quinta-feira, julho 30, 2020

Vinde

O que Deus está nos propondo neste 18º domingo do tempo comum?

A resposta, se a quiséssemos de uma forma rápida e simplificada, seria dizer que o Senhor nos apresenta uma descrição do Reino de Deus, instalado entre os seres humanos.

Mas, a curiosidade humana nos leva a perguntar: em que consiste esse Reino?

Essa resposta foi-nos apresentada ao longo dos três domingos precedentes, nos quais líamos o capítulo 13 de Mateus. Ali Jesus nos descrevia o Reino, mediante parábolas.

Agora a liturgia nos convida a um passo a mais. Nos convida a olhar por dentro do Reino apresentado por Jesus.

Como sempre, trata-se de uma proposta. É como se Deus dissesse: “Isto é o que tenho para lhe oferecer!” Esta proposta vem na forma de uma ilustração do Reino! É como se olhássemos o Reino por dentro, depois dele consumado, instalado, entre nós.

Aos que aderem a essa proposta, Paulo, na carta aos Romanos (8,35.37-39), apresenta a força dessa promessa, com uma pergunta: “Quem nos separará?” (Rm 8,35). Aqueles que aderem à proposta, mesmo passando por dificuldades, perseveram, pois “Em tudo isso, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou!” (Rm 8,37). Jesus é a força e nos dá força para perseverarmos; para nos mantermos fiéis ao Reino.

Àqueles que ainda estão em dúvida, Isaías (55,1-3) convida: “Vinde” (55,1.3). Diante da sede ou da fome o profeta apresenta o convite do Senhor: “vinde às águas; vós que não tendes dinheiro, apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite, sem necessidade de pagamento” (Is 55,1).

Notemos que o apóstolo e o profeta nos apresentam um primeiro retrato do Reino: superação das dificuldades e satisfação das necessidades.

É claro que cada um de nós, individualmente, pode se recusar a entrar nesse Reino. Mas para aqueles que aderem à proposta, que respondem “Sim, eu vou”, “Sim, eu quero”, o Reino nos é apresentado em sua plenitude.

Aos que aderem à proposta do Reino, Paulo diz que nada “será capaz de nos separar do amor de Deus por nós” (Rm 8,39). E isso por um motivo simples e quase evidente: Deus não quer que ninguém se perca; Deus não quer o sofrimento; Deus não quer as dificuldades. A proposta do Reino é superação e satisfação plenas e de forma definitiva.

Mesmo que enfrentemos as piores dificuldades, e o apóstolo faz uma breve lista delas, “Tribulação? Angústia? Perseguição? Fome? Nudez? Perigo? Espada?” (Rm 8,35), Deus nos dará a força necessária para a superação e, antecipadamente, já podemos comemorar a vitória, pois “em tudo isso, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou!” (Rm 8,37).

Nascemos para a vitória sobre os dissabores, neste mundo; e na instalação do Reino receberemos as recompensas. Por isso, o profeta insiste no convite do Senhor: “Inclinai vosso ouvido e vinde a mim, ouvi e tereis vida; farei convosco um pacto eterno” (Is 55,3)

Outra amostra do Reino é a prática de Jesus, como nos mostra Mateus (14,13-21). Ele tem “compaixão” (Mt 14,14) e por isso cura e dá o alimento (Mt 14,19), com fartura (Mt 14,20).

Mas qual é a novidade desta imagem do Reino?

Talvez o fato de que sua instalação depende de nós! Talvez por isso sua apresentação em algumas etapas: a primeira é o fato de ser gratuito, é dom. Deus o oferece gratuitamente. Mas é um dom que tem que ser buscado: as multidões “saíram das cidades e o seguiram” (Mt 14,13). Certamente muitas outras pessoas havia nas cidades, e não seguiram Jesus, nem foram por ele curadas nem alimentadas. Mas quem o buscou recebeu o que buscava. Ou seja, o Reino está à nossa disposição, mas nós temos que desejá-lo, seguindo o mestre. Ele é dado para aquele que o procura.

Outra etapa é o fato de que o reino se instala pela mediação humana. Evidentemente Jesus poderia ter alimentado a multidão com seus próprios meios divinos. Mas à multidão faminta, Jesus envia os discípulos. Por seu lado, querendo desfazer-se do problema, os discípulos pretendem dispensar a multidão: “Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!” (Mt 14,15).

Outro aspecto está no fato de Jesus mostrar que a solução dos problemas não ocorre pela sua rejeição ou quando o passamos adiante, para que outro resolva. O reino exige comprometimento com o outro. Por isso Jesus não aceita a solução fácil e diz aos discípulos: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16). Mas tem outro ingrediente: é necessário dar o que se tem. Era quase nada, mas havia algo a oferecer: “Só temos” (Mt 14,17).

A próxima etapa é o fato da organização. “Jesus mandou que as multidões se sentassem na grama” (Mt 14,19). Na balbúrdia e cada um buscando seu próprio interesse, não há possibilidade de se alcançar o bem comum. A multidão, organizada e buscando objetivos comuns, torna-se Igreja.

Havendo busca, por parte do ser humano, havendo a mediação de uns intervindo em favor de outros, havendo comprometimento e organização, o passo seguinte é a oração. Tendo o povo se organizado, concretiza-se a imagem definitiva do reino. Aí, então, Jesus “pronunciou a bênção. Em seguida partiu os pães” (Mt 14,19).

A supressão das dificuldades, o compromisso com o outro, é o objetivo. E, àquele que busca, o Senhor convida: pelo profeta “Vinde”; pelo mestre “Vinde benditos de meu pai” (Mt 25,34).

Neri de Paula Carneiro

domingo, julho 19, 2020

Dou-te um coração

Deus está fazendo uma oferta a Salomão e, por extensão, também a nós, neste 17º domingo do tempo comum. Salomão fez sua escolha (1 Rs 3,5.7-12). E nós, qual será nosso pedido?

Numa situação destas, com certeza, muitos de nós agiríamos como se estivéssemos diante do "gênio da lâmpada", na história das “Mil e uma noites”. Lá o “gênio da lâmpada” concede três pedido, ao ser libertado. Como o Senhor Deus é muito melhor e mais benevolente que o gênio, oferece uma oportunidade mais ampla: “pede o que desejas” (1 Rs 3,5), sem limites de quantidade de pedidos, pois nesse "pede o que desejas" está implícito um "tudo". Portanto Deus está dizendo: "Pede TUDO que desejas"

Diante de uma oportunidade dessas, a maioria de nós pediríamos: dinheiro, saúde, longevidade…. Alguns ainda pediriam poder… e, em muitos casos, a ruína dos inimigos…

Diante da oferta do Senhor, Salomão não pensou primeiro em si. Penou em seu povo. Pensou em sua responsabilidade diante desse povo. Pensou no outro.

E nisso está o valor da decisão de Salomão. Podendo pedir tudo, o jovem rei nada pede em benefício próprio. Pede algo em favor dos outros. E ele recebe, mas para o uso em favor do outro: seu povo. Seria isso uma lição para nossas lideranças políticas?

Em vez de se vangloriar por ser um jovem rei, reconheceu sua inexperiência: “eu não passo de um jovem, que não sabe comandar” (1 Rs 3,7). Essa postura, confessando a pequenez, mostrou sua grandeza. E essa condição foi a a condição de seu pedido: “Dá, pois, a teu servo um coração que escuta para governar teu povo e para discernir entre o bem e o mal”(1 Rs 3,9).

O tamanho da oferta do Senhor é a medida do coração de quem faz o pedido. Por esse motivo, ao dar o que Salomão pediu, um coração compreensivo, o Senhor lhe concede além do desejado: Concede sabedoria, riqueza e glória. O Senhor lhe informa: “Vou satisfazer o teu pedido; dou-te um coração sábio e inteligente” (1Rs 3,12). E se continuarmos a leitura veremos o alcance dos dons divinos. “E também o que não pediste, eu te dou: riqueza e glória” (1Rs 3,12).

Qual a explicação para a postura de Salomão e para a resposta de Deus?

A explicação nos vem da carta ao Romanos (8,28-30). Paulo, da mesma forma que Salomão, não queria algo para si. Deu-se, completamente, à comunidade. Em vários momentos, nas várias cartas paulinas, podemos ler a afirmação do apóstolo, dizendo que está completamente a serviço do evangelho e, portanto, da comunidade. Em razão desse ministério ele, acima de tudo, sabia que “tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados para a salvação” (Rm 8,28).

O dom de Deus é sempre infinito, cabe a nós acolhê-lo. Quem o acolhe é porque ama a Deus e manifesta esse amor na doação aos outros. Na doação aos irmãos. Na entrega em favor da comunidade.

