quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

TEMPO COMUM? O Tempo de Deus nos tempos de Jesus de Nazaré


Quando falamos em Tempo do Natal ou Tempo da Páscoa, não nos parecem coisas estranhas. Mas Tempo Comum? O que é isso?

Nada mais do que um dos períodos do Tempo Litúrgico que corresponde à forma como a sabedoria da Igreja organiza a celebração da Eucaristia ao longo de um ano.

Mas, atenção! O Tempo Litúrgico ou o Ano Litúrgico não segue o mesmo encadeamento de dias e semanas e meses como estamos acostumados em nosso dia a dia nas relações sociais e comerciais, ao longo do ano civil.

A Liturgia da Igreja Católica organiza o ano ao redor de dois grandes eventos salvíficos formando dois ciclos celebrativos: o Ciclo de Natal (dentro do qual está o tempo do Natal) e o Ciclo Pascal (dentro do qual se insere o tempo da Páscoa). Esses dois ciclos estão interligados por dois períodos de Tempo Comum, formando os três grandes períodos do Ano Litúrgico.

Em sua sabedoria a Igreja nos mostra que esses três “momentos” litúrgicos convergem para um único motivo: celebrar a memória de Cristo, o Cordeiro imolado que nasceu, viveu entre nós e deu sua vida para resgatar os fiéis em sua Ressurreição.

Devemos notar, entretanto, que não estamos falando de uma comemoração ou celebração nos moldes das festas pelas quais comemoramos nossas alegrias do dia a dia. Aqui estamos falando, sim, de celebrar a vida, mas fazemos isso por mandato divino, ou seja, foi o próprio Senhor Jesus quem realizou primeiro, mostrando como deveria ser feita a celebração da memória: celebrar não só para recordar, mas para reviver e atualizar. Assim nos fala o próprio Senhor, conforme podemos ler nos evangelhos narrados por Marcos, 14,22-25; por Mateus, Mt 26,26-29 e por Lucas, Lc 22,14-20. E antes deles, o Apóstolo Paulo, orienta a comunidade de Corinto, conforme o ensinamento que recebeu do Senhor:

“De fato, eu recebi pessoalmente do Senhor aquilo que transmiti para vocês. Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, o partiu e disse: “Isto é o meu corpo que é para vocês; façam isto em memória de mim.” Do mesmo modo, após a Ceia, tomou também o cálice, dizendo: “Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que vocês beberem dele, façam isso em memória de mim.” Portanto, todas as vezes que vocês comem deste pão e bebem deste cálice, estão anunciando a morte do Senhor, até que ele venha.” (1Cor 11,23-26).

Portanto, a celebração da Eucaristia (a missa) não é apenas uma celebração a mais. Ou uma celebração que se repete dodos os dias. O que fazemos, nos diferentes tempos litúrgicos, é a mesma celebração da memória do Senhor. Por meio dessa memória o motivo da celebração não é só um evento ou fato do passado, mas uma realização atual. O ponto de partida aconteceu, sim, num dado momento histórico, mas é um fato histórico que não se esgotou ao se concluir. Ele torna-se atual todos os dias, por todo o sempre: é um anúncio da morte de Jesus, mas, acima de tudo, uma atualização de sua ressurreição que abre o caminho para nosso mergulho no absoluto de Deus, uno e trino.

Por isso, em sua catequese a Igreja nos ensina a celebrar a encarnação do Senhor, no Ciclo do Natal e sua Páscoa no Ciclo Pascal. E, entre esses dois ciclos, a Igreja inseriu fatos do cotidiano da vida de Jesus de Nazaré, os quais são celebrados ao longo do Tempo Comum.

Isso implica dizer que a vida litúrgica vai além do Natal e da Páscoa. A sabedoria da Igreja, além de celebrar atualizando o sacrifício do Cordeiro imolado, nos apresenta, de forma catequética, os diversos momentos do cotidiano de Jesus. Uma catequese pela qual a Igreja mostra os caminhos por onde passaram os passos e a vida de Jesus de Nazaré. Uma catequese que mostra o Deus Menino, crescendo e ensinando os caminhos do Reino. O Reino que nos é apresentado em sua Páscoa de Redenção. E, principalmente, uma catequese que nos convida a seguir os passos de Jesus, assumindo a missão de anunciar o Reino e ensinar o caminho para a Redenção. Uma porta que se abre quando Jesus de Nazaré abre seus braços na cruz.

Fazendo da liturgia uma longa catequese, a sabedoria da Igreja nos mostra que aos períodos posteriores ao Ciclo do Natal e que vem após o Ciclo da Páscoa intercalam-se as duas partes do Tempo Comum. Justamente com esses dois períodos é que a sabedoria da Igreja nos convida a seguir os passos e contemplar o cotidiano da vida de Jesus de Nazaré.

Então, o que é o Tempo Comum? É o período litúrgico que se segue ao Ciclo do Natal. Inicia-se, numa sequência lógica e cronológica, com o Advento, prossegue com o Natal e tempo do Natal. A sequência das celebrações pós natalinas prolongam-se até a celebração da Epifania e o Batismo do Senhor. Depois desse Ciclo de Natal iniciam-se as primeiras semanas ou os primeiros “domingos do Tempo Comum”.

Essa sequência de “domingos do tempo comum” é interrompida com as celebrações do Ciclo da Páscoa: quaresma, semana santa, Páscoa e os domingos do tempo pascal. Ao final desse ciclo, com a celebração de Pentecostes, reinicia-se o Tempo Comum. Período mais longo e que vai até a celebração do Cristo Rei do Universo, normalmente no final de novembro. O domingo seguinte será o primeiro domingo do advento. Ou seja, começamos o ano litúrgico com o Advento, quando nos preparamos para receber o Deus menino, e o concluímos contemplando Jesus, Rei do Universo.

Os dois períodos do Tempo Comum normalmente é formado por 34 semanas. Ao longo dessas semanas, a sabedoria da Igreja nos apresenta os diversos momentos da vida de Jesus. Nesse processo podemos: acompanhá-lo enquanto anda com os seus discípulos, anunciando o Reino; ouvi-lo pregando os valores do Reino aos discípulos e às multidões; aprender quem são os primeiros destinatários do Reino, acompanhando seus gestos de caridade e dedicação para com os mais necessitados; sofrer com ele quando sua proposta de paz, amor e solidariedade é rejeitada, e isso ocorre porque as pessoas não compreenderam as exigências e a radicalidade do Reino. E ao longo de todo esse processo catequético podemos seguir, com Jesus em sua caminhada em direção a Jerusalém, onde celebrará sua Pascoa.

Além disso, ao longo do Ano Litúrgico, e particularmente do Tempo Comum, também somos convidados a nos preparamos para a nova vinda de Cristo, na consumação da história.

Na realidade toda a estrutura da liturgia, ao longo do Ano Litúrgico, está organizada com os olhos voltados para estes dois movimentos e momentos: contemplar o cotidiano e os passos de Jesus, aprendendo com ele a desenvolver em nós os valores do Reino. E, ao mesmo tempo, como continuadores de sua obra, somos convidados a anunciar os valores do Reino, convidar mais pessoas para aderir à sua proposta e, fazendo isso, aguardar sua volta gloriosa. Essa é a dinâmica presente no Tempo Comum.

Na realidade e, como não podia deixar de ser, a caminhada histórica de Jesus de Nazaré teve um começo e um ponto final. Começou com seu Natal Glorioso e terminou com sua Páscoa Redentora. O que a sabedoria da Igreja faz é inserir no contexto litúrgico e ao longo de um ano os constantes convites para que façamos a memória do gesto de Jesus: desde seu nascimento, acompanhando seu cotidiano, seu ensinamento e sua proposta do Reino até coroar-se com a ressurreição, mostrando de como será o destino dos fiéis aos seus passos. E, ao mesmo tempo, essa memória do fato histórico, é uma proposta e anúncio do Reino e do retorno do Senhor, celebrado ao longo do Tempo Litúrgico e em cada celebração eucarística.

A liturgia, portanto, nada mais é do que a apresentação celebrativa dessas duas dimensões: olhar para Jesus de Nazaré e seu cotidiano e, ao mesmo tempo, aguardar seu retorno glorioso. E em ambos a liturgia nos apresenta um só objetivo: seguir os passos de Jesus, realizando o que nos ensinou. E isso desdobra-se em duas atitudes que devemos desenvolver: uma vida de oração, estreitando as relações com o Senhor e, ao mesmo tempo, usando nossa vida, nossos esforços e todos os nossos dons para que o mandamento do amor seja uma realidade; as relações entre as pessoas sejam fraternas; a solidariedade seja o parâmetro da vida. Para que não haja alguns com fortunas incontáveis produzindo milhões de famintos ao redor do mundo… tudo para que, em nosso mundo, sejam verdadeiras as palavrado Mestre: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância.” (Jo 10,10).

O que ensinou em sua vida humana, nos caminhos da Palestina, torna-se para nós um programa de vida, sintetizado em Mt 25,31-46 e que se expressa em duas frases a respeito de nossas ações. Afirmação da solidariedade: “foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40). E negação do ato solidário: “Foi a mim que o deixastes de fazer” (Mt 25,45).

