quarta-feira, outubro 30, 2024

Finados: Deus, tudo em todos

Reflexões baseadas em: Jó 19,1.23-27a; 1Cor 15, 20-24a.25-28; Jo 11, 17-27




O dia de finados se presta a algumas indagações.

Quantos de nós já nos demos conta da volatilidade da vida humana e, em razão disso, tivemos a atitude de Jó (Jó 19,1.23-27a)? Quantos de nós temos a convicção do apóstolo Paulo, para afirmar, não tanto a transitoriedade da vida humana, mas a certeza de que até a morte será submetida a Deus (1Cor 15, 20-24a.25-28)? Por que, diante da morte de uma pessoa querida, muitos de nós entramos em desespero, lamentamos e, em alguns casos, até esbravejamos e inquerimos a Deus, pedindo explicações; recusamo-nos a aceitar o fato natural e inexorável da natureza humana. E, nesse caso deixamos pouco espaço para ouvir o consolo do próprio Senhor Jesus (Jo 11, 17-27)?

Três perguntas que nos colocam diante da companheira mais fiel da vida, a morte. A morte que mostra quão fluída é a vida; quão efêmera é a vida; quão importante esse curto espeço de tempo que chamamos de vida. Talvez foi pensando nisso que o poeta cantou “Nuit”, na voz de Raul Seixas, dizendo: “E quão longa é a noite. A noite eterna do tempo se comparado ao curto sonho da vida”. O sonho da vida, a vida nossa de cada dia que se esvai, segundo a segundo, como que buscando seu outro lado…: a morte é o outro lado da vida.

Morte, a companheira da vida, o outro lado da vida, o complemento da vida… a morte não é o fim, mas a porta de entrada para a plenitude.

A vida humana é a semente que germina na morte para crescer na eternidade. Essa constatação levou Jó a afirmar: “Depois que tiverem destruído esta minha pele, na minha carne, verei a Deus. Eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão, e não os olhos de outros” (Jó 19,26-27). Ele já sabia aquilo que Jesus veio mostrar: A morte não é uma prisão nem um ponto final. É, sim, um convite à fé, como Jesus sugere em seu diálogo com Marta, inconsolável com a morte do irmão: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido.” (Jo 11,21).

Diante do pranto de Marta, Jesus cobra um ato de fé: “Diz Jesus: ‘Teu irmão ressuscitará’. Disse Marta: ‘Eu sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia”. Então Jesus disse: ‘Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá’” (Jo 11,23-25).

Mais uma vez, o dia de finados, ou a Celebração dos fiéis Defuntos, nos ajuda a reler as palavras de Paulo. Seu discurso à comunidade de Corinto também é dirigido a cada um de nós. É um convite a voltarmos nossas atenções para aquele que deu pleno sentido à vida, pois nos mostrou o sentido da morte. É a demonstração definitiva do sentido da morte: Nossa vida é um caminho para a morte e nossa morte nos encaminha para o Cristo Ressuscitado.

Como assim? alguém pode perguntar. O apóstolo responde: “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram” (1 Cor 15,20). Ele foi o primeiro a ressuscitar porque queria nos mostrar o caminho completo: a vida pelos necessitados e a morte para resgatar a todos.

Mas a morte não é uma punição pelo pecado de Adão?

De fato, novamente é Paulo quem vem nos esclarecer. E as palavras do apóstolo nos fazem refletir em profundidade esse momento de despedida, apontando para o que vem em seguida. Diz ele: “Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos” (1 Vor 15,21).

Com isso, nos diz que a natureza humana e todos os demais elementos da criação vão chegar ao seu ocaso. Tudo está em transição. Tudo caminha e se encaminha para o seu sentido e o objetivo do Criador. Ou seja, a morte tem uma explicação, tem um sentido maior: a ressurreição. Só existe ressurreição porque existe a passagem pela morte.