Assim o fez Salomão, pedindo em favor do povo. Assim o fez Paulo, explicando que os dons são concedidos “aqueles que Deus contemplou com seu amor”. Esses são chamados a “serem conformes à imagem de seu Filho, para que este seja o primogênito numa multidão de irmãos” (Rm 8,29). Essa multidão de irmãos Deus “chamou”, “tornou justa” e, principalmente, “glorificou” (Rm 8,30).

A proposta divina do chamado, da justificação e da glorificação é como que o destino ou o objetivo da humanidade. A proposta é para todos, mas não são todos que optam por responder ao chamado, por assumir a tarefa de se tornar justo e, como consequência, receber a glória dos céus. A glória de poder participar do Reino dos Céus.

Mas Jesus insiste na explicação e no convite-oferta-chamado para o Reino. Ele, no desejo de que a multidão opte pelo reino (Mt 13,44-52) o apresenta, dizendo o que é “reino dos céus”. O reino é: “um tesouro escondido” (Mt 13,44); é “uma pérola de grande valor” (Mt 13,46); é “uma rede lançada ao mar”.

O reino é uma proposta de Jesus. Da mesma forma que a Salomão é feita uma proposta (pode pedir) e da parte de Paulo vem o chamado, de Jesus vem o convite para fazer uma escolha. Sabendo o que é o reino, ou sabendo do seu valor, Jesus convida à opção. E diz o que ocorrerá no final do período das escolhas: “Assim acontecerá no fim dos tempos: os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos” (Mt 13,49).

Os maus serão descartados.

Os bons, já em vida, farão as obras do Senhor, como “discípulos do reino dos céus” (Mt 13,52) e depois merecerão o Reino que é um valor em si mesmo. Mas para merecê-lo o “discípulo do Reino” tem que estar voltado para o outro. Com o coração no outro. Um coração compreensivo. E, então, fazendo para o outro, ouvirá de Deus: “Dou-te um coração sábio”.

Em que consiste a sabedoria? Em fazer para o outro… Como anda o teu coração?
Deus está te fazendo uma oferta. O que você vai escolher?




Neri de Paula Carneiro

sábado, julho 18, 2020

Os justos brilharão

A contemplação do Reino de Deus. Este é um dos temas que a Igreja nos propõe para a reflexão, nas leituras deste 16º domingo do tempo comum.

E quais os critérios para contemplarmos e entendermos esse Reino, proposto e apresentado por Jesus e destinado aos justos?

A resposta se encontra nos detalhes das leituras que a Igreja nos propõe para a reflexão, neste dia, a começar com o trecho do evangelho segundo Mateus 13, 24-43.

Antes disso, entretanto, é bom nos lembrarmos que todo o capítulo 13, do evangelho segundo Mateus, é uma sucessão de parábolas (pequenas histórias de comparações). E com essas parábolas é que Jesus nos apresenta o Reino e os caminhos para chegar a ele.

Na perícope de hoje (trecho do evangelho ou de outro livro) Jesus nos apresenta o Reino em três comparações. Primeiro: “O Reino dos Céus é como um homem que semeou boa semente” (Mt 13,24). Depois diz que “O Reino dos Céus é como uma semente de mostarda” (Mt 13,31) e na terceira comparação Jesus diz que o “O Reino dos Céus é como o fermento” (Mt 13,33).

Essas três comparações nos dão algumas pistas a respeito do Reino: a primeira pista é a afirmação do Reino: ele “é”. Esse verbo é usado para indicar a existência. Jesus diz que ele “É” porque ele existe. Admitamos ou não o Reino é uma realidade. A segunda pista está na primeira comparação: o reino é como a “boa semente”. A boa semente, quando plantada, germina. Isso significa que o Reino, embora existente em si mesmo, ente nós ele precisa germinar, para crescer. E a germinação depende do solo (e a respeito dos tipos de solo Jesus falou na liturgia do domingo anterior – 15º domingo do tempo comum; Mt 13,1-23). Uma terceira pista a respeito do Reino Jesus fornece na outra comparação: a semente do reino, que é uma semente boa, é a de mostarda. Uma semente pequenina mas, por ser boa, germina e cresce oferecendo abrigo. E o abrigo do reino está disponível a todos. A quarta pista a respeito do reino está na comparação com o fermento. O fermento-Reino, faz crescer a massa, mas para que isso ocorra, é necessário que a mulher faça a mistura. Aqui Jesus nos faz lembrar e valorizar o dom da fecundidade.

O homem, pode até ser bom semeador, e usar uma boa semente, mas sem a fecundidade feminina não há crescimento. A terra-mãe é fecunda e faz nascer a semente. A semente é boa, e germina. Mas o fermento (que é masculino), pode até ser excelente, mas sem a mistura feita pelo dom fermento, não é eficiente. Não faz crescer. O crescimento do Reino-entre-nós, depende da mistura do fermento na massa. A interação faz o crescimento. O crescimento do Reino não é para indivíduos isolados, mas para a comunidade. É o fermento, misturado pela fecundidade feminina, que faz o Reino crescer na comunidade, semente-do-Reino.

Outras pistas, ou características, do Reino, podem ser buscadas no livro da Sabedoria (12,13.16-19). Algo a ser destacado é o fato de que o Reino é o convívio com Deus, Todo Poderoso. Um Deus que fundamenta seu poder na justiça. Cabendo destacar que a justiça divina não é o cumprimento de algum principio legal, mas a equidade. Ou seja, cumprir uma lei qualquer, nem sempre é uma ação justa, mas é justo quem domina a “própria força”, quem “julga com clemência”, quem governa “com grande consideração” (Sb 12,18). como o faz o Senhor. Também faz parte das características do reino o dom da esperança e “o perdão aos pecadores” (Sb 12,19).

Também Paulo (Rm 8,26-27), oferece informações a respeito do Reino. O apóstolo parte da afirmação da ação do Espírito. Mesmo sem mencionar o Reino dos Céus, ao dizer que o "Espírito vem em socorro da nossa fraqueza” e que “é o próprio Espírito que intercede em nosso favor” (Rm 8,26), Paulo está demonstrando que as sementes do Reino se estendem em favor das pessoas. E a ação do Espírito é uma ação do Reino porque “é sempre segundo Deus que o Espírito intercede” (Rm 8,27).

Nessa descrição e caracterização do Reino manifesta-se mais uma: a dimensão trinitária. O Reino é dom do Pai, manifestada pelo Espírito e anunciada pelo Filho. A ação de Jesus de Nazaré, anunciando o Reino, é uma manifestação do Espírito que nos conduz ao Pai. E isso para nos indicar que o Reino de Deus entre nós acontece e se manifesta na vida comunitária. O fermento do reino, é uma mistura comunitária. O reino é uma oferta para todos, recebido individualmente, mas se manifesta na comunidade.

Por fim, não podemos nos esquecer que diante da proposta do Reino, o ser humano tem que tomar uma decisão: assume-se como trigo ou como joio.

A opção, a escolha, é de cada um. A proposta de ser trigo é oferecida a todos. Mas alguns preferem ser joio. Ser trigo é aceitar o reino e todas as maravilhas inerentes à presença e convívio com Deus. Ser joio é escolher o afastamento definitivo da convivência com Deus, no Reino que nos foi preparado. Ser trigo é se juntar à comunidade em favor da comunidade. Ser joio é o afastamento da vida comunitária, escolhendo ser queimado no fogo do isolamento (Mt 13,42).

Aqueles que escolhem e acolhem a semente e o fermento do Reino, esses são aqueles que “brilharão como o sol no Reino de seu Pai” (Mt 13, 43)

Neri de Paula Carneiro

sábado, julho 11, 2020

Assim como

O que Deus está nos propondo neste décimo quinto domingo do tempo comum?

Estamos diante de leituras que se apresentam não só como belos textos metafóricos, mas como textos profundos em suas comparações, ensinando os caminhos para a vida.

Na primeira leitura Isaías (55,10-11) nos informa a respeito do poder a palavra de Deus. Ela vem de Deus, assim como a chuva vem do céu. E assim como a chuva cai sobre a terra com a finalidade de fazer a semente germinar, a palavra de Deus vem a nós com a finalidade de produzir efeitos.

Essa palavra é poderosa não por ser um texto, mas por representar a vontade de Deus. Por isso ela “realizará tudo que for de minha vontade e produzirá os efeitos que pretendi” (Is, 55,11).

A palavra de Deus é eficiente, é produtiva, é fecunda, é plena de vida, pois faz germinar a semente e essa semente produz alimento…. E o alimento produz vida, mantém a vida. O alimento é vida, pois o alimento é dom de Deus. E, na celebração litúrgica, o alimento é o próprio Deus.

Por sua vez, Paulo, na carta aos romanos (8,18-23) aponta para o sentido da vida. E não só o sentido da vida, mas também o sentido do sofrimento. Ele nos ensina que o sofrimento é o caminho para a glória definitiva. Ao ser libertado das dores o ser humano participará “da liberdade e da glória dos filhos de Deus”.

Diante das palavras de Paulo, mostrando o sentido da dor, afirmando que ela é o caminho para a plenitude de Deus, alguém poderia argumentar: “Se o caminho para a glória eterna é o sofrimento, isso significa que Deus gosta de ver as pessoas sofrendo para lhes conceder a vida plena. Então esse é um Deus maldoso”.

Não é esse o sentido da dor. Nem para Paulo, nem para a Bíblia e menos ainda para os ensinamentos de Jesus. A dor, os sofrimentos, os dissabores da vida, as dificuldades… não são a vontade de Deus. Tudo isso representa os reflexos das limitações da vida, das coisas, da materialidade.

E, em alguns casos, os sofrimentos são consequências de nossas escolhas!

Por isso é que Paulo afirma: “toda a criação, até o tempo presente, está gemendo como que em dores de parto. E não somente ela, mas nós também”. E Paulo explica o alcance dessas dores. Elas existem enquanto estamos “aguardando a adoção filial e a libertação para o nosso corpo” (Rm 8,22-23). Quer dizer: as dores existem, como contingência da criação, porque a criação é limitada, mas a criação se destina à glória divina, pois se origina do próprio Deus.

Assim sendo, podemos afirmar que Deus não quer nosso sofrimento. Mas como eles existem, porque são condições da materialidade e finitude das coisas e de nós mesmos. Então, qual o significado disso, desse mundo que chora como em dores de parto?

A Deus interessa a atitude diante do sofrimento. Deus não se alegra com o sofrimento, mas quer saber como nos comportamos no seu enfrentamento. Aqueles que amam a Deus sabem que Ele não nos permite um fardo maior do que aquilo que podemos suportar.

E podemos nos comportar de duas formas diante desse fardo: o primeiro é aproveitando a dor para crescer; para nos fortalecermos; para aprendermos as lições que a dor ensina. São lições doloridas, mas salutares. Então podemos enfrentar nossos sofrimentos de forma positiva. Sabendo que o problema antecede a solução, mas sabendo que a solução existe!

Outra forma é enfrentar os dissabores de forma negativa. Maldizendo e não sendo capaz de aprender, com a dor. Agir assim é não perceber que não existe planta nova sem que a semente germine. E o germinar da semente é um processo de aniquilamento. A semente deixa de existir para ceder lugar à planta, à nova vida.

Essa é uma das lições que podemos aprender da parábola, contada por Jesus, no evangelho de Mateus (13,1-23). Também Jesus, falando dos diferentes terrenos em que a semente é lançada, está falando do valor da vida, dos problemas a serem superados e da postura que podemos adotar ao nos depararmos com as dores do nosso dia a dia, ou os problemas de nossa existência.

São duas as posturas. A primeira é pessimista. Pra esses Jesus afirma: “Todo aquele que ouve a palavra do Reino e não a compreende, vem o Maligno e rouba o que foi semeado em seu coração” (Mt 13,19). A segunda é otimista. E para estes Jesus diz: “A semente que caiu em boa terra é aquele que ouve a palavra e a compreende. Esse produz fruto”(Mt 13, 23).

A semente é a palavra, e vem de Deus, como a chuva. Nós somos os terrenos: alguns pedregosos, outros à beira do caminho, outros repletos de espinhos. Mas também existem os terrenos férteis. Estes são produtivos. Nesse terreno a semente vai morrer (sofrendo) e ressurgirá em frutos de e para vida nova.

Os terrenos espinhentos, pedregosos ou à beira do caminho, são as dores. Ao perceber o lado edificante da dor, a semente pode germinar e produzir muito fruto. Mas essa já é a nossa resposta. E a resposta depende apenas de nós.

Pode ser difícil e dolorido, mas é possível tirar lições da dor. Mas é necessário lembrar que Essa semente e nesses terrenos, quem semeia é Jesus. A nós cabe dar a resposta. A nós cabe a postura diante da dor: o desespero que aumenta a dor ou a abertura para aprender com a dor e edificar ainda mais nossa vida. Assim como a chuva, assim como a semente, assim como as dores do parto: tudo é proposta e esperança de vida melhor.

Neri de Paula Carneiro

domingo, julho 05, 2020

Seu domínio se estenderá

Qual é a proposta que Deus nos faz neste decimo quarto domingo do tempo comum?

Tanto a leitura de Zacarias (9,9-10) quanto na carta de Paulo aos Romanos (8,9.11-13) fazem propostas para mudanças. Mudança de comportamento; mudança de atitude. Mas, para que essas mudanças ocorram é necessária uma outra mudança, esta indicada por Jesus: fazer-se pequenino.

Uma mudança de comportamento é sugerida por Zacarias. A ideia que temos de uma monarca é de uma pessoa que sempre faz questão de mostrar sua majestade por meio das aparências. O poderoso evidencia seu poder mediante o esplendor de sua apresentação. Ele apresenta-se com carros e cavalos e exércitos (Zc 9,10). E, normalmente, se preocupa apenas em fazer cumprir sua vontade, independentemente de isso ser ou não o melhor para seu povo. Aliás, para o monarca, nesses termos, o seu povo é o que menos importa.

Não é essa a figura do o rei, apresentado por Zacarias. E aqui temos uma mudança de perspectiva, pois este rei, apresentado pelo profeta vem ao encontro; ele é justo e salvador; ele é simples, pois “vem montado num jumento” (Zc 9,9) ao contrário do comportamento dos monarcas que se apresentam montados em belos cavalos e esperam a ovação do povo.

Esse rei humilde, apresentado pelo profeta, vem, não para a guerra e conquista, mas para a paz entre as nações. Por isso quebra o arco (ou seja, vai eliminar as armas). Os carros e cavalos perderão o valor pois seu objetivo é anunciar a paz. E, havendo paz, as fronteiras deixarão de ter sentido. Por isso o reino desse rei justo, humilde salvador, será tão abrangente: de mar a mar e atingirá os “confins da terra”(Zc 9,10). Seu domínio é extenso não poque é poderoso, mas porque é justo e vem em nome da paz.

Por sua vez, Paulo (Rm 8,9.11-13), faz referência a uma mudança de atitude: viver, não de acordo com nossas vontades carnais, “mas segundo o espírito” (Rm 8,9). Podemos dizer que Paulo é ainda mais exigente que Zacarias pois sua proposta cobra radicalidade completa, sem meios termos. Trata-se de fazer uma opção definitiva cujo alcance, ou resultado, pode conduzir à vida ou à morte (Rm 8,13).

Então, qual a consequência dessa nova postura, dessa mudança de atitude?

Um redirecionamento na vida. São as atitudes, ou a forma de conduzir o dia a dia, que demonstram a presença do Espírito; que evidenciam as opções que assumimos.

Não se trata de dizer, mas de fazer. A vida cristã exige matar o “procedimento carnal” (Rm 8,13), para viver “segundo o espírito”. E isso implica assumir a postura dos “pequeninos” (Mt 11,25) e não da ostentação.

Cabe lembrar que somos devedores de uma dívida “não para com a carne, para vivermos segundo a carne” (Rm 8,12), mas com o Espírito de vida que nos “vivificará” (8,12). O espírito de vida, está presente naqueles que realizam, em suas vidas, os atos do Espírito: amor, solidariedade, altruísmo… que são posturas de quem não está em busca da ostentação.

Esse mesmo Espírito de vida, que dá força para superar o espírito carnal, é aquele que confere forças para superar os desafios, as dificuldades, os problemas, as dores… tudo que se insere na forma de um jugo, ou fardo, pesado.

A leveza do fardo, ou do jugo, manifesta-se numa vida de simplicidade, de amizade, de superação dos conflitos…

Para que isso isso aconteça é necessário se quebrarem, ou se eliminarem, as armas. Que se acabem com os símbolos de poder, os mecanismos de dominação…

E, para isso acontecer, se faz necessário assumir não a dominação, mas a mansidão, a humildade, que não foram reveladas “aos sábios e entendidos”, mas aos que se fazem pequenos. E estes, justamente por não almejarem a grandeza, é que são capazes de ampliar os domínios da paz e do amor.

É para quem assim procede que Jesus dirige suas palavras: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11,29-30). E quando as pessoas puderem assim proceder, se instalará o reino do amor, cujo “domínio se estenderá de um mar a outro mar, e desde o rio até aos confins da terra” (Zc 9,10).

Neri de Paula Carneiro

Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...