quarta-feira, setembro 27, 2023

Para a glória de Deus Pai

(Ez 18,25-28; Fl 2,1-11; Mt 21,31)




Qual é a conduta correta? Por que Cristo foi exaltado? Quem faz a vontade do Pai? Estas perguntas nos ajudam a entender não só quem é Jesus Cristo como também a Igreja derivada da ação dos apóstolos. Sendo assim, como respondê-las?

Ezequiel (18,25-28) ajuda a responder. A conduta correta é arrepender-se da maldade e praticar a justiça. Dessa forma, é possível conservar a vida. O profeta explica: quando alguém se “desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal praticado” (Ez 18,26) que ele morre. Em que consiste esse “praticar o mal”? Em gerar situações de morte...

Cabe ressaltar que a morte à qual o profeta está se referindo, diz respeito ao distanciamento completo de Deus na vida terrena. Notando que essa morte eterna é consequência do estilo de vida aqui na terra. Talvez por isso é que se diz que o mal que atrai o mal; e o bem atrai o bem! Portanto, se você ainda não entendeu de que mal o profeta está falando, Jesus dá a resposta, nos termos do profeta: não cumprir a vontade do Pai.

O que nos leva à indagação sobre o porquê de Cristo ter sido exaltado. A resposta vem de Paulo (Fl 2,1-11). Cristo foi exaltado porque não se apegou ao seu ser igual a Deus (Fl 2,6). Ele abriu mão de tudo para se igualar a nós (Fl 2,7). Mais ainda, não só se igualou a nós, como se entregou à morte por nós. “E morte de cruz” (Fl 2, 8), explica o apóstolo. A morte de Cristo, portanto, é uma morte redentora, que pode conduzir à vida, ou seja à convivência definitiva com Deus. Mas só é morte redentora para quem não fez de sua vida uma corrente para o mal, maltratando a vida dos outros.

Sua morte “pode conduzir à vida” porque essa convivência definitiva com o Senhor, não depende de Deus, mas de cada indivíduo. A decisão é pessoal. Deus oferece. Nós aceitamos ou recusamos, como fizeram os irmãos, mencionados por Mateus (21,28-32).

Então, por fim, quem faz a vontade do Pai?

Há que se entender a postura dos dois irmãos, mencionados por Mateus. Eles agiram diferentemente das respostas que deram ao seu pai. Falam o oposto daquilo que realmente executam. A partir disso Jesus pergunta aos representantes do povo: “quem fez a vontade do pai?” (Mt 21,31) E os representantes do povo, mesmo não fazendo o que é sua obrigação fazer, sabem responder corretamente. Fez a vontade do pai aquele que diz não, mas executa o trabalho. Lá eles sabiam a resposta correta, mas não estavam tendo a postura correta. Sabiam como conduzir o povo para Deus, mas agiam como se isso não tivesse importância.

E Jesus os repreende, não por causa de sua resposta, mas por causa de sua postura. Não adianta saber o que se tem que fazer, mas não realizar essa obra. A mesma repreensão é dirigida às atuais lideranças políticas e religiosas. O mesmo que Jesus lhes disse, cabe hoje: “os pecadores e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus”, e vocês sabem o porquê!

Neste ponto, não é demais reiterar a afirmação de que é necessário tomar cuidado para não realizar algo que deve ser feito por “competição ou vanglória”. As obras do bem não são realizadas para mostrar a capacidade de fazer o bem, como orienta Paulo: “Nada façais por competição ou vanglória mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais importante” (Fl 2,3). Além disso, a boa ação para o outro deve ser “para o outro” e não uma ação/ajuda pensando na retribuição que se pode receber. Se o bem é feito pensando na retribuição, não é um bem, mas uma troca de favores; e quem o fez não fez para o outro, mas para si mesmo...