Aliás, é isso que cantamos na celebração da Páscoa, quando a liturgia nos convida a exultar de alegria, pois da morte vem a vida. E nisso está o sentido da transgressão do casal original. Na liturgia da noite da Páscoa cantamos não a transgressão de Adão, mas a graça do amor redentor. Um amor tão intenso e absoluto que dissolve a transgressão. Por isso a Igreja nos convida a cantar: “Ó pecado de Adão indispensável,/Pois Cristo o dissolve em seu amor;/ Ó culpa tão feliz que há merecido/ A graça de um tão grande Redentor!”

O grande catequista, o apóstolo Paulo, nos ajuda a entender o momento da separação. As pessoas queridas despedem-se, no momento da morte. Mas é uma despedida como a de quem vai para uma viagem. É uma despedida como a de alguém que fez uma mudança de endereço. É uma despedida como a do filhos que deixam a casa paterna para unirem-se em casamento formando nova família… quem viaja, quem muda de endereço, quem se casa, não faz uma mudança querendo excluir, esquecer ou abandonar aquele que ficou. Na despedida sempre dizemos: até breve!

Assim é a morte. Isso é o que celebramos ao celebrarmos o dia de finados, o dia daqueles que finalizaram sua jornada entre nós. Celebramos o até breve!

Tudo isso, portanto, é necessário para que na morte de cada um, até que se completem os tempos, o Filho de Deus complete sua missão de submeter tudo à vontade do Pai. E, quando tudo estiver consumado, “o próprio Filho se submeterá àquele que lhe submeteu todas as coisas, para que Deus seja tudo em todos” (1Cor 15,28).




Neri de Paula Carneiro

Mestre em Educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

terça-feira, outubro 29, 2024

O grito da voz ausente

Por que alguém se desloca de sua casa, num domingo, para votar?

O que leva uma pessoa a querer eleger este ou aquele candidato sendo que, muitas vezes, nem conhece o candidato em quem vai votar?

Alguém vai dizer que isso ocorre porque vivemos numa democracia.

Vai dizer que essa pessoa está exercendo seu direito político… Mas o que é isso que as pessoas chamam “Democracia”? Que direito é esse? De que política está se falando?

Em tese e de modo muito simplificado, democracia é um modelo político pelo qual o povo escolhe, pelo voto direto, aqueles que vão exercer atividades de gerar leis ou executá-las com a finalidade de assegurar melhores condições de vida para todos que fazem parte desse povo.

E a escolha da pessoa que vai fazer isso se dá pelo voto.

E isso implica dizer que o voto é uma delegação de poderes.

O eleitor é detentor de direitos e um deles é o direito de delegar seu direito de querer melhores condições de vida a outra pessoa que deverá desenvolver atividades para atender aos interesse do eleitor que lhe delegou poderes.

Evidentemente, essa pessoa que recebe a delegação (esse delegado) também tem seus direitos e também defende interesses. É necessário destacar, entretanto, que nem sempre os interesses do delegado correspondem aos interesses do eleitor… daquele eleitor, que num domingo saiu de casa para votar e que, muitas vezes, nem conhece o candidato…!

E essa divergência ou pluralidade de interesses ocorre porque o delegado tem os próprios interesses (que não são, necessariamente, iguais aos do eleitor); porque já se comprometeu com outros interesses (e não os confessa ao eleitor); porque recebe muitas delegações (são muitos os eleitores, com interesses diversos…); porque o delegado, antes de candidatar-se a esse cargo, já havia pactuado outros interesses, com um grupo específico de eleitores cujos interesses, na maioria dos casos, se contrapõem aos interesses daquele eleitor do domingo…

O fato é que esse delegado recebe muitas delegações (poderíamos também dizer que o voto é uma procuração) de muitas pessoas, com interesses diversos. Daí a pergunta: como vai atender às expectativas de cada um de seus eleitores?

Não vai!

De fato e sem rodeios, o candidato que se apresenta para receber as procurações, não está interessado em seus outorgantes! Ao se lançar candidato tem os próprios interesses e apenas está em busca de legitimidade (o voto dos outorgantes, os eleitores) para satisfazer seus interesses. Mas ele já sabe que esses interesses não são os dos eleitores. Repetindo, estes servem, apenas, para lhe conferir legitimidade! Afinal, estamos numa democracia!

Além disso, e esta é outra face do mesmo problema: quem determina o que é "bom para todos", se nem todos participam das decisões?

Além disso, o que é bom para o trabalhador não é o mesmo “bom” para o patrão. O que é bom para o produtor da agricultura familiar (que labuta junto com a família) não é o mesmo “bom” para o latifundiário que sobrevive de financiamentos para sua monocultura. O que é bom para o professor que se dedica ao ensino, não é o mesmo “bom” para o atual sistema escolar que promove aprovação em massa gerando essa multidão de analfabeto com diploma na mão. O que é bom para o estudante aprender (embora ele nem sempre se dê conta) não é o mesmo “bom” para os empresários do sistema de escola teleguiada, uniforme e sem capacidade crítica…

É assim que vamos nos deparar com a pessoa eleita. É esse individuo, junto com os outros que também foram eleitos (receberam delegação/procuração), que vai decidir o que é bom. Ele é quem decide o que é bom e para quem isso vai ser bom. E vai decidir isso de acordo com os seus interesses, pois para isso se fez candidato e buscou a eleição. E suas decisões serão pautadas por esses interesses e, quando isso não for possível imediatamente, o delegado alia-se a outros delegados para selecionaram os interesses que são comuns e que serão atendidos.

E os interesses daquele eleitor, que saiu de casa para votar, num domingo?

Ele, como também o restante da grande massa, vai continuar sendo apenas mais um na massa.

Talvez isso explique o porquê de tanta gente anulando o voto, votando em branco… ou nem comparecendo para votar. Talvez a massa esteja se dando conta de que é só isso: massa manobrável!

Talvez esse eleitor do domingo, tenha percebido o engodo da democracia. Talvez tenha percebido que essa democracia que lhe apresentaram não representa as aspirações do “demo” (o povo), mas é só uma forma pela qual o “cratos” (poder) do capital deseja sugar o sangue do eleitor, do filho do eleitor, dos netos do eleitor…

Quem sabe, um dia, aquele eleitor, que num domingo, sai de casa pra votar, acorde e perceba que passou a vida sendo ludibriado… quem sabe, um dia, ele aprenda a dizer: não!





Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO

quinta-feira, outubro 17, 2024

Direita ou esquerda?

(Reflexões a partir de: Is 53,10-11; Hb 4,14-16; Mc 10,35-45)




Em tempos de rivalidade política, onde se deve assentar ou por onde deve andar o discípulo de Jesus: pela direita ou pela esquerda?

Algo parecido foi o que pediram os filhos de Zebedeu (Mc 10,35-45). Ocupados apenas com seus interesses pediram para se assentar, um à direita e outro à esquerda de Jesus. Foram, os dois reprovados! Essa decisão cabe ao Pai e está destinada não a quem pede, mas a quem merece!

Nesse ponto, recordando-se de Isaías (Is 53,10-11), Jesus ensina o verdadeiro lugar do servo de Deus. O profeta mostra isso com a imagem do Servo Sofredor.

Esse servo, por saber cumprir a vontade do Pai “terá descendência duradoura, e fará cumprir com êxito a vontade do Senhor” (Is 53,10). Ele não pediu privilégios, pelo contrário: ao se deparar com dificuldades encarou-as sem vacilar e, apesar das dores, foi em frente. Essa sua coragem de assumir as dores e riscos da vida foi-lhe imputada como condição para a vitória, para a superação das dificuldades, para a glória final, como ensina o profeta: “Por esta vida de sofrimento, alcançará luz e uma ciência perfeita”(Is 53,11).

O mérito desse “servo sofredor” não foi ter pedido isto ou aquilo, este ou aquele privilégio, esta ou aquela regalia… seu mérito foi ter aceitado as dores e pedras do caminho e, por esse motivo o Senhor o reconheceu como “justo”. E sua justiça é o caminho para o resgate das culpas de outros: “Meu Servo, o justo, fará justos inúmeros homens, carregando sobre si suas culpas” (Is 53,11).

Mas, alguém pode perguntar: o que isso tem a ver com a direita ou a esquerda?

Quase nada. A não ser o fato de que ao ser indagado sobre a direita ou a esquerda, Jesus indica outra direção. E essa direção é reafirmada em Hebreus (4,14-16). Uma direção que é a própria pessoa de Jesus, o “sumo sacerdote capaz de se compadecer das nossas fraquezas” (Hb 4,15).

E quais são essas nossas fraquezas, das quais Jesus se compadece? (Lembrando que aquele que se “compadece” é aquele que sofre junto, padece com o que sofre…) E Jesus se compadece porque ao se fazer um de nós assumiu nossas dores.

E isso quem o afirma é ainda carta aos hebreus: Jesus, o cordeiro santo, o “sumo sacerdote”, o Filho de Deus, “capaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado” (Hb 4,15). Por esse motivo foi capaz de nos resgatar: dos nossos pecados e das nossas fraquezas. Das nossas ambições pessoais (querer isto ou aquilo, em benefício próprio); das nossas mesquinharias (distanciar-se dos companheiros de jornada para solicitar regalias); do nosso desprezo em relação ao desejo e direito dos demais, pois querer privilégios às escondidas é uma afronta à decência e evidencia a incompetência.

Isso foi o que fizeram os “filhos de Zebedeu” e como o fazem inúmeras pessoas (principalmente no serviço público) agarrando-se aos cabides dos empregos conseguidos não pela qualificação nem pela competência, mas ao aceitar ser capacho, aceitar o cargo de “baba ovo”… com a missão de ajudar a encobrir malandragens e para ajudar a elogiar quem não tem mérito próprio. Quando um chefe de setor, um político, um administrador de qualquer órgão ou empresa, precisa de bajuladores é porque não está cumprindo com sua função ou papel e usa do bajulador para ser exaltado na qualidade que não tem.

Diante dessa atitude de tentativa de bajulação, foi que Jesus reagiu. Mostrou como agem os “chefes das nações” e “os grandes” que oprimem e tiranizam o povo. E afirma categoricamente: “entre vós não deve ser assim!”. Por isso, Jesus reuniu os discípulos para uma lição definitiva. “Jesus os chamou e disse: ‘Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos’” (Mc 10,42-44).

Então, o que conta para ser discípulo de Jesus?

A capacidade de ser diferente dos “chefes das nações” e dos “grandes”. Por que ser diferente? Por que estes oprimem e tiranizam ao povo. E fazem isso porque não se deixam guiar pelos valores ensinados pelo Mestre. guiam-se pelas suas ambições.

Além disso, o discípulo é aquele que se faz servo, pois só quem é capaz de servir é capaz de se compadecer, de ter compaixão, de se comprometer, de compartilhar. E essas atitudes do servo do Senhor lhe permitem aproximar-se do trono do cordeiro, pois foi isso que ele ensinou, não com palavras bonitas, mas com a própria vida.

Por fim, quando alguém desejar o privilégio de sentar-se à direita ou à esquerda, deve lembrar-se da lição do Mestre: para “ser o primeiro”, antes disso tem que se fazer escravo de todos, tem que servir a todos, tem que desejar o privilégio de servir, pois “quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos. Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos” (Mc 10-44-45).

Queremos nos aproximar do trono do Senhor? Então cumpramos com os requisitos apresentados por Jesus. Tendo cumprido essas condições, “Aproximemo-nos, então, com toda a confiança, do trono da graça, para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno” (Hb 4,16).

Então, em tempos de disputas pela direita ou pela esquerda, pelo centro, por ser situação ou oposição… nestes tempos conturbados é imprescindível ouvir de Jesus: “Vós não sabeis o que pedis”. E Jesus complementa, para nós: não importa o lugar social. Importa a capacidade de servir!




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação. Filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...