O Ano Litúrgico e especificamente o Tempo Comum, refletem este convite: realizar entre nós o programa de Jesus como quem segue seus passos e como quem espera seu retorno. Mas a proposta é fazer isso, não por medo de Julgamento, e sim por convicção amorosa: amor ao irmão e amor ao Senhor da vida, sabendo que o amor ao Senhor manifesta-se no gesto de amor ao irmão, pois este é o mandamento: amar a Deus e ao irmão (Mt 22,36-39).

A tudo isso nos leva o Tempo Comum: aos ensinamentos de Jesus, apresentados ao longo de sua vida: em suas palavras; em seus gestos; em seu acolhimento ao pecador; em sua postura intransigente de afirmar que o amor é mais importante que a letra da Lei; ao perdoar antes de perguntar “quem é”; em seu abraço carinhoso às crianças, afirmando que delas é o Reino; em sua postura acolhendo a todos, sem discriminação; em seu amor aos pobre e pequeninos… ao ensinar a orar uma oração de partilha, chamando a Deus de Pai. Suas palavras não deixam dúvidas: “toda a Lei e os Profetas dependem destes dois mandamentos” (Mt 22,40).

O Tempo Comum, portanto, é tempo de aprender com Jesus. Aprendizado que nos leva a entender o tempo da Igreja, nosso tempo atual, nosso cotidiano, nossa vida... na perspectiva do Reino: “já” e “ainda não”. O Reino já apresentado, e presente na vida e nos atos amorosos de cada batizado; mas ainda não instalado definitivamente pois os anunciadores do Reino de amor, sofrem com a perseguição dos representantes do antirreino. Já presente, porque a Igreja, e cada um dos fiéis que seguem os passos de Jesus, assumem essa proposta de vida plena e libertadora; mas ainda não porque o Reino só será definitivo com a vitória da vida sobre os sinais de morte, pois “o último inimigo a ser vencido será a morte” (1Cor 15,26).

Além dessa dimensão teológica, é ao longo do Tempo Comum que a Igreja celebra as principais festas do calendário litúrgico: festas dedicadas à Mãe de Jesus; festas dedicadas aos santos e mártires; momentos nos quais celebra pontos fortes da fé eclesial: mês de oração pelas vocações, pelas missões; mês da Bíblia...

Também é ao longo do Tempo Comum que aprendemos um dos principais ensinamentos de Jesus: o seguimento do Senhor se dá em comunidade. Não se concebe vida cristã e eclesial se não for inserida numa comunidade. Quando acompanhamos Jesus, sempre o encontramos ao lado dos discípulos, realizando ações em favor de pessoas: curando e perdoando; enviando os discípulos em grupos para anunciar o Reino... e isso por quê? Porque ninguém constrói o Reino sozinho, mas em comunidade. O Reino não é uma proposta individual, mas para ser vivido em Igreja, procurando seguir os passos de Jesus de Nazaré, o Cristo que nos quer acolher no coração da comunidade da Trindade Santa.





2º Domingo do Tempo Comum



Mestre, onde moras?



(Reflexões baseadas em: 1Sm 3,3b-10.19; 1Cor 6,13c-15a.17-20; Jo 1,35-42)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/01/onde-moras.html.








Aqui estão algumas indagações que a Santa Palavra nos apresenta. Qual será nossa resposta?

O que nós faríamos, como reagiríamos se, no meio da noite, ouvíssemos uma voz chamando nosso nome? Com certeza essa foi a sensação de Samuel (1 Sm 3,3b-10.19) ao ouvir um chamado, sem saber quem o chamava nem de onde vinha a voz.

Que significa pra nós, saber que nosso corpo é membro de Cristo? Essa foi a indagação de Paulo aos membros da comunidade de Corinto (1 Cor 6,13c-15a.17-20), afirmando-lhes ser membros do corpo de Cristo.

Quantas vezes nos interessamos em saber do Senhor onde é sua morada, como fizeram os discípulos de João (Jo 1,35-42)?

Três vezes o jovem Samuel foi interpelado por uma voz que imaginava ser de seu mestre Eli (Sm 3,4.6.8). Inicialmente nenhum dos dois se deu conta de que era o Senhor a chamar. Nem a experiencia de Eli, nem a inocência de Samuel. Ao jovem, coube a justificativa de que “ainda não conhecia o Senhor, pois, até então, a palavra do Senhor não se lhe tinha manifestado” (1Sm 3,7).

Mas é um fato: o Senhor Chama! A vida repleta de experiências, como o caso de Eli, pode retardar a compreensão. Mas Ele não deixa de interpelar. É necessário que se tenha alto desprendimento, grande capacidade de doação, muita vontade de encontrar o Senhor … para responder como o jovem Samuel: “Fala, Senhor, que teu servo escuta” (1Sm 3,10).

O fato de Samuel não conhecer o Senhor, de não tê-lo compreendido desde o início, não o impediu de acatar as orientações de seu mestre e se deixar conduzir pelo Senhor. Essa pode ser a primeira grande lição da Palavra Sagrada, para hoje: ouvir e deixar-se guiar pelo Senhor.

E se essa é uma lição, para hoje, devemos compreender sua complementação. Ouvir e deixar-se guiar pelo Senhor, parte do pressuposto de que devemos conhecê-lo. E uma das formas de o conhecermos é alguém no-lo apresentar. Foi o que fez o Batista: apresentou Jesus aos seus discípulos: “Eis o cordeiro de Deus” (Jo 1,36).

Tendo sido apresentados, os discípulos de João começam a seguir Jesus. (Jo 1,37). E aqui se dá o diálogo mais importante de suas vidas. Jesus os interpela (Jo 1,38), como quem pergunta: “O que é que vocês querem para suas vidas?” Como ambos estavam sedentos de um sentido maior para sua existência, quiseram saber de sua morada: “Mestre, onde moras?”. Só então Jesus os convida (Jo 1,39): “Venham comigo. Venham ver onde é minha morada. Acompanhem-me e saberão onde poderão me encontrar”. Eles foram, viram, e gostaram. Descobriram que a morada de Jesus é ao lado do seu povo!

Notemos que Jesus convida, mas não indica o endereço. Para saber de sua morada é necessário acompanhá-lo. Segui-lo. Trilhar seus passos… e os discípulos foram e viram e gostaram e voltaram para chamar aos outros. Estavam começando a conhecê-lo e Ele os guiava.

Essa pode ser uma segunda lição que a Palavra de Deus nos está ensinando: para ouvir e deixar-se guiar pelo Senhor é necessário encontrá-lo e saber onde é sua morada. Mas isso tem implicações. Implica em voltar-se para o outro, em chamar o outro para que também conheça a morada do Senhor.

Mas onde está o Senhor? Onde o Senhor reside? Onde se localiza a morada do Senhor?

A resposta nos é apresentada no discurso paulino. Embora as palavras do apóstolo tragam um tom de sexualidade, pois fala contra a imoralidade e a fornicação, na realidade não está condenando o sexo mas o mau uso do corpo. Compreenderemos melhor isso se prestarmos atenção às palavras de Paulo.

O apóstolo faz algumas indagações à comunidade de Corinto. Em sua pergunta existe uma afirmação: “Porventura ignorais que vossos corpos são membros de Cristo?” (1 Cor 6,15). Nessa indagação está a primeira afirmação: “respeitem vossos corpos, pois eles são membros de Cristo”. Mas nossos corpos não são somente membros de Cristo, são também um espaço em que reside o Espírito. Portanto, desrespeitar o próprio corpo ou o corpo de um irmão, é desrespeitar ao Senhor.

O apóstolo afirma isso em outra indagação: “Ou ignorais que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que mora em vós e que vos é dado por Deus?” (1 Cor 6,19). Embora a indagação seja formulada em outros termos, a afirmação é a mesma: “respeitem vossos corpos pois além de membros de Cristo, eles são templo do Espírito concedido por Deus.”

Esta, portanto, pode ser entendida como a terceira lição: O corpo, do homem e da mulher, deve ser respeitado, não em função de sua sexualidade, mas como membro de Cristo e templo do Espírito, dado por Deus. Ou seja, o respeito ao corpo é uma forma de afirmar a importância do ser humano. Respeitar o corpo é uma forma de afirmar a importância do ser humano em sua plenitude. E o ser humano pleno é aquele que ora, trabalha, alimenta-se, relaciona-se com outros seres humanos e com a natureza; o ser humano, em sua plenitude manifesta a presença do Senhor.

Todas as vezes que o ser humano é minimizado, não importa se por si mesmo ou por outro, nesse momento se está desrespeitando o corpo de Cristo. Nesse momento se está deixando de ouvir e seguir o Senhor, pois se está negando sua morada que é o santuário de nosso corpo.

O respeito ao ser humano é um ato de fé, pois quem o respeita é porque sabe onde mora o Senhor.




3º Domingo do Tempo Comum



Põe-te a caminho



(Reflexões baseadas em: Jn 3,1-5.10; 1Cor 7,29-31; Mc 1,14-20)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/01/poe-te-caminho_21.html








Tudo que vemos acontecer nos tempos em que vivemos nos aguçam a curiosidade: Onde iremos com tudo isso? Alguns ficam apreensivos em relação aos destinos do mundo: serão prenúncios apocalípticos? Muitos dizem ter certeza de que o fim está próximo. Qual será nosso destino nesse mundo alucinado?

Uma breve reflexão lançada pela Palavra de Deus talvez possa nos sugir uma pista a respeito de tudo isso. Jonas (3,1-5.10), alerta os habitantes da cidade de Nínive, dizendo que eles têm quarenta dias para se converter e mudar seus comportamentos. Paulo (1 Cor 7,29-31), dirigindo-se à comunidade de Corinto, alerta que o tempo será abreviado. E, na narrativa de Marcos (1,14-20), o próprio Jesus afirma que o reino de Deus está próximo. E nós, observando nosso cotidiano, somos tentados a dizer: é o final dos tempos!

Mas, e isso podemos nos indagar sempre, será que todas as tragédias que andam ocorrendo em nosso mundo e os textos da liturgia de hoje, são indícios do fim dos tempos?

A primeira vista, a perícope de Jonas pode nos indicar isso. O profeta foi encarregado de ir até a grande cidade de Nínive e ali anunciar um alerta divino: “Ainda quarenta dias, e Nínive será destruída” (Jn 3,4). E o profeta cumpriu sua missão: levantou-se, pôs-se a caminho e andou por um dia inteiro pela cidade anunciando a destruição que seria evitada pela conversão.

E o inesperado ocorreu: os ninivitas mudaram seus comportamentos e o Senhor poupou a cidade. Atitude bem diferente daquela em que Abraão intercedeu por Sodoma (Gn 18,32), alegando que ali poderia haver ao menos dez pessoas honestas. E o Senhor lhe assegurou que se assim fosse a cidade seria poupada. Mas ela foi destruída.

O que diferencia Nínive de Sodoma? O anúncio de Jonas e a atitude de arrependimento dos seus moradores, coisa que não ocorreu em Sodoma.

E o que isso nos sugere? Que o Senhor concede oportunidades. Concede condições para que as pessoas mudem seus comportamentos. Ao ser humano cabe tomar a decisão. Deus age em resposta ao comportamento humano. Por isso, vendo como agiram os ninivitas “compadeceu-se e suspendeu o mal que tinha ameaçado fazer-lhes” (Jn 3,10). Isso nos indica que a primeira intenção de Deus não é a destruição, mas a oferta de oportunidades para a reformulação das atitudes.

Com isso chegamos à mensagem paulina. O apóstolo não está, pessoalmente, em Corinto, mas sabe de tudo que ali acontece: cidade grande; cidade portuária; cidade na qual existem muitos cultos pagãos e, também, comportamentos inoportunos, pelos quais a pessoa humana explorada em suas fragilidades. Ali havia muitas situações degradantes nas quais a pessoa não era valorizada.

Para contrastar com essa situação, na comunidade de Corinto Paulo faz o alerta: “O tempo está abreviado” (1Cor 7,29). E o mesmo alerta vale para nós: indaguemo-nos sobre o valor que atribuímos a cada coisa.

Essa perspectiva nos permite entender a série de recomendações pelas quais o apóstolo sugere a transitoriedade daquilo que nos circunda: tanto faz chorar ou estar alegre; usar ou não as coisas do mundo; estar casado ou não… ou seja, nada do que está no mundo ou em nossas vidas é definitivo. Não importa se o momento presente é trágico ou maravilhoso: esse momento é transitório, como a figura do mundo ou a representação que se faz do mundo: “Pois a figura deste mundo passa” (1 Cor 7,31). Assim, se tudo é transitório, devemos buscar o que é definitivo!

E aqui vem a indagação mais importante: se tudo é transitório, ou se nada é definitivo, existe algo que realmente vale a pena? Sim, a adesão ao Reino de Deus!

Isso é o que explica a afirmação de Jesus, dizendo que o Reino está próximo. Está próximo porque está à disposição de quem quer aderir. Está próximo porque cobra uma tomada de decisão: ou se adere ao projeto do Reino, que é definitivo, ou se permanece no mundo, que é passageiro. Simão e André, assim como Tiago e João, deixaram tudo e seguiram Jesus (Mc 1,18.20).

Mas em que consiste o “seguir Jesus”?

Consiste em dar um novo significado a cada coisa que temos ou fazemos. Não se trata de abandonar tudo, mas de ressignificar tudo. Trata-se de se manter em constante conversão, como ocorreu com os ninivitas. Trata-se de tomar consciência de que as coisas que nos cercam são passageiras, conforme a orientação de Paulo. Trata-se de perceber que a proposta do Reino é definitiva. Trata-se de aprender que não dá para aderir ao Reino quando aquilo a que damos valor, aquilo que buscamos acima de tudo são as coisas do mundo.

O Senhor manda Jonas por-se a caminho e ele consegue a conversão dos moradores de Nínive. Jesus chama os discípulos que se põem a caminho para continuar sua obra, como pescadores de homens. E nós, estamos nos colocando a caminho? O reino está próximo, mas é necessário aderir a ele. Importa por-se a caminho… e, para quem se põe a caminho, não importa se o fim está próximo ou não. Importa saber que se o tempo está abreviado ainda é possível aderir ao projeto do Reino…





4º Domingo do Tempo Comum



Com autoridade



(Reflexões baseadas em: Dt 18,15-20; 1Cor 7,32-35; Mc 1,21-28)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/01/com-autoridade.html





A quem nós queremos ouvir? É a pergunta que o livro do Deuteronômio (18,15-20) nos sugere. A quem nós queremos servir? Esta indagação nasce da primeira carta de Paulo aos Coríntios (1 Cor 7,32-35). Qual é a autoridade que percebemos em Jesus? É a questão colocada pelo trecho que lemos em Marcos (Mc 1,21-28).

No deserto, o povo de Deus teve medo de ouvir a voz do Senhor e de ver o fogo que o representava (Dt 18,16). Mas nós podemos indagar: esse povo teve medo do ouvir e ver ou teve medo de não ser capaz de realizar aquilo que o Senhor queria? Parece que seu medo estava no fato de não conseguir mudar os comportamentos e atitudes. Então, pra não se comprometer, preferiram não ouvir nem ver o Senhor… Não ouvindo poderiam continuar com suas atitudes pecaminosas e alegar desconhecer o projeto de Deus...

Podemos até dizer: o povo sabia que o Senhor é exigente e quer um comprometimento completo. Por esse motivo pediu alguém que falasse em nome de Deus. Pois, assim o povo imaginava, as palavras de um representante de Deus seriam menos comprometedoras. E eles poderiam continuar sem se converter ao Senhor!

Sabendo das intenções dessas pessoas o Senhor estabeleceu os critérios: mandaria seu mensageiro, sim, mas esse profeta falará em nome de Deus, com a autoridade do Senhor.

Por isso é que explica os termos do acordo: “pedirei contas a quem não escutar as minhas palavras que ele pronunciar em meu nome” (Dt 18,19). Ou seja, o povo pode até não querer o contato imediato com o Senhor, mas não pode deixar de cumprir com seus preceitos, sob pena de ser, definitivamente afastado do projeto de Deus. Pode até tentar se esquivar, mas não poderá deixar de tomar uma posição: adere ao Senhor ou afasta-se dele. O que determina a proximidade ou distanciamento são as atitudes, como ensinou Jesus: “Pelos frutos conhecereis a árvore” (Mt 12,33).

Mas o interessante é que a exigência não é feita somente para o povo. O profeta também tem obrigações: ser fiel à palavra de Deus, caso contrário “esse profeta deverá morrer” (Dt 18,20).

Em nossos dias poderíamos nos perguntar quantos desses tantos que dizem falar em nome de Deus realmente trazem a mensagem divina e quantos são charlatões e enganadores do povo? Quantos são os que estão impondo ao povo sua vontade e interesses pessoais e não a palavra libertadora do Senhor? Quantos estão usando “o Nome do Senhor” para se autopromover às custas da fé sincera do povo?

Sabemos que aquele que fala em nome do Senhor anuncia o bem estar das pessoas ao mesmo tempo que denuncia as estruturas e condições de sofrimento em que o povo se encontra. O profeta de Deus, de ontem e de hoje, não compactua com as condições de miséria nem com as dores impostas ao povo enquanto alguns privilegiados levam vantagem em tudo. E levam vantagens às custas do sofrimento do povo. E isso não vale apenas para o mundo da política, mas também para o mundo dos negócios e das práticas religiosas!

Ao ser humano cabe escolher a quem vai servir. Cabe escolher, também, como vai se comportar ou em que condições vai dedicar sua vida a Deus, como sugere Paulo: as pessoas podem escolher casar-se e nessa condição apoiar-se mutuamente, ao mesmo tempo em que sevem ao Senhor. Ou podem permanecer solteiros e, também assim, fazer de sua vida um serviço ao Senhor. De uma ou de outra forma, acrescenta o apóstolo: “O que eu desejo é levar-vos ao que é melhor, permanecendo junto ao Senhor, sem outras preocupações” (1 Cor 7,35).

Por seu turno, vemos Jesus às voltas com uma situação muito particular. Ele é interpelado não por alguém que deseja um milagre, que deseja saúde ou alimento. É interpelado por alguém que põe em dúvida sua missão; que não aceita sua missão salvadora; que não quer perder os privilégios. E grita: “Que queres de nós, Jesus nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és” (Mc 1, 24).

Quem se instala no poder não quer dele abrir mão. Não importa se exerce poder sobre o mundo, uma nação, uma cidade ou uma pessoa. O dominador sempre vê no outro um oponente que o quer “destruir”. Esse jogo de poder e de alianças escusas para mantê-lo é uma constante na política. Muitas vezes o candidato abomina um determinado grupo ou prática de um grupo adversário. Mas sendo eleito, esse que antes combatia o “centrão de maldades” ou outros adversários, alia-se a eles fim de se manter e se assegurar no poder. O antigo adversário é “comprado” para virar aliado.

No caso de Jesus a verdade é outra: Ele não faz alianças nem concessões ao disseminadores do mal. Pelo contrário, Ele efetivamente veio para destruir as forças do mal. Para isso tem autoridade; age com autoridade e fala com autoridade. É contra as forças do mal, que escravizam, que maltratam, que exploram as pessoas, que Jesus se posiciona. Com essa finalidade enfrenta aquele que domina o homem sofredor: “Cala-te e sai!” (Mc 1,25). Liberta o sofredor das garras do poder demoníaco que o aprisiona.

As pessoas não estão acostumadas a ver o mal sendo enfrentado e expulso da convivência social e por isso nem sempre percebem que as forças do anticristo se instalaram no centro do poder. Entretanto Jesus, cumprindo definitivamente a promessa de Deus, envia seus discípulos. E hoje envia a nós, para combater as forças do mal que enganam e exploram o povo.

Portanto, em nossos dias, somos nós que devemos, não só falar, mas principalmente agir com autoridade a fim de combatermos as forças do anticristo instaladas no centro do poder. Do poder corrompido que explora o povo e o condena à miséria...




5º Domingo do Tempo Comum



A vida do homem ou o sentido da vida





(Reflexões baseadas em: Jó 7,1-4.6-7; 1Cor 9,16-19.22-23; Mc 1,29-39)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/02/a-vida-do-homem.html








Como nós reagimos diante dos sofrimentos e dores do dia a dia? Como nos comportamos quando temos que enfrentar as dificuldades e empecilhos de nossa vida? Podemos dizer que na maioria das vezes em que enfrentamos dificuldades ou sofrimentos, nossa principal reação é a lamentação: Por que, justamente comigo? Ou conseguimos dizer: cumpra-se a vontade do Senhor?

No caso de Jó (Jó 7,1-4.6-7) essa lamentação ganha os contornos de uma análise sobre o sentido da existência. Ao se colocar a indagação a respeito da vida, percebe-a, como uma luta: “Não é acaso uma luta a vida do homem sobre a terra?” (Jó 7,1). Mas, ao mesmo tempo, ela é muito curta e passa muito rapidamente. Mal nos damos conta de que existimos e a vida chega ao fim: “Meus dias correm mais rápido do que a lançadeira do tear” ou, mais ainda, “minha vida é apenas um sopro” (Jó, 7,6-7).

Constatada a brevidade da vida; constatada a constância das dores e sofrimentos; constatada a sucessão de decepções, faz-se necessário um outro olhar sobre a vida a fim de buscar o sentido do existir, quase sempre somos levados a afirmar que nada disso tem sentido. Feitas essas constatações, aparece a necessidade de uma nova perspectiva para a vida.

Diante do sem sentido da vida, é necessário criar, perceber ou eleger um sentido. E esse sentido é a esperança, pois ela permite que o ser humano se lance em direção ao seu futuro. E essa esperança, na linguagem de Jó, é semelhante à sombra para aquele que trabalha de sol a sol ou o pagamento no final da jornada de trabalho. “Como um escravo suspira pela sombra, como um assalariado aguarda sua paga” (Jó 7,2).

Então o que Jó nos ensina? Qual a mensagem de Deus, que nos vem pelas palavras de Jó? Que as lamúrias, diante das dores, são um mecanismo que nos fazem esquecer de olhar a vida pela ótica da esperança. As dores existem, sim. É inegável. Mas todas as dificuldades nos fazem lembrar que a esperança nos move na direção da superação. Entretanto, não se trata de uma esperança pela qual nos acomodamos, esperando que, como se fosse mágica, tudo mude ao nosso favor. Trata-se de uma esperança que nos faz lutar para construirmos a superação das dores e dificuldades.

Aliás, essa é a sugestão feita por Paulo, dirigindo-se à comunidade de Corinto (1Cor 9,16-19.22-23). O apóstolo, como em várias outras passagens e noutras cartas, insiste na afirmação de que nada se faz sem dificuldades.

Aqui ele insiste na afirmação de que sua atividade apostólica e missionária não é obra sua. “A iniciativa não é minha, trata-se de um encargo que me foi confiado” (1 Cor 9,17). E recebeu esse encargo, não por mérito seu, mas por atribuição divina. Por esse motivo, ele afirma, sua pregação não é motivo de autoengrandecimento, mas uma imposição. Daí uma de suas frases mais usadas pelos evangelizadores atuais: “Ai de mim se não evangelizar!” (1 Cor 9,16).

Quer dizer: Jesus o escolheu e lhe confiou a missão. E a ele, apóstolo das nações, cabe executá-la. Paulo poderia agir como muitas pessoas: Por-se a reclamar contra as dificuldades, lamuriar-se e pedir que Deus lhe aliviasse as dores, as dificuldades, os sofrimentos, os contratempos e tudo que se interpõe à pregação da mensagem … mas não foi isso que fez o apóstolo. Enumera, sim, as dificuldades, mas não para, em virtude delas. Basta lermos o conjunto de suas catas para percebermos como e quantas foram as dificuldades por ele enfrentadas. Entretanto, e apesar de todos os contratempos, nunca deixou de anunciar o Cristo ressuscitado. Qual é seu pagamento para isso? Ele responde: “Pregar o evangelho, oferecendo-o de graça, sem usar os direitos que o evangelho me dá” (1 Cor 9,18).

Sua lição poderia ser expressa da seguinte forma: as dificuldades funcionam como um ponto de apoio e de partida para continuar a obra de Cristo. As dificuldades existem, não para impedir a ação e sim para impulsionar a vida. A dificuldade é ponto de lamentação para os fracos e trampolim para os fortes. A dificuldade é um teste, quem é fiel ao Senhor supera a dificuldade os que se sentem derrotados e vivem de lamentações, esses já estão derrotados!

Que dizer, então, da postura de Jesus, de casa em casa, de cidade em cidade curando a todos que o procuravam? (Mc 1,29-39)

A postura de Jesus está em consonância com as dores do povo. Age para aliviar essas dores. Aliviou as dores da sogra de Simão (Mc 1,31), curou vários doentes (Mc 1,34) e “andava por toda a Galileia, pregando em suas sinagogas e expulsando os demônios.” (Mc 1,39). Para todos os necessitados, doentes ou aflitos, sempre teve uma palavra de esperança, de cura e de alento. Frente às dores do mundo, que tendem a fazer com que as pessoas percam o brilho da vida, Jesus reacende a esperança. Dá saúde, oferece um motivo para viver. Exemplo disso foi a sogra de Simão que se levanta de sua enfermidade e se põe a servir.

E assim podemos voltar ao sentido da vida. As dores, os sofrimentos, as dificuldades… tudo que impede a plenitude do ser humano, em sua breve existência sobre a terra, tende a reforçar a ausência de sentido para a vida. Mas aí aparece Jó acenando para a esperança. Aparece Paulo lembrando da gratuidade. E Jesus se revela como aquele que além de ser o sentido, dá sentido para as vidas sofridas.

Que é a vida do ser humano? Sucessão de dores ou um caminho para a superação. Depende de nossas escolhas.




6º Domingo do Tempo Comum




Tu tens o poder



(Reflexões baseadas em: Lv 13,1-2.44-46; 1Cor 10,31-11,1; Mc 1,40-45)

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/02/tens-o-poder.html





Em diferentes oportunidades temos dito que Deus age a partir das condições que o ser humano oferece. Ou, dizendo de outra forma: Deus não age se o ser humano não fizer a sua parte.

E podemos dizer mais, não existe milagre se o ser humano não oferecer as condições para Deus operar. Ou seja, Deus respeita o principal milagre com o qual nos presenteou: a liberdade.

Somos livres para fazer o certo e o errado; para fazer o bem, para negligenciá-lo ou para fazer o mal. Somos livres para colaborar com a obra do Senhor ou com a obra do adversário. Com a liberdade – livre arbítrio que nos foi presenteada por Deus – podemos decidir sobre tudo que nos diz respeito e também aquilo que fazemos e interfere ou repercute na vida dos outros. Somos senhores de nossas vidas. E Deus está junto a nós para assegurar que o bem que escolhemos fazer repercuta sobre as pessoas.

Isso pode ser comprovado a partir do que a Santa Palavra nos ensina. O trecho do Evangelho segundo Marcos (Mc 1,40-45), demonstra isso de forma muito clara. Mas o trecho de Marcos tem que ser lido à luz da passagem do livro do Levítico (Lv 13,1-2.44-46), no qual o Senhor estabelece as normas do puro e do impuro. E no trecho em questão não sobra dúvidas “Se o homem estiver leproso é impuro, e como tal o sacerdote o deve declarar” (Lv 13,44).

O leproso, portanto, é impuro. E não deve aproximar-se das demais pessoas, segundo o Levítico. Mas o que faz o leproso, mencionado no trecho narrado por Marcos? Faz exatamente o oposto. Procura a multidão dos seguidores de Jesus e interpela o Mestre. O leprozo, impuro, busca sua purificação!

Em lugar de gritar, como indica o Levítico: “impuro, impuro” (Lv 13,45) e afastar-se das demais pessoas, o homem, movido pelo desespero e pela sua liberdade, ao aproximar-se de Jesus porta-se com humildade. Ajoelha-se e implora. “Um leproso chegou perto de Jesus, e de joelhos pediu: ‘Se queres tens o poder de curar-me’” (Mc 1,40). Jesus o curou, mas não foi o Mestre que o procurou para lhe ofereceu a cura, foi ele que tomou a iniciativa de pedir a recuperação.

Aqui, o mais importante não foi a cura operada por Jesus, mas a iniciativa do leproso, o homem impuro, marginalizado, excluído. Mesmo sabendo que todos o excluíam, por causa de sua condição, ele tomou a iniciativa e procurou Jesus. E apelou para o poder do Mestre. E o Mestre não se negou a interferir em seu favor.

Para melhor visualizar esta situação, imaginemos dois estudantes em véspera de prova. Ambos apelam para a ajuda de Deus e fazem, inclusive, a mesma prece: “Senhor, ajuda-me a fazer uma boa prova amanhã. Que eu saiba as respostas de todas as questões”. Depois da prova veremos que o primeiro estudante, que havia prestado atenção às aulas, feito todas as tarefas e estudado em preparação, efetivamente tirou boa nota. Ele faz nova prece: “Senhor obrigado por ter me ajudado a lembrar as respostas das questões”. O segundo, que foi relapso durante as aulas, não fez as tarefas e nem se preparou, ficou com nota baixa. Em vez de uma prece de agradecimento, faz uma lamentação: “Senhor, por que me abandonaste? Por que não me ajudaste e não me iluminaste para saber as respostas?” Ele foi negligente e ainda culpou a Deus pelo seu fracasso.

Ambos fizeram o mesmo pedido, mas somente um ofereceu as condições para Deus agir. O Espírito Santo, realmente iluminou o primeiro estudante, pois havia condições para isso. Mas não teve como realizar a obra de “dar sabedoria” para aquele que fez uso equivocado de sua liberdade.

Com isso podemos entender o motivo pelo qual Jesus pede ao leproso curado que não faça alarde de sua cura, mas apresente-se ao sacerdote para que ele cumpra o ritual estabelecido pelo Levítico. “Ele foi e começou a contar e a divulgar muito o fato” (Mc 1,45). Caso ele não cumprisse todos os preceitos, poderia passar a informação de que Jesus era apenas um mago. Mas cumprindo os preceitos divinos demonstrou que efetivamente fez de sua vida um ato de amor a Deus.

Esse personagem curado, escolheu cumprir a vontade de Deus antes da cura e depois da cura. E, também escolheu pedir a ajuda divina durante sua enfermidade. Neste ponto seria interessante fazermos o nosso exame de vida. Como a temos conduzido? Com quais pré requisitos nos apresentamos a Deus para lhe pedirmos suas graças? Vivemos para satisfazer nossas vontades esperando que o Senhor cuide de nós? Ou procuramos fazer aquilo que é certo, e pedimos a ajuda de Deus para continuarmos acertando?

Aqui vale seguir o conselho paulino(1Cor 10,31-33.11,1). Notemos que o apóstolo não aconselha a comunidade a fazer o que achar conveniente para que Deus esteja entre eles. Pelo contrário, afirma categoricamente: “Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1Cor 10,31). E, sendo assim, Deus se faz presente e oferece sua graça para edificar a vida.








Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.


quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Ciclo do Natal: O Natal e as preferências de Deus

Ciclo do Natal: O Natal e as preferências de Deus


Disponível: https://pensoerepasso.blogspot.com/2023/12/o-natal-e-as-preferencias-de-deus.html


Já parou para se perguntar o que celebramos quando celebramos o Natal?

É claro que a maioria das pessoas, principalmente as crianças, associa Natal com troca de presentes, com papai noel, com árvore de Natal, com os enfeites luminosos e pisca-piscantes…. Alguns até falam em presépio!

Quantos de nós nos lembramos que o Natal é muito mais do que o “Dia de Natal”? Quantos de nós nos damos conta de que, para a liturgia da Igreja, além do Dia de Natal existe um “Tempo de Natal” que integra o “ciclo do Natal”? Quantos de nós efetivamente inserimos o Natal no contexto da celebração do nascimento de Jesus, independentemente dos apelos comerciais?

Já sabemos que o Ano Litúrgico começa com o primeiro domingo do Advento, ou seja, quatro domingos antes do Natal. Só depois dessa preparação da comunidade é que celebramos a festa em que o Senhor se “fez menino, dando exemplo de amor”, ou seja, o dia de Natal que, liturgicamente se prolonga pela semana seguinte: é a oitava de Natal. E assim segue o tempo do Natal, que só termina algumas semanas depois, com a celebração do Batismo do Senhor.

Já sabemos, também que o Ano Litúrgico está organizado em dois grandes e principais ciclos: o ciclo do Natal e o ciclo da Páscoa.

Olhemos para o ciclo do Natal. Ele se inicia com o começo do Advento. Aqui está o início do Ano Litúrgico, sendo este um tempo no qual a comunidade e a Igreja preparam-se a fim de acolher o Deus Menino; este também é um tempo de preparação para a segunda vinda de Cristo.

O centro do ciclo do Natal, entretanto, é a celebração do Nascimento do Senhor. Esta é a celebração a partir da qual se estendem as demais festas e solenidades natalinas. Ela ocorre na noite de 24 para 25 de dezembro.

O Nascimento do Senhor, o Natal é a celebração do Glória. Da alegria. Dos anjos cantando. Da superação das dores do mundo. É o ressurgir da esperança. É o ponto de encontro da terra com o céu, pois nessa noite Deus veio nos visitar e se apresentou a partir do útero fértil e bem aventurado de Maria.

Maria, a menina mulher que disse sim e que possibilitou a entrada de Deus no cotidiano da humanidade. A consequência do sim de Maria, celebrado no advento, se manifesta na noite de Natal. E isso nos leva a cantar glória; nos leva a cantar que “toda a terra conta um hino, de louvor ao Criador, que em Belém se fez menino, dando exemplo de amor. É Natal de Jesus, festa de alegria, de esperança e luz”.

Além da celebração do Nascimento, na noite de 24 de dezembro, todo o dia 25 de dezembro continua a celebração do Natal. É como se fosse uma sequência da festa do nascimento; uma sequência de alegria. Mas não é só nesse dia. Durante toda a semana, os oito dias seguintes, continua o clima natalino na oitava de Natal.

Estamos no tempo de Natal. Uma sequência de celebrações que se vinculam ao nascimento do Senhor. A primeira delas é dedicada Maria: a Solenidade da Santa Mãe de Deus. É celebrada no dia primeiro de Janeiro, encerrando a oitava de Natal.

As demais celebrações do tempo de Natal são:

Festa da Sagrada Família, celebrada no domingo que ocorre entre os dias 26 e 31 de dezembro. Caso nesses seis dias não haja nenhum domingo, a festa da Sagrada Família é celebrada no dia 30 de dezembro.

Solenidade da Epifania é a celebração da manifestação de Jesus. O Deus menino manifesta-se a todas as nações do mundo. Elas são representadas pelos “três magos”. Popularmente se diz que essa é a celebração dos “santos reis”. Essa celebração tem a finalidade de nos fazer entender o alcance da salvação oferecida por Deus ao se encarnar e nascer em Belém. A promessa divina não está mais limitada ao povo judeu, ela se concretiza como um dom universal. Embora a data da celebração seja o dia 6 de janeiro, no Brasil a epifania é celebrada no domingo que ocorre entre os dias 2 a 8 de Janeiro.

Festa do Batismo do Senhor é a celebração que encerra o tempo do Natal e o ciclo natalino. Normalmente é celebrada no domingo seguinte à Epifania, quando esta celebração ocorre até o dia 6 de janeiro. Porém, se a Epifania for celebrada dias 7 ou 8 de janeiro o Batismo do Senhor será celebrado no dia seguinte, ou seja, na segunda feira.

A partir da festa do Batismo do Senhor começa o tempo comum. Período no qual a Igreja acompanha e celebra o cotidiano, ou a vida pública, de Jesus.

Cabendo relembrar que este primeiro período do Tempo Comum será interrompido pelo ciclo da Páscoa, quando a Igreja celebra a conclusão da obra terrena de Jesus de Nazaré. Na Páscoa ressoam os últimos sons do glorioso Natal. Ou seja, o Natal acontece para que Deus nos dê a honra de caminhar em nossa história, de modo que na conclusão de sua caminhada terrena estabeleça a ponte de união da humanidade com a divindade que veio a nós.

O Natal, portanto, nada tem a ver com a propaganda apelativa para a comercialização e a troca de presentes numa pandemia de futilidades e de aparência ostensiva. Nada tem a ver com papai noel, figura grotesca de um personagem criado para ludibriar os sonhos infantis, alimentando esperanças que não vão se realizar. Nada tem a ver com mesas fartas e festivas nas quais se esbanjam bebidas e alimentos que faltam nas bocas dos marginalizados.

O Natal só tem um significado: é Deus indicando suas referências. Preferiu a manjedoura aos leitos palacianos; preferiu a gruta à suntuosidade do palácio real; preferiu os pastores, vacas e ovelhas aos sacerdotes e nobres do templo e do palácio; preferiu a visita de viajantes de terras distantes àqueles que, depois se comprovou, o rejeitavam, pois ele “veio para os seus mas os seus o rejeitaram” (Jo 1,11).

O Natal, portanto, além de ser o ponto de partida da história do Deus Conosco (Mt 1,23), é o ponto de partida da afirmação pela qual o Senhor nos ensina que não é Deus de um povo, mas da humanidade. É a primeira afirmação pela qual Deus mostra suas preferências… É a primeira materialização do amor que se confirmará na cruz redentora.




NATAL: Ilumina o ser humano

(Reflexões a partir de Isaías 52,7-10; Hebreus 1,1-6; João 1,1-18)


Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2020/12/natal-ilumina-o-ser-humano.html

Estamos tão acostumados a celebrar o Natal a partir daquelas belas encenações, normalmente preparadas pelos jovens da comunidade, que quase não nos damos conta de que o Natal não se explica pela gruta, pelos anjos, pelos pastores, pela visita dos três magos… isso faz, parte, mas isso não é o Natal.

O Natal vai além. Como o demonstram Isaías (52,7-10) e o autor da carta aos Hebreus (1,1-6). O Natal é um período fundamental para a liturgia e uma época propícia para acolhermos a Luz divina. E, consequentemente, para nos iluminarmos não só com bons propósitos, mas renascendo para uma nova vida.

Se quiséssemos comparar o ano litúrgico a um veículo, poderíamos dizer que Natal e Páscoa são os dois conjuntos de pneus que fazem com que o veículo da liturgia trafegue ao longo do ano litúrgico. O Natal são os pneus da frente e a Páscoa são os pneus traseiros. O veículo do ano litúrgico não trafegaria sem que ambos estivessem interligados, um existe em função do outro.

Mas não só o ano litúrgico. O mistério de nossa fé cristã também depende desses dois eventos: a Encarnação, no Natal e a Paixão, na Páscoa. E as duas celebrações nos demonstrando o amor especial que Deus tem para conosco. Tanto que enviou seu Filho (Natal) para nos resgatar com seu sangue na cruz (Páscoa).

Pensando em tudo isso é que celebramos a solenidade do Natal, em um clima de anunciação, como ensina Isaías: “Como são belos sobre as montanhas os pés do mensageiro que anuncia a felicidade, que traz as boas novas e anuncia a libertação”, (Is 52,7). Uma anunciação que tem um dom de presença, uma vez que depois de ter falado pelos profetas, no mento presente Deus nos fala mediante Jesus que faz história ao nosso lado: “Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Ultimamente nos falou por seu Filho” (Hb, 1,1-2). O Filho que é o próprio Deus Encarnado, Deus conosco, Deus entre nós, Deus com nossa cara...

E se observarmos bem, notaremos que tanto a mensagem de Isaías como a da carta aos Hebreus, nos propõem: um clima de festividade; um clima de anúncio da presença de Deus entre nós; um clima de vitória de Deus; um clima de adoção, pelo qual o Senhor nos assume como filhos.

Mas esse clima festivo, que se concretiza na noite natalina tem, também, um tom de denúncia, como sugere o prólogo de João (1,1-18)

O clima é de festa, sim, pois “O Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14).

Entretanto, apesar desse clima festivo; apesar de temos motivos para festejarmos, pois Deus nos deu um presente que é seu próprio filho, João nos faz um alerta-denúncia. O filho veio a nós, é verdade, mas em muitos casos e situações Ele é rejeitado: “Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam” (Jo 1,11). “Como não o recebemos?” dirão alguns. Ocorre que o Senhor, mesmo depois de dois mil anos, continua sendo rejeitado. Principalmente nas festas e comilanças natalinas, pois vamos para a festa de aniversário, mas nos esquecemos do aniversariante!

O evangelista faz outra afirmação: mostra que o mundo é obra do Verbo Encarnado; mostra que Ele, não só estava junto a Deus, desde o princípio, mas que o Verbo/Palavra era Deus e justamente a Palavra de Deus é a origem de tudo que existe (Jo 1,1-30). Ou seja: tudo que existe origina-se em Deus; o que existe nasceu da Palavra de Deus; a Palavra Criadora de Deus é vida e luz para as pessoas (Jo 1,4).

E aqui está mais um problema, denunciado por João: o sentido e significado da luz é resplandecer e iluminar os caminhos, eliminando as trevas. Mas aqueles que andam nas trevas recusam-se a recebê-la e não se deixam envolver pela Luz divina. Eles não compreendem a grandeza da Luz (Jo 1,5). Não percebem o alcance da vida e que a vida é a Luz.

E por não se darem conta disso aqueles que andam nas trevas também não se dão conta da grandeza da afirmação de que “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14).

Só entendendo isso é que entenderemos o sentido do Natal, que vai além do presépio. Vai além dos magos e pastores e gruta… A encarnação do Verbo/Palavra/Luz tem a força de um gesto que só pode ser divino: o fato de Deus fazer-se uma pessoa humana, a fim de levar todos os humanos a Deus. Mas para isso é necessário seguir os passos e fazer o que Jesus fez e ensinou.

Esse é o significado da resplandecência do Natal: mostrar a todas as pessoas o caminho para Deus. Podemos até iluminar nossas casas e ruas e lojas com luzes coloridas; podemos até trocar presentes e desejar “feliz natal”; podemos até participar de alguma celebração natalina… Mas o que realmente conta para se concretizar o Natal é a adesão a um projeto transformador da pessoa e da sociedade, para a construção de um mundo feliz… e não só de uma “noite feliz!”

O mundo melhor, os dias melhores os cumprimentos e tudo que fazemos ao redor do dia de Natal só tem sentido na medida em que passamos a fazer as obras daquele que é o próprio significado da festa. Ao fazermos suas obras daremos demonstração de que estamos recebendo o Verbo Encarnado nele cremos e “a todos aqueles que o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1,12).




Sagrada Família: Esse Menino

(Reflexões baseadas em Eclesiástico 3,3-7.14-17a; Colossenses 3,12-21; Lucas 2,22-40)


Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2020/12/sagrada-familia-esse-menino.html


Ao celebrarmos o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo celebramos o centro da primeira fase do ano litúrgico que, justamente, corresponde ao Ciclo do Natal. O outro é o Ciclo da Páscoa.

O centro do ciclo natalino é o Natal do Senhor. Mas esse ciclo tem um período de preparação: o advento. E um período posterior, o tempo do natal. Na sequência do Natal, no tempo de Natal a Igreja nos propõe alguns eventos importantes para alimentar e enriquecer nossa fé. E também para nos colocar em sintonia com os personagens, com os acontecimento, com proposta que Deus nos apresenta ao nos entregar seu Filho para ser um de nós.

É isso que celebramos na sequencia do Natal. Depois do dia de Natal, a Igreja nos propõe o modelo de vida da Sagrada Família. A primeira orientação vem do livro do Eclesiástico (3,3-7.14-17 a), no qual encontramos algumas importantes orientações para a relação familiar: necessidade não só de interação, mas também de respeito entre os integrantes da família. A convivência baseada no respeito é uma condição para a vida longa e o atendimento das orações (Eclo. 3,4-7).

Também Paulo, escrevendo aos colossenses (3,12-21), afirma que o norte para a boa convivência é o amor. Só o amor gera perdão e conduz à perfeição (Cl 3,13-14). E o apóstolo dá orientações específicas às esposas, em relação aos maridos; aos maridos, em relação às esposas; aos filhos, em relação aos pais e aos pais, em relação aos filhos (Cl 3,18-21).

Se tivéssemos por base da relação familiar apenas as orientações destas leituras já teríamos o suficiente, pois ambas orientam para o amor e o respeito. E nós o sabemos: havendo amor, também existirá o respeito. O respeito é uma forma pela qual as pessoas manifestam seu amor. Ambos andam juntos e um não ocorre sem o outro. Quem ama respeita e quem respeita o faz porque ama.

Mas na celebração da Sagrada Família temos um ingrediente a mais. Esse elemento nos é apresentado quando Lucas (2,22-40) narra o episódio no qual Maria e José levam Jesus ao templo para cumprir a Lei de Moisés: purificar a mãe e o filho, consagrar o menino e oferecer o sacrifício previsto (Lc 2,22-24). A mensagem é clara: O Filho de Deus submete-se e cumpre a lei de Deus!

E justamente no templo é que ocorrem os fatos que iluminam a vida da Sagrada Família: o primeiro já mencionado é o cumprimento das normas da lei; em seguida um encontro com um desconhecido: “Simeão tomou o menino nos braços e bendisse a Deus” (Lc 2,28). Só esse gesto já é suficiente para que os pais do menino percebam que, realmente, estão diante de algo grandioso. Mas a sequência do discurso de Simeão não é menos intrigante para os jovens pais: “meu olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel” (Lc 2,30-32).

Enquanto o “pai e a mãe de Jesus estavam admirados com o que diziam a respeito dele” (Lc 2,33), Simeão continua surpreendendo-os. Ele abençoa o casal e indica o destino de Jesus. O justo Simeão, certamente olha nos olhos de Maria, para lhe falar algo muito além do que os pais esperam de seus filhos . Esse menino, diz o ancião (Lc 2,34), vai ser causa de queda e reerguimento. E Jesus de fato foi – e continua sendo – elemento decisivo para a vida: tanto para as pessoas aderirem ao projeto de paz, amor a justiça como para evidenciar a marginalização, a exclusão, a segregação. Ele é sinal de contradição, pois quem adere ao seu projeto não consegue aceitar que irmãos sejam explorados e prejudicados pelos representantes do anticristo que geram todo tipo de maldade em relação às pessoas e à natureza. Jesus também faz com que se manifestem os pensamentos das pessoas, pois não há possibilidade de se dizer que aderiu ao projeto salvífico e continuar praticando atos que prejudicam indivíduos, a sociedade e/ou o mundo. Para qualquer pessoa o desafio é o mesmo: ou adere a Jesus ou o rejeita, não há meio termo. A prática de maldades, grandes ou pequenas, somente demonstram a quem se serve: não a Cristo mas ao anticristo.

Outro elemento importante, no gesto da sagrada família, não é tanto a afirmação da espada a transpassar a alma de Maria (Lc 2,35), mas o gesto da profetisa, Ana. Após louvar a Deus, sai falando a respeito “do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém.” (Lc 2, 38).

Qual o alcance de tudo isso?

Por um lado, a afirmação da importância da vida comunitária. José e Maria cumpriam os rituais de sua fé, pois estão inserido numa comunidade de fé. Sua devoção os leva a “cumprirem tudo, conforme a Lei do Senhor” (Lc 2,39). Por outro lado, a atitude da Família de Nazaré os insere num ambiente político: a proposta de libertação. A encarnação, no Natal, insere a Sagrada Família no centro da grande questão política do momento: Jesus não está aí para pregar e propor e direcionar a rebeldia ou a reação violenta, mas suas atitudes demonstram, desde o nascimento qual o lado social em que se insere e onde nasce o cristianismo: nasce entre os pobres no meio de animais; é visitado pelos pastores e no templo os pais fazem a oferta dos pobres.

Esse menino, portanto, veio para afirmar a necessidade de se fazer uma opção. Daí a pergunta que se impõe: de que lado nos posicionamos?




Santa Mãe de Deus: guardava e meditava em seu coração

(Reflexões a partir de: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21)


Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2020/12/santa-mae-de-deus-guardava-e-meditava.html


Uma semana após o Natal estamos celebrando o primeiro encontro de Jesus com alguém que não eram seus pais: os pastores (Lc 2,16-21). Gente pobre! Tanto que passavam a noite ao lado de seu rebanho. E de junto do rebanho foi que correram visitar o recém-nascido, anunciado pelo anjo.

E, no local indicado pelo anjo, o que encontraram? Um casal com seu filho recém-nascido. Aqueles que também não estavam no tumulto da cidade. Os pastores foram às pressas a Belém e encontraram Maria e José, e o recém-nascido, deitado na manjedoura.” (Lc 2,16).

E assim, ao ouvirmos a mensagem do anjo e vermos o deslocamento dos pastores em direção à gruta de Belém, nos colocamos em contato com a personagem que é o centro desta celebração: Maria, a Santa Mãe de Deus. Aquela que entregou Deus à humanidade permitindo que a humanidade fosse entregue a Deus.

Evidentemente que o centro da fé cristã e de toda celebração é Jesus Cristo. Mas neste dia, ao celebrarmos o supremo sacrifício de Jesus, temos os olhos voltados para sua mãe.

Celebramos Maria porque ela aceitou a primeira missão do cristianismo: ser mãe de Jesus. A maternidade de Maria é sua credencial. É sua demonstração de força e capacidade de cooperação. Sua resposta a um convite divino.

Alguns meses antes, ao ser interpelada pelo anjo, poderia ter dito não. Mas disse sim. Poderia ter feito muitas outras coisas, mas aceitou a missão de mãe, e isso numa circunstância única. Ela assumiu a maternidade ainda não sendo casada o que era um risco: ser rejeitada e ser apedrejada. Mas ela assumiu o risco da maternidade e com a maternidade, assumiu todos os riscos e belezas dessa missão. Ela confiava e sabia que havia encontrado graça diante de Deus. Sabia que Deus não abandona os seus e sabia que José era, também, um homem de Deus.

Ao celebrar a Mãe de Deus, a Igreja quer nos indicar que Deus não abandona seu povo, antes, pelo contrário, oferece uma benção (Nm 6,22-27). Lá no antigo povo, era para que se mantivessem na presença do Senhor. Mediante essa bênção o Senhor se comprometeu a: abençoar, guardar. Ele oferece o brilho de sua face, tem compaixão. Seu olhar que dá a paz (Nm 6,24-26). Para conceder tudo isso o Senhor deseja apenas ser invocado.

Além disso, a Igreja quer nos lembrar que foi mediante a doação de Maria, a Mãe, que Deus se encarnou para nos “resgatar” da escravidão do pecado, nos “adotar” como filhos, nos enviar o Espírito, que nos ensina chamar a Deus de Pai e nos tornar herdeiros do Reino, mediante a ação do Filho encarnado, como nos ensina Paulo, na carta aos Gálatas (4,4-7).

Todo esse processo salvador e libertador somente foi possível porque uma mulher disse sim. Porque uma garotinha mostrou o valor e a capacidade da Mulher. O Filho, manifestou-se ao mundo como Filho, porque foi “nascido de uma mulher” (Gl 4,4). Se é verdade que a mulher se completa na maternidade, Maria se tornou plena ao nos dar Jesus. Por isso a Igreja devota tamanho carinho para com a Mãe. É porque sem a graça materna não teríamos recebido a graça do Filho.

Na maternidade de Maria, o Senhor nos abençoou e guardou; fez sua face brilhar sobre nós, voltou seu rosto para nós a fim de nos dar sua Paz (Nm 6,24-26). Os dons divinos, antes prometidos, se tornaram uma realidade entre nós, mediante a encarnação de Jesus, no Natal. Pelos méritos de Jesus, filho de Maria, a antiga lei foi abolida. E agora, diz Paulo: “Assim já não és mais escravo, mas filho; e se és filho, és também herdeiro; tudo isso, por graça de Deus” (Gl 4,7). E Deus nos entregou tudo isso por meio de Jesus, nascido de uma mulher, Maria.

A grandeza do ato de Maria, além de nos dar Jesus, foi permitir que o Pai nos adotasse e, assim, passamos a herdar a possibilidade de entrarmos no reino do Pai, juntamente com Jesus, nosso irmão por adoção divina.

Mas voltemos nossa atenção, novamente, para a cena: Jesus, Maria e José, na gruta entre os animais. Do ponto de vista humano, é uma cena degradante, pois representa uma pobreza extrema. Mas foi nesse meio que o Senhor se fez presente entre nós. E, como ser humano, Maria não mostrava desespero. Com certeza estava preocupada com o destino de sua família, mas nem isso era motivo de aflição. Mesmo com a chegada dos pastores, também eles, pobres: uma demonstração da opção de Deus: não se aliou aos poderosos, mas aos humildes. Nem essa visita inesperada altera a reação da Mãe, pelo contrário não se nota, em Maria, o menor gesto de aflição ou desespero: apenas doação.

O fato é que no centro dessa cena está uma mulher, uma jovem mãe que, em lugar do desespero, da aflição, da preocupação, simplesmente “guardava todos estes fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,19).

O que essa cena e a postura de Maria nos ensinam? Primeiro: Deus faz opção e não escolhe os ricos para entregar seu Filho; segundo: Deus orienta seus fiéis sobre sua benção; terceiro: Deus nos adota como filhos, ao nos dar Jesus; quarto: a confiança de Maria lhe permite manter-se calma para guardar e meditar sobre os fatos. E, por último, a atitude de Maria se nos impõe como um modelo de vida a partir da confiança na providência divina. Ela sabe, é Deus quem está no controle.




Epifania: Vimos sua estrela

(Reflexões baseadas em: Isaías 60,1-6; Efésios, 3,2-3a.5-6; Mateus 2,1-12)


Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/01/epifania-vimos-sua-estrela.html.


Cenas marcantes nos são apresentadas neste tempo de Natal. E, se não formos insensíveis, certamente seremos tocados por elas ou, pelo menos, por algumas delas.

Entre todas as cenas do período natalino, uma delas, certamente é esta em que os três magos chegam onde está o menino (Mt 2,1-12): Quem são eles? De onde vieram? Por que vieram?

Pelo que nos informa Mateus, eles procuravam um rei (Mt 2,2). Por esse motivo, certamente eles acham estranha a cena: esperavam um rei e sua pompa e encontram uns animais, uns pastores e uns pobres coitados, cuidando de uma criança que nem roupa tinha para vestir. Realmente uma cena estranha ou, pelo menos, não esperada...

Olham novamente a cena: Os pais da criança, alojados no curral; a plateia de visitantes uns pastores, certamente também mal vestidos. Toda a cena denota pobreza. Uma cena que, em nada, lembra a pompa da realeza. Eles haviam saído de sua terra para visitar um rei… Mas por algum motivo, certamente por inspiração divina, afinal Deus acompanha os sábios, e até se manifesta como Sabedoria … eles entram na roda de conversa e sentam-se entre os presentes, para conversar.

Na roda de conversa os magos contam sua história: “vimos sua estrela no Oriente” (Mt 2,2). E explicam que partiram tão logo avistaram a estrela mensageira do nascimento do rei. Explicam que procuraram no palácio, pois procuravam o rei dos judeus. Explicam que o rei romano nada sabia do rei recém-nascido. E, principalmente, explicam que o rei, em Jerusalém, solicitava informações a respeito do rei que acabara de nascer, e que ali estava, majestosamente na manjedourauma criança simples, entre animais e pastores!

E eles, principalmente, explicam que não estão entendendo a cena, pois seus estudos e suas observações e suas informações lhes asseguravam que encontrariam um bebê envolto na realeza, mas o que de fato encontraram foi uma criança comum, filho de pessoas comuns… envolvidos, todos, na pobreza! Também isso coisa comum, no meio do povo, que não ostenta riqueza!

Não sabemos se nessa conversa, se foram os pastores, ou foram os pais do menino… ou apenas inspiração divina. O fato é que os magos entenderam a cena. Compreenderamm a natureza do reino do recém-nascido. Quem sabe alguém lhes tenha explicado o significado da profecia de Isaías (60,1-6). Quem sabe alguém lhes tenha dito que, da mesma forma que os magos viram a estrela mensageira, o profeta também anunciara sua visita. Talvez tenham lhes explicado que, com a chegada dessa criança, o mundo passava a ter um novo significado. Talvez tenham lhes explicado que essa era uma criança que estava ali para atrair a si todas as nações. Talvez tenham lhes explicado que o recém-nascido veio para acabar com as trevas que envolviam toda a terra, para que todos os povos pudessem voltar a caminhar na luz (Is 60,2-3).

Não sabemos se entenderam por si mesmos, se lhes foi explicado ou se tudo foi só inspiração divina, mas o fato é que os magos compreenderam que “uma criança nos foi dada” e a criança que nos foi dada é a luz para guiar os povos, como havia guiado os magos.

E todos entenderam, como o entendeu Paulo (Ef, 3,2-3a.5-6): esse recém-nascido, ao crescer vai anunciar uma mensagem transformadora. Não só para transformar as atitudes de quem o ouviria, mas também os rumos da história. Essa criança, ao crescer, anunciou que seu reino não se limita ao povo judeu, mas a todos que aceitarem a nova proposta e eles, os magos, estavam ali para comprovar isso.

Isso Paulo também entendeu e passou a ensinar: o anúncio feito pelo jovem que nasceu na estrebaria; esse mesmo jovem que havia sido anunciado pelo profeta, trouxe uma novidade: “os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho” (Ef, 3,6).

E então, tudo passa a fazer sentido para os magos: Deus está se manifestando! Eles entendem que Deus faz opção de classe social. Preferiu não nascer entre os ricos, pois eles já tem de tudo, inclusive seus deuses que satisfazem suas vontades. Entenderam que o rei que está à sua frente, não poderia ter nascido no palácio, pois precisa se manifestar àqueles que nada possuem para, com esse gesto, anunciar que a partir do Natal os deserdados, explorados, injustiçados, marginalizados… podem ter uma certeza: Deus está com eles. Por isso nasceu pobre entre os pobres. Veio para mostrar que um outro modelo de sociedade é possível, sem ser necessário cumprir as vontades do rei maldoso sentado no trono do palácio do mal. Em vez de cumprir com as ordens assassinas do rei eles “não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho” (Mt 2,12).

Os magos entendem que outro caminho é possível. Entenderam que o novo rei, não fez questão do luxo. Se o próprio rei nasceu entre os pobres, isso indica que há um caminho alternativo que leva ao Pai e que os empobrecidos são vítimas. Mas podem voltar a ser protagonistas, fazendo com que as vítimas passem a ser os primeiros destinatários da mensagem. E compreendem isso porque “viram o menino com Maria, sua mãe” (Mt 2,11). Então, percebendo a simplicidade da nova mensagem, reverenciam no novo rei e lhe entregam os presentes.

É assim a manifestação da nova realeza: não na ostentação, mas na simplicidade. Não em meio às artimanhas políticas do palácio, mas no meio do povo, representados pelos pastores. Não em obediência à antiga lei que aprisiona, mas seguindo outro caminho, como o caminho dos magose para seguir o novo rei basta seguir sua estrela.




Batismo do Senhor: Eis meu eleito

(Reflexões a partir de Isaías 42,1-4.6-7; Atos dos Apóstolos 10,34-38; Marcos 1,7-11)


Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2021/01/batismo-do-senhor-eis-meu-eleito.html


As festas do ciclo natalino, que se iniciaram com o Advento e se prolongam com a celebração da Sagrada Família, com a celebração de Maria Mãe de Deus e a Epifania do Senhor.

Depois disso a Igreja nos propões celebrarmos o Batismo do Senhor para darmos sequência ao Ano Litúrgico e prosseguirmos com a primeira parte do “Tempo Comum”, período no qual acompanhamos o início da vida pública de Jesus. Por isso podemos dizer que a celebração do “Batismo do Senhor” é a conclusão do ciclo de Natal e o início do Tempo Comum.

E aqui estamos para celebrar o Batismo do Senhor, celebração que tem a finalidade de nos apresentar Jesus.

E como Ele é apresentado?

Essa apresentação começa com Isaías (42,1-4.6-7). Aqui o Senhor nos é apresentado como o Servo eleito que “promoverá o julgamento para obter a verdade” (Is 42,3). Também os primeiros cristãos nos apresentam Jesus. Nos Atos dos Apóstolos (10,34-38), no discurso de Pedro, o Senhor é apresentado como aquele que andou “fazendo o bem e curando a todos” (At 10,38), uma vez que “Deus não faz distinção entre as pessoas.” (At 10,34). Na narrativa dos evangelistas, Marcos (1,7-11) apresenta Jesus na cena do Batismo. Aqui, entretanto, quem fala a respeito de Jesus não são os profetas nem os apóstolos. Aqui quem fala e apresenta Jesus é o próprio Pai: “Tu és o meu Filho amado” (Mc 1,11).

A questão, agora, é saber: o que significa o fato de Jesus ser apresentado como Servo, como quem não faz distinção entre as pessoas e como Filho amado de Deus?

Foi apresentado como Filho amado de Deus porque, de fato, o é. Jesus é aquele de quem João fala no primeiro capítulo do Evangelho: é o verbo encarnado; é a palavra criadora do Pai (Jo 1,1-18); é aquele que dá o Espírito mediante o batismo (Mc 1,8). Em virtude disso, nós passamos a ser, além de criaturas de Deus, filhos do Pai que nos ama e nos adota mediante a ação do Santo Espírito. Assim sendo, podemos dizer que fazemos parte da família de Deus, pois nos adotou (Gl 4,5-7). É pela graça do Espírito que aprendemos a chamar a Deus de Pai, como Jesus nos ensinou a chamar (Mt 6,7-15).

E por que Jesus é apresentado como Servo?

Porque não se recusou a cumprir os desígnios do Pai. E não se trata de uma servidão, imposta, mas de uma missão assumida. Uma missão que tem objetivos bem específicos: promover o julgamento (Is, 42,1); manter a esperança, pois não “apaga o pavio que ainda fumega” (Is 42,3). O pavio fumegante indica que a chama da vida permanece e se existe vida, há esperança, como apregoa o ditado popular. Isso implica dizer que a vida humana é um dom precioso, pois é no transcurso da vida que nos aproximamos de Deus.

Mesmo que nos afastemos, diminuindo a chama, permanecendo apenas um pavio fumegante, Deus nos oferece novas oportunidades, motivo pelo qual “não quebra a cana rachada”. E essas novas chances nos são oferecidas por Jesus que não se deixa abater (Is 42,4). Ele é a “luz das nações” (Is 42,6). Ele é quem liberta e promove a justiça.

Sabendo que Jesus é aquele que ensina a manter a esperança e a valorizar a vida, somos levados a afirmar que estamos negando a presença de Deus entre nós enquanto existirem situações de exclusão: social, econômica, moral… Em todas as situações em que não há plenitude humana, o que existe é a ausência de Deus e nesse ambiente é que a luz da proposta divina se insere, com a finalidade de restaurar a vida a fim de que a plenitude humana manifeste a presença divina.

O que significa afirmar que em Jesus não existe distinção entre as pessoas?

Trata-se de um prolongamento da ação do Servo, pois não faz distinção justamente porque “ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10,35). E, além disso: se somos obra da Palavra criadora, que é o próprio Filho; se somos filhos adotados no sangue de Cristo; se somos herdeiros pela adoção batismal, então não tem como o Senhor preferir a uns mais do que a outros. A todos oferece a mesma proposta de salvação. A todos o Senhor quer junto de si. A única exigência é que sejamos capazes de fazer as obras de Cristo: é necessário que continuemos “fazendo o bem e curando a todos” (At 10,38). A obra iniciada por Jesus Cristo tem que ser continuada por nós, para que, no mundo em que estamos inseridos, cresça a prática da justiça, como um dom de Deus.

Jesus é o eleito do Pai para oferecer a todos a condição de filhos, adotados pelo sangue de Cristo. Assim sendo, não mais um povo, mas a humanidade e cada uma das pessoas é eleita por Deus para a gloria definitiva. Por isso é que se faz necessária a prática da justiça social. A prática do altruísmo, a prática da solidariedade… e quando não fazemos isso ou quando pessoas ou grupos ou estruturas minimizam o ser humano ou geram situações de dor e morte, essas pessoas, grupos ou instituições se fazem representantes do anticristo e o que fazem é se interpor entre Deus e seu povo e destruir o plano da eleição. E, por mais que falem em nome de Deus, suas ações os denunciam como promotores da morte, contra a eleição divina.

Mas quando, no espírito da esperança e do Natal, promovemos a vida, tornamo-nos membros do corpo vivificante de Cristo. Isso ocorrendo, o Senhor Deus não dirá apenas de Jesus Cristo, mas a nosso repeito também dirá: Esse é meu eleito. Esse é meu filho. Esse é meu escolhido. Esse é amado por mim….


Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

CICLO DA PÁSCOA: A vitória da vida.

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2024/03/ciclo-da-pascoa-celebrar-vida.html; https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de...