Isso implica dizer que não é o fato de poder ostentar o bem realizado que conta; também não importa saber do bem a realizar sem, no entanto, fazê-lo. Nessas circunstâncias não há mérito naquilo que se realiza. Para o Senhor importa não o que se sabe ou o que se mostrou…, mas o que vai no coração. Isso é o que ensina Ezequiel ao dizer que “Quando um justo se desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal praticado que ele morre. Quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva a própria vida.” (Ez 18, 26-27). No caso dos irmãos: não fez a vontade do pai aquele que concordou com ele, mas o filho que depois de discordar executou o que o pai pedira.

Mas, então, qual é a conduta correta? Por que Cristo foi exaltado? Quem faz a vontade do Pai? E a resposta encontramos na pessoa de Jesus Cristo, sua conduta é a correta porque cumpriu com a vontade do Pai e por esse motivo foi exaltado, ensina Paulo na carta aos filipenses. E isso também mostra como é a Igreja de Jesus Cristo. Ela é convidada a ter “os mesmos sentimentos que havia em Jesus”. Uma Igreja onde não haja senhores e nem escravos; não existam poderosos nem oprimidos; onde aquele que tem mais reparte com os que precisam não para evidenciar suas posses e humilhar o necessitado; onde o “irmão” não é só mais uma palavra, ou uma forma de tratamento, mas uma comunidade na qual todos o sejam de fato, a fim de que “para glória de Deus, o Pai, toda língua confesse: Jesus Cristo é o Senhor!”

Podemos não entender o que Deus nos reserva, mas isso não nos impede de realizar sua vontade. E, além disso, todo aquele que se ocupa em fazer algo pensando no outro, esse tem a aprovação divina, pois está realizando a vontade do Pai.




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, setembro 21, 2023

O que for justo

(Isaías 55,6-9; Filipenses 1,20c-24.27a; Mateus 20,1-16a)






Em que consiste o pagamento justo? Quem paga o que é justo? Qual é a justiça no pagamento do salário? Estas indagações nos chegam a parir da proposta de Jesus (Mt 20,1-16a) falando de um patrão que, ao longo do dia, contratou trabalhadores em diferentes horários e, ao final do expediente, a todos deu o mesmo pagamento.

Esse gesto do patrão, pagando a todos igualmente, independentemente do tempo trabalhado, gerou descontentamento entre os operários, pois os últimos só trabalharam uma hora e receberam tanto quanto os que haviam trabalhado a jornada inteira. “Ao receberem o pagamento, começaram a resmungar contra o patrão: ‘Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor o dia inteiro’” (Mt 20,11-12).

Essa parábola intriga muitos de nós. Com certeza, damos razão aos trabalhadores resmungões, com o argumento: se quem trabalhou uma hora recebeu uma diária, aquele que trabalhou o dia inteiro deveria receber muito mais. Entretanto, só pra relembrar, este é o pensamento capitalista. Economicista. Interesseiro. Egoísta… não é a postura justa e cristã!

Neste ponto é que se encaixam nossas indagações iniciais: em que consiste o pagamento justo? Quem paga o que é justo? Em que consiste a justiça no pagamento do salário?

Para entender isso e entender os motivos de Jesus, temos que atentemos às palavras de Isaías (55,6-9): “Meus pensamentos não são como os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são como os meus caminhos, diz o Senhor. Estão meus caminhos tão acima dos vossos caminhos e meus pensamentos acima dos vossos pensamentos quanto está o céu acima da terra” (55,8-9). Ou seja, o ser humano tem dificuldade para entender o projeto de Deus.

Jesus está se referindo à justiça do Reino. Para Deus não há alguém que mereça uma graça maior do que outro. Todos recebem, plenamente, a graça de Deus. E se a graça é plena, não tem um que a receba mais que o outro. E quem recebe a graça não a recebe por mérito próprio, mas porque Deus a deu. Por isso é graça, é dom de Deus. Isso nos leva a Paulo (Fl 1,20c-24.27a), afirmando: “Só uma coisa importa: vivei à altura do Evangelho de Cristo.” (Fl 1,27). Essa é a base em que se realiza a justiça divina: viver em sintonia com o Evangelho.

