Reflexões baseadas em: Jó 19,1.23-27a; 1Cor 15, 20-24a.25-28; Jo 11, 17-27
O dia de finados se presta a algumas indagações.
Quantos de nós já nos demos conta da volatilidade da vida humana e, em razão disso, tivemos a atitude de Jó (Jó 19,1.23-27a)? Quantos de nós temos a convicção do apóstolo Paulo, para afirmar, não tanto a transitoriedade da vida humana, mas a certeza de que até a morte será submetida a Deus (1Cor 15, 20-24a.25-28)? Por que, diante da morte de uma pessoa querida, muitos de nós entramos em desespero, lamentamos e, em alguns casos, até esbravejamos e inquerimos a Deus, pedindo explicações; recusamo-nos a aceitar o fato natural e inexorável da natureza humana. E, nesse caso deixamos pouco espaço para ouvir o consolo do próprio Senhor Jesus (Jo 11, 17-27)?
Três perguntas que nos colocam diante da companheira mais fiel da vida, a morte. A morte que mostra quão fluída é a vida; quão efêmera é a vida; quão importante esse curto espeço de tempo que chamamos de vida. Talvez foi pensando nisso que o poeta cantou “Nuit”, na voz de Raul Seixas, dizendo: “E quão longa é a noite. A noite eterna do tempo se comparado ao curto sonho da vida”. O sonho da vida, a vida nossa de cada dia que se esvai, segundo a segundo, como que buscando seu outro lado…: a morte é o outro lado da vida.
Morte, a companheira da vida, o outro lado da vida, o complemento da vida… a morte não é o fim, mas a porta de entrada para a plenitude.
A vida humana é a semente que germina na morte para crescer na eternidade. Essa constatação levou Jó a afirmar: “Depois que tiverem destruído esta minha pele, na minha carne, verei a Deus. Eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão, e não os olhos de outros” (Jó 19,26-27). Ele já sabia aquilo que Jesus veio mostrar: A morte não é uma prisão nem um ponto final. É, sim, um convite à fé, como Jesus sugere em seu diálogo com Marta, inconsolável com a morte do irmão: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido.” (Jo 11,21).
Diante do pranto de Marta, Jesus cobra um ato de fé: “Diz Jesus: ‘Teu irmão ressuscitará’. Disse Marta: ‘Eu sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia”. Então Jesus disse: ‘Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá’” (Jo 11,23-25).
Mais uma vez, o dia de finados, ou a Celebração dos fiéis Defuntos, nos ajuda a reler as palavras de Paulo. Seu discurso à comunidade de Corinto também é dirigido a cada um de nós. É um convite a voltarmos nossas atenções para aquele que deu pleno sentido à vida, pois nos mostrou o sentido da morte. É a demonstração definitiva do sentido da morte: Nossa vida é um caminho para a morte e nossa morte nos encaminha para o Cristo Ressuscitado.
Como assim? alguém pode perguntar. O apóstolo responde: “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram” (1 Cor 15,20). Ele foi o primeiro a ressuscitar porque queria nos mostrar o caminho completo: a vida pelos necessitados e a morte para resgatar a todos.
Mas a morte não é uma punição pelo pecado de Adão?
De fato, novamente é Paulo quem vem nos esclarecer. E as palavras do apóstolo nos fazem refletir em profundidade esse momento de despedida, apontando para o que vem em seguida. Diz ele: “Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos” (1 Vor 15,21).
Com isso, nos diz que a natureza humana e todos os demais elementos da criação vão chegar ao seu ocaso. Tudo está em transição. Tudo caminha e se encaminha para o seu sentido e o objetivo do Criador. Ou seja, a morte tem uma explicação, tem um sentido maior: a ressurreição. Só existe ressurreição porque existe a passagem pela morte.
Aliás, é isso que cantamos na celebração da Páscoa, quando a liturgia nos convida a exultar de alegria, pois da morte vem a vida. E nisso está o sentido da transgressão do casal original. Na liturgia da noite da Páscoa cantamos não a transgressão de Adão, mas a graça do amor redentor. Um amor tão intenso e absoluto que dissolve a transgressão. Por isso a Igreja nos convida a cantar: “Ó pecado de Adão indispensável,/Pois Cristo o dissolve em seu amor;/ Ó culpa tão feliz que há merecido/ A graça de um tão grande Redentor!”
O grande catequista, o apóstolo Paulo, nos ajuda a entender o momento da separação. As pessoas queridas despedem-se, no momento da morte. Mas é uma despedida como a de quem vai para uma viagem. É uma despedida como a de alguém que fez uma mudança de endereço. É uma despedida como a do filhos que deixam a casa paterna para unirem-se em casamento formando nova família… quem viaja, quem muda de endereço, quem se casa, não faz uma mudança querendo excluir, esquecer ou abandonar aquele que ficou. Na despedida sempre dizemos: até breve!
Assim é a morte. Isso é o que celebramos ao celebrarmos o dia de finados, o dia daqueles que finalizaram sua jornada entre nós. Celebramos o até breve!
Tudo isso, portanto, é necessário para que na morte de cada um, até que se completem os tempos, o Filho de Deus complete sua missão de submeter tudo à vontade do Pai. E, quando tudo estiver consumado, “o próprio Filho se submeterá àquele que lhe submeteu todas as coisas, para que Deus seja tudo em todos” (1Cor 15,28).
Neri de Paula Carneiro
Mestre em Educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;
Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.
Mestre em Educação, filósofo, teólogo, historiador
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