Pois, assim o povo imaginava, as palavras de um representante de Deus seriam menos comprometedoras. E eles poderiam continuar sem se converter ao Senhor!

Sabendo das intenções dessas pessoas o Senhor estabeleceu os critérios: mandaria seu mensageiro, sim, mas esse profeta falará em nome de Deus, com a autoridade do Senhor.

Por isso é que explica os termos do acordo: “pedirei contas a quem não escutar as minhas palavras que ele pronunciar em meu nome” (Dt 18,19). Ou seja, o povo pode até não querer o contato imediato com o Senhor, mas não pode deixar de cumprir com seus preceitos, sob pena de ser, definitivamente afastado do projeto de Deus. Pode até tentar se esquivar, mas não poderá deixar de tomar uma posição: adere ao Senhor ou afasta-se dele. O que determina a proximidade ou distanciamento são as atitudes, como ensinou Jesus: “Pelos frutos conhecereis a árvore” (Mt 12,33).

Mas o interessante é que a exigência não é feita somente para o povo. O profeta também tem obrigações: ser fiel à palavra de Deus, caso contrário “esse profeta deverá morrer” (Dt 18,20).

Em nossos dias poderíamos nos perguntar quantos desses tantos que dizem falar em nome de Deus realmente trazem a mensagem divina e quantos são charlatões e enganadores do povo? Quantos são os que estão impondo ao povo sua vontade e interesses pessoais e não a palavra libertadora do Senhor? Quantos estão usando “o Nome do Senhor” para se autopromover às custas da fé sincera do povo?

Sabemos que aquele que fala em nome do Senhor anuncia o bem estar das pessoas ao mesmo tempo que denuncia as estruturas e condições de sofrimento em que o povo se encontra. O profeta de Deus, de ontem e de hoje, não compactua com as condições de miséria nem com as dores impostas ao povo enquanto alguns privilegiados levam vantagem em tudo. E levam vantagens às custas do sofrimento do povo. E isso não vale apenas para o mundo da política, mas também para o mundo dos negócios e das práticas religiosas!

Ao ser humano cabe escolher a quem vai servir. Cabe escolher, também, como vai se comportar ou em que condições vai dedicar sua vida a Deus, como sugere Paulo: as pessoas podem escolher casar-se e nessa condição apoiar-se mutuamente, ao mesmo tempo em que sevem ao Senhor. Ou podem permanecer solteiros e, também assim, fazer de sua vida um serviço ao Senhor. De uma ou de outra forma, acrescenta o apóstolo: “O que eu desejo é levar-vos ao que é melhor, permanecendo junto ao Senhor, sem outras preocupações” (1 Cor 7,35).

Por seu turno, vemos Jesus às voltas com uma situação muito particular. Ele é interpelado não por alguém que deseja um milagre, que deseja saúde ou alimento. É interpelado por alguém que põe em dúvida sua missão; que não aceita sua missão salvadora; que não quer perder os privilégios. E grita: “Que queres de nós, Jesus nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és” (Mc 1, 24).

Quem se instala no poder não quer dele abrir mão. Não importa se exerce poder sobre o mundo, uma nação, uma cidade ou uma pessoa. O dominador sempre vê no outro um oponente que o quer “destruir”. Esse jogo de poder e de alianças escusas para mantê-lo é uma constante na política. Muitas vezes o candidato abomina um determinado grupo ou prática de um grupo adversário. Mas sendo eleito, esse que antes combatia o “centrão de maldades” ou outros adversários, alia-se a eles fim de se manter e se assegurar no poder. O antigo adversário é “comprado” para virar aliado.

No caso de Jesus a verdade é outra: Ele não faz alianças nem concessões ao disseminadores do mal. Pelo contrário, Ele efetivamente veio para destruir as forças do mal. Para isso tem autoridade; age com autoridade e fala com autoridade. É contra as forças do mal, que escravizam, que maltratam, que exploram as pessoas, que Jesus se posiciona. Com essa finalidade enfrenta aquele que domina o homem sofredor: “Cala-te e sai!” (Mc 1,25). Liberta o sofredor das garras do poder demoníaco que o aprisiona.

As pessoas não estão acostumadas a ver o mal sendo enfrentado e expulso da convivência social e por isso nem sempre percebem que as forças do anticristo se instalaram no centro do poder. Entretanto Jesus, cumprindo definitivamente a promessa de Deus, envia seus discípulos. E hoje envia a nós, para combater as forças do mal que enganam e exploram o povo.

Portanto, em nossos dias, somos nós que devemos, não só falar, mas principalmente agir com autoridade a fim de combatermos as forças do anticristo instaladas no centro do poder. Do poder corrompido que explora o povo e o condena à miséria...





Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

quinta-feira, janeiro 21, 2021

Põe-te a caminho

Põe-te a caminho

Reflexões baseadas em: Jn 3,1-5.10; 1Cor 7,29-31; Mc 1,14-20)







Tudo que vemos acontecer nos tempos em que vivemos nos aguçam a curiosidade: Onde iremos com tudo isso? Alguns ficam apreensivos em relação aos destinos do mundo: serão prenúncios apocalípticos? Muitos dizem ter certeza de que o fim está próximo. Qual será nosso destino nesse mundo alucinado?

Uma breve reflexão lançada pela Palavra de Deus talvez possa nos sugir uma pista a respeito de tudo isso. Jonas (3,1-5.10), alerta os habitantes da cidade de Nínive, dizendo que eles têm quarenta dias para se converter e mudar seus comportamentos. Paulo (1 Cor 7,29-31), dirigindo-se à comunidade de Corinto, alerta que o tempo será abreviado. E, na narrativa de Marcos (1,14-20), o próprio Jesus afirma que o reino de Deus está próximo. E nós, observando nosso cotidiano, somos tentados a dizer: é o final dos tempos!

Mas, e isso podemos nos indagar sempre, será que todas as tragédias que andam ocorrendo em nosso mundo e os textos da liturgia de hoje, são indícios do fim dos tempos?

A primeira vista, a perícope de Jonas pode nos indicar isso. O profeta foi encarregado de ir até a grande cidade de Nínive e ali anunciar um alerta divino: “Ainda quarenta dias, e Nínive será destruída” (Jn 3,4). E o profeta cumpriu sua missão: levantou-se, pôs-se a caminho e andou por um dia inteiro pela cidade anunciando a destruição que seria evitada pela conversão.

E o inesperado ocorreu: os ninivitas mudaram seus comportamentos e o Senhor poupou a cidade. Atitude bem diferente daquela em que Abraão intercedeu por Sodoma (Gn 18,32), alegando que ali poderia haver ao menos dez pessoas honestas. E o Senhor lhe assegurou que se assim fosse a cidade seria poupada. Mas ela foi destruída.

O que diferencia Nínive de Sodoma? O anúncio de Jonas e a atitude de arrependimento dos seus moradores, coisa que não ocorreu em Sodoma.

E o que isso nos sugere? Que o Senhor concede oportunidades. Concede condições para que as pessoas mudem seus comportamentos. Ao ser humano cabe tomar a decisão. Deus age em resposta ao comportamento humano. Por isso, vendo como agiram os ninivitas “compadeceu-se e suspendeu o mal que tinha ameaçado fazer-lhes” (Jn 3,10). Isso nos indica que a primeira intenção de Deus não é a destruição, mas a oferta de oportunidades para a reformulação das atitudes.

Com isso chegamos à mensagem paulina. O apóstolo não está, pessoalmente, em Corinto, mas sabe de tudo que ali acontece: cidade grande; cidade portuária; cidade na qual existem muitos cultos pagãos e, também, comportamentos inoportunos, pelos quais a pessoa humana explorada em suas fragilidades. Ali havia muitas situações degradantes nas quais a pessoa não era valorizada.

Para contrastar com essa situação, na comunidade de Corinto Paulo faz o alerta: “O tempo está abreviado” (1Cor 7,29). E o mesmo alerta vale para nós: indaguemo-nos sobre o valor que atribuímos a cada coisa.

Essa perspectiva nos permite entender a série de recomendações pelas quais o apóstolo sugere a transitoriedade daquilo que nos circunda: tanto faz chorar ou estar alegre; usar ou não as coisas do mundo; estar casado ou não… ou seja, nada do que está no mundo ou em nossas vidas é definitivo. Não importa se o momento presente é trágico ou maravilhoso: esse momento é transitório, como a figura do mundo ou a representação que se faz do mundo: “Pois a figura deste mundo passa” (1 Cor 7,31). Assim, se tudo é transitório, devemos buscar o que é definitivo!

E aqui vem a indagação mais importante: se tudo é transitório, ou se nada é definitivo, existe algo que realmente vale a pena? Sim, a adesão ao Reino de Deus!

Isso é o que explica a afirmação de Jesus, dizendo que o Reino está próximo. Está próximo porque está à disposição de quem quer aderir. Está próximo porque cobra uma tomada de decisão: ou se adere ao projeto do Reino, que é definitivo, ou se permanece no mundo, que é passageiro. Simão e André, assim como Tiago e João, deixaram tudo e seguiram Jesus (Mc 1,18.20).

Mas em que consiste o “seguir Jesus”?

Consiste em dar um novo significado a cada coisa que temos ou fazemos. Não se trata de abandonar tudo, mas de ressignificar tudo. Trata-se de se manter em constante conversão, como ocorreu com os ninivitas. Trata-se de tomar consciência de que as coisas que nos cercam são passageiras, conforme a orientação de Paulo. Trata-se de perceber que a proposta do Reino é definitiva. Trata-se de aprender que não dá para aderir ao Reino quando aquilo a que damos valor, aquilo que buscamos acima de tudo são as coisas do mundo.

O Senhor manda Jonas por-se a caminho e ele consegue a conversão dos moradores de Nínive. Jesus chama os discípulos que se põem a caminho para continuar sua obra, como pescadores de homens. E nós, estamos nos colocando a caminho? O reino está próximo, mas é necessário aderir a ele. Importa por-se a caminho… e, para quem se põe a caminho, não importa se o fim está próximo ou não. Importa saber que se o tempo está abreviado ainda é possível aderir ao projeto do Reino… 
 

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.


quinta-feira, janeiro 14, 2021

Mestre, onde moras?


Reflexões baseadas em: 1Sm 3,3b-10.19; 1Cor 6,13c-15a.17-20; Jo 1,35-42)









Aqui estão algumas indagações que a Santa Palavra nos apresenta. Qual será nossa resposta?

O que nós faríamos, como reagiríamos se, no meio da noite, ouvíssemos uma voz chamando nosso nome? Com certeza essa foi a sensação de Samuel (1 Sm 3,3b-10.19) ao ouvir um chamado, sem saber quem o chamava nem de onde vinha a voz.

Que significa pra nós, saber que nosso corpo é membro de Cristo? Essa foi a indagação de Paulo aos membros da comunidade de Corinto (1 Cor 6,13c-15a.17-20), afirmando-lhes ser membros do corpo de Cristo.

Quantas vezes nos interessamos em saber do Senhor onde é sua morada, como fizeram os discípulos de João (Jo 1,35-42)?

Três vezes o jovem Samuel foi interpelado por uma voz que imaginava ser de seu mestre Eli (Sm 3,4.6.8). Inicialmente nenhum dos dois se deu conta de que era o Senhor a chamar. Nem a experiencia de Eli, nem a inocência de Samuel. Ao jovem, coube a justificativa de que “ainda não conhecia o Senhor, pois, até então, a palavra do Senhor não se lhe tinha manifestado” (1Sm 3,7).

Mas é um fato: o Senhor Chama! A vida repleta de experiências, como o caso de Eli, pode retardar a compreensão. Mas Ele não deixa de interpelar. É necessário que se tenha alto desprendimento, grande capacidade de doação, muita vontade de encontrar o Senhor … para responder como o jovem Samuel: “Fala, Senhor, que teu servo escuta” (1Sm 3,10).

O fato de Samuel não conhecer o Senhor, de não tê-lo compreendido desde o início, não o impediu de acatar as orientações de seu mestre e se deixar conduzir pelo Senhor. Essa pode ser a primeira grande lição da Palavra Sagrada, para hoje: ouvir e deixar-se guiar pelo Senhor.

E se essa é uma lição, para hoje, devemos compreender sua complementação. Ouvir e deixar-se guiar pelo Senhor, parte do pressuposto de que devemos conhecê-lo. E uma das formas de o conhecermos é alguém no-lo apresentar. Foi o que fez o Batista: apresentou Jesus aos seus discípulos: “Eis o cordeiro de Deus” (Jo 1,36).

Tendo sido apresentados, os discípulos de João começam a seguir Jesus. (Jo 1,37). E aqui se dá o diálogo mais importante de suas vidas. Jesus os interpela (Jo 1,38), como quem pergunta: “O que é que vocês querem para suas vidas?” Como ambos estavam sedentos de um sentido maior para sua existência, quiseram saber de sua morada: “Mestre, onde moras?”. Só então Jesus os convida (Jo 1,39): “Venham comigo. Venham ver onde é minha morada. Acompanhem-me e saberão onde poderão me encontrar”. Eles foram, viram, e gostaram. Descobriram que a morada de Jesus é ao lado do seu povo!

Notemos que Jesus convida, mas não indica o endereço. Para saber de sua morada é necessário acompanhá-lo. Segui-lo. Trilhar seus passos… e os discípulos foram e viram e gostaram e voltaram para chamar aos outros. Estavam começando a conhecê-lo e Ele os guiava.

Essa pode ser uma segunda lição que a Palavra de Deus nos está ensinando: para ouvir e deixar-se guiar pelo Senhor é necessário encontrá-lo e saber onde é sua morada. Mas isso tem implicações. Implica em voltar-se para o outro, em chamar o outro para que também conheça a morada do Senhor.

Mas onde está o Senhor? Onde o Senhor reside? Onde se localiza a morada do Senhor?

A resposta nos é apresentada no discurso paulino. Embora as palavras do apóstolo tragam um tom de sexualidade, pois fala contra a imoralidade e a fornicação, na realidade não está condenando o sexo mas o mau uso do corpo. Compreenderemos melhor isso se prestarmos atenção às palavras de Paulo.

O apóstolo faz algumas indagações à comunidade de Corinto. Em sua pergunta existe uma afirmação: “Porventura ignorais que vossos corpos são membros de Cristo?” (1 Cor 6,15). Nessa indagação está a primeira afirmação: “respeitem vossos corpos, pois eles são membros de Cristo”. Mas nossos corpos não são somente membros de Cristo, são também um espaço em que reside o Espírito. Portanto, desrespeitar o próprio corpo ou o corpo de um irmão, é desrespeitar ao Senhor.

O apóstolo afirma isso em outra indagação: “Ou ignorais que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que mora em vós e que vos é dado por Deus?” (1 Cor 6,19). Embora a indagação seja formulada em outros termos, a afirmação é a mesma: “respeitem vossos corpos pois além de membros de Cristo, eles são templo do Espírito concedido por Deus.”

Esta, portanto, pode ser entendida como a terceira lição: O corpo, do homem e da mulher, deve ser respeitado, não em função de sua sexualidade, mas como membro de Cristo e templo do Espírito, dado por Deus. Ou seja, o respeito ao corpo é uma forma de afirmar a importância do ser humano. Respeitar o corpo é uma forma de afirmar a importância do ser humano em sua plenitude. E o ser humano pleno é aquele que ora, trabalha, alimenta-se, relaciona-se com outros seres humanos e com a natureza; o ser humano, em sua plenitude manifesta a presença do Senhor.

Todas as vezes que o ser humano é minimizado, não importa se por si mesmo ou por outro, nesse momento se está desrespeitando o corpo de Cristo. Nesse momento se está deixando de ouvir e seguir o Senhor, pois se está negando sua morada que é o santuário de nosso corpo.

O respeito ao ser humano é um ato de fé, pois quem o respeita é porque sabe onde mora o Senhor.





Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.


domingo, janeiro 10, 2021

Força da palavra


É pequena

    E tão forte

Sete letras

    E dizem muito

Pro poeta

    Prosa a poesia

Do universo

    Faz um hino

Na origem

    Fez o mundo

Se gritada

    Causa medo

Com candura

    Trás a paz

No silêncio

    Brada o poder

Na angústia

   É uma luz

A Palavra

    É um menino

No princípio

    Era o verbo

Esse verbo

    Veio a nós

Neri de Paula Carneiro

Outos escritos do autor, acesse: 

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sexta-feira, janeiro 08, 2021

Batismo do Senhor: Eis meu eleito

(Reflexões a partir de Isaías 42,1-4.6-7; Atos dos Apóstolos 10,34-38; Marcos 1,7-11)


Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/01/batismo-do-senhor-eis-meu-eleito.html


As festas do ciclo natalino, que se iniciaram com o Advento e se prolongam com a celebração da Sagrada Família, com a celebração de Maria Mãe de Deus e a Epifania do Senhor.

Depois disso a Igreja nos propões celebrarmos o Batismo do Senhor para darmos sequência ao Ano Litúrgico e prosseguirmos com a primeira parte do “Tempo Comum”, período no qual acompanhamos o início da vida pública de Jesus. Por isso podemos dizer que a celebração do “Batismo do Senhor” é a conclusão do ciclo de Natal e o início do Tempo Comum.

E aqui estamos para celebrar o Batismo do Senhor, celebração que tem a finalidade de nos apresentar Jesus.

E como Ele é apresentado?

Essa apresentação começa com Isaías (42,1-4.6-7). Aqui o Senhor nos é apresentado como o Servo eleito que “promoverá o julgamento para obter a verdade” (Is 42,3). Também os primeiros cristãos nos apresentam Jesus. Nos Atos dos Apóstolos (10,34-38), no discurso de Pedro, o Senhor é apresentado como aquele que andou “fazendo o bem e curando a todos” (At 10,38), uma vez que “Deus não faz distinção entre as pessoas.” (At 10,34). Na narrativa dos evangelistas, Marcos (1,7-11) apresenta Jesus na cena do Batismo. Aqui, entretanto, quem fala a respeito de Jesus não são os profetas nem os apóstolos. Aqui quem fala e apresenta Jesus é o próprio Pai: “Tu és o meu Filho amado” (Mc 1,11).

A questão, agora, é saber: o que significa o fato de Jesus ser apresentado como Servo, como quem não faz distinção entre as pessoas e como Filho amado de Deus?

Foi apresentado como Filho amado de Deus porque, de fato, o é. Jesus é aquele de quem João fala no primeiro capítulo do Evangelho: é o verbo encarnado; é a palavra criadora do Pai (Jo 1,1-18); é aquele que dá o Espírito mediante o batismo (Mc 1,8). Em virtude disso, nós passamos a ser, além de criaturas de Deus, filhos do Pai que nos ama e nos adota mediante a ação do Santo Espírito. Assim sendo, podemos dizer que fazemos parte da família de Deus, pois nos adotou (Gl 4,5-7). É pela graça do Espírito que aprendemos a chamar a Deus de Pai, como Jesus nos ensinou a chamar (Mt 6,7-15).

E por que Jesus é apresentado como Servo?

Porque não se recusou a cumprir os desígnios do Pai. E não se trata de uma servidão, imposta, mas de uma missão assumida. Uma missão que tem objetivos bem específicos: promover o julgamento (Is, 42,1); manter a esperança, pois não “apaga o pavio que ainda fumega” (Is 42,3). O pavio fumegante indica que a chama da vida permanece e se existe vida, há esperança, como apregoa o ditado popular. Isso implica dizer que a vida humana é um dom precioso, pois é no transcurso da vida que nos aproximamos de Deus.

Mesmo que nos afastemos, diminuindo a chama, permanecendo apenas um pavio fumegante, Deus nos oferece novas oportunidades, motivo pelo qual “não quebra a cana rachada”. E essas novas chances nos são oferecidas por Jesus que não se deixa abater (Is 42,4). Ele é a “luz das nações” (Is 42,6). Ele é quem liberta e promove a justiça.

Sabendo que Jesus é aquele que ensina a manter a esperança e a valorizar a vida, somos levados a afirmar que estamos negando a presença de Deus entre nós enquanto existirem situações de exclusão: social, econômica, moral… Em todas as situações em que não há plenitude humana, o que existe é a ausência de Deus e nesse ambiente é que a luz da proposta divina se insere, com a finalidade de restaurar a vida a fim de que a plenitude humana manifeste a presença divina.

O que significa afirmar que em Jesus não existe distinção entre as pessoas?

Trata-se de um prolongamento da ação do Servo, pois não faz distinção justamente porque “ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10,35). E, além disso: se somos obra da Palavra criadora, que é o próprio Filho; se somos filhos adotados no sangue de Cristo; se somos herdeiros pela adoção batismal, então não tem como o Senhor preferir a uns mais do que a outros. A todos oferece a mesma proposta de salvação. A todos o Senhor quer junto de si. A única exigência é que sejamos capazes de fazer as obras de Cristo: é necessário que continuemos “fazendo o bem e curando a todos” (At 10,38). A obra iniciada por Jesus Cristo tem que ser continuada por nós, para que, no mundo em que estamos inseridos, cresça a prática da justiça, como um dom de Deus.

Jesus é o eleito do Pai para oferecer a todos a condição de filhos, adotados pelo sangue de Cristo. Assim sendo, não mais um povo, mas a humanidade e cada uma das pessoas é eleita por Deus para a gloria definitiva. Por isso é que se faz necessária a prática da justiça social. A prática do altruísmo, a prática da solidariedade… e quando não fazemos isso ou quando pessoas ou grupos ou estruturas minimizam o ser humano ou geram situações de dor e morte, essas pessoas, grupos ou instituições se fazem representantes do anticristo e o que fazem é se interpor entre Deus e seu povo e destruir o plano da eleição. E, por mais que falem em nome de Deus, suas ações os denunciam como promotores da morte, contra a eleição divina.

Mas quando, no espírito da esperança e do Natal, promovemos a vida, tornamo-nos membros do corpo vivificante de Cristo. Isso ocorrendo, o Senhor Deus não dirá apenas de Jesus Cristo, mas a nosso repeito também dirá: Esse é meu eleito. Esse é meu filho. Esse é meu escolhido. Esse é amado por mim….


Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

sexta-feira, janeiro 01, 2021

Epifania: Vimos a sua estrela

(Reflexões baseadas em: Isaías 60,1-6; Efésios, 3,2-3a.5-6; Mateus 2,1-12)


Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/01/epifania-vimos-sua-estrela.html


Cenas marcantes nos são apresentadas neste tempo de Natal. E, se não formos insensíveis, certamente seremos tocados por elas ou, pelo menos, por algumas delas.

Entre todas as cenas do período natalino, uma delas, certamente é esta em que os três magos chegam onde está o menino (Mt 2,1-12): Quem são eles? De onde vieram? Por que vieram?

Pelo que nos informa Mateus, eles procuravam um rei (Mt 2,2). Por esse motivo, certamente eles acham estranha a cena: esperavam um rei e sua pompa e encontram uns animais, uns pastores e uns pobres coitados, cuidando de uma criança que nem roupa tinha para vestir. Realmente uma cena estranha ou, pelo menos, não esperada...

Olham novamente a cena: Os pais da criança, alojados no curral; a plateia de visitantes uns pastores, certamente também mal vestidos. Toda a cena denota pobreza. Uma cena que, em nada, lembra a pompa da realeza. Eles haviam saído de sua terra para visitar um rei… Mas por algum motivo, certamente por inspiração divina, afinal Deus acompanha os sábios, e até se manifesta como Sabedoria … eles entram na roda de conversa e sentam-se entre os presentes, para conversar.

Na roda de conversa os magos contam sua história: “vimos sua estrela no Oriente” (Mt 2,2). E explicam que partiram tão logo avistaram a estrela mensageira do nascimento do rei. Explicam que procuraram no palácio, pois procuravam o rei dos judeus. Explicam que o rei romano nada sabia do rei recém-nascido. E, principalmente, explicam que o rei, em Jerusalém, solicitava informações a respeito do rei que acabara de nascer, e que ali estava, majestosamente na manjedourauma criança simples, entre animais e pastores!

E eles, principalmente, explicam que não estão entendendo a cena, pois seus estudos e suas observações e suas informações lhes asseguravam que encontrariam um bebê envolto na realeza, mas o que de fato encontraram foi uma criança comum, filho de pessoas comuns… envolvidos, todos, na pobreza! Também isso coisa comum, no meio do povo, que não ostenta riqueza!

Não sabemos se nessa conversa, se foram os pastores, ou foram os pais do menino… ou apenas inspiração divina. O fato é que os magos entenderam a cena. Compreenderamm a natureza do reino do recém-nascido. Quem sabe alguém lhes tenha explicado o significado da profecia de Isaías (60,1-6). Quem sabe alguém lhes tenha dito que, da mesma forma que os magos viram a estrela mensageira, o profeta também anunciara sua visita. Talvez tenham lhes explicado que, com a chegada dessa criança, o mundo passava a ter um novo significado. Talvez tenham lhes explicado que essa era uma criança que estava ali para atrair a si todas as nações. Talvez tenham lhes explicado que o recém-nascido veio para acabar com as trevas que envolviam toda a terra, para que todos os povos pudessem voltar a caminhar na luz (Is 60,2-3).

Não sabemos se entenderam por si mesmos, se lhes foi explicado ou se tudo foi só inspiração divina, mas o fato é que os magos compreenderam que “uma criança nos foi dada” e a criança que nos foi dada é a luz para guiar os povos, como havia guiado os magos.

E todos entenderam, como o entendeu Paulo (Ef, 3,2-3a.5-6): esse recém-nascido, ao crescer vai anunciar uma mensagem transformadora. Não só para transformar as atitudes de quem o ouviria, mas também os rumos da história. Essa criança, ao crescer, anunciou que seu reino não se limita ao povo judeu, mas a todos que aceitarem a nova proposta e eles, os magos, estavam ali para comprovar isso.

Isso Paulo também entendeu e passou a ensinar: o anúncio feito pelo jovem que nasceu na estrebaria; esse mesmo jovem que havia sido anunciado pelo profeta, trouxe uma novidade: “os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho” (Ef, 3,6).

E então, tudo passa a fazer sentido para os magos: Deus está se manifestando! Eles entendem que Deus faz opção de classe social. Preferiu não nascer entre os ricos, pois eles já tem de tudo, inclusive seus deuses que satisfazem suas vontades. Entenderam que o rei que está à sua frente, não poderia ter nascido no palácio, pois precisa se manifestar àqueles que nada possuem para, com esse gesto, anunciar que a partir do Natal os deserdados, explorados, injustiçados, marginalizados… podem ter uma certeza: Deus está com eles. Por isso nasceu pobre entre os pobres. Veio para mostrar que um outro modelo de sociedade é possível, sem ser necessário cumprir as vontades do rei maldoso sentado no trono do palácio do mal. Em vez de cumprir com as ordens assassinas do rei eles “não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho” (Mt 2,12).

Os magos entendem que outro caminho é possível. Entenderam que o novo rei, não fez questão do luxo. Se o próprio rei nasceu entre os pobres, isso indica que há um caminho alternativo que leva ao Pai e que os empobrecidos são vítimas. Mas podem voltar a ser protagonistas, fazendo com que as vítimas passem a ser os primeiros destinatários da mensagem. E compreendem isso porque “viram o menino com Maria, sua mãe” (Mt 2,11). Então, percebendo a simplicidade da nova mensagem, reverenciam no novo rei e lhe entregam os presentes.

É assim a manifestação da nova realeza: não na ostentação, mas na simplicidade. Não em meio às artimanhas políticas do palácio, mas no meio do povo, representados pelos pastores. Não em obediência à antiga lei que aprisiona, mas seguindo outro caminho, como o caminho dos magose para seguir o novo rei basta seguir sua estrela.

 

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.


Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...