Então reflitamos nossas indagações.

Quem paga está retribuindo algo que recebeu. Houve uma troca. E, para ocorrer a troca, as partes envolvidas estabelecem, antecipadamente, os valores. Trata-se de uma negociação, mais ou menos nestes termos: “Eu te dou isto em troca daquilo. Você aceita a troca?” Se as partes fizerem o acordo e ambos aceitarem e concordarem que “isto” pode pode ser trocado por “aquilo” então a transação acontece de foma justa e legal: os dois lados concordaram!

Porém pode ocorrer que haja um “acordo” forçado por alguma circunstância, de modo que “isto”, de fato, tenha um valor menor do que “aquilo”. E o possuidor “daquilo” seja como que obrigado a aceitar “isto” como pagamento. Nesse caso não será um pagamento justo, pois uma das partes está sendo forçada a aceitar o que de fato não aceitaria noutras circunstâncias.

O pagamento dos salários, por exemplo. Não é um pagamento justo, embora estejam protegidos pela lei. O salário, portanto, está dentro da legalidade, mas não se enquadra na justiça. E por que não é justo? Porque o assalariado não tem poder de negociação. Ele tem que aceitar o que lhe foi imposto. Pode até não aceitar esse salário e não trabalhar, mas, nesse caso, ficará em uma situação de maior penúria ainda. Então, forçado pela necessidade aceita. Por outro lado, todos sabemos que aquele que lhe paga o salário se beneficia muito mais com os resultados do trabalho do trabalhador do que o trabalhador com o salário recebido. E por isso o pagador de salário cria mecanismos para justificar (as leis) e convencer o recebedor de salário de que foi uma relação/troca justa. Para sabermos se houve justiça basta invertermos os papéis para que o pagador sobreviva com aquilo que paga. Se não aceita receber somente o valor que paga como salário, é porque sabe que o que está pagando não é justo, embora seja legal. Pode até criar mil e uma justificativas para mostrar suas responsabilidades… etc… mas se não aceita viver com o que paga a quem produz é porque sabe que não está praticando justiça. Seria feita justiça se todos os envolvidos no processo usufruíssem dos mesmos benefícios, sem que um fosse mais beneficiado que os outros.

Qual foi a proposta de Jesus? Com aqueles que contratou de madrugada, combinou “uma moeda de prata” (Mt 20,2). Com aqueles das nove horas combinou pagar “o que for justo” (Mt 20,4). Ao meio dia e às três horas “fez a mesma coisa” (Mt 20,5), isto é, prometeu “o que for justo”. E na última hora, àqueles a quem “ninguém contratou” (Mt 20,7) nada prometeu. Mesmo sem promessa de pagamento, foram ao trabalho. E, no acerto das contas, foram os primeiros a receber “uma moeda de prata” (Mt 20,9).

Por que pagou a todos igualmente? Por que disse: “Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti (Mt 20,14)? Certamente não foi pelo volume da produção. O que estava em jogo não era a produção, mas a sobrevivência. Tanto os primeiros como os últimos, tinham que sobreviver, por isso receberam o mesmo pagamento.

Esse é o gesto da graça divina. Não é dada pelo mérito do trabalho realizado, mas pela vontade de quem pediu para o trabalho ser feito. É o dom da graça que permite a afirmação: “Pagarei o que for justo” (Mt 20,4)

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quarta-feira, setembro 13, 2023

Quantas vezes perdoar


(Eclesiástico 27,33–28,9; Romanos 14,7-9; Mateus 18,21-35)




Pedro, sem dúvidas, é um dos personagens mais importantes na literatura dos evangelhos. E não estamos falando isso porque Jesus o colocou como chefe da Igreja ou por outra virtude apostólica. Sua importância é, realmente, como personagem literário. É dele que saem algumas das perguntas mais instigantes e propulsoras para os ensinamentos do Senhor.

Por vezes a pergunta de Pedro pode parecer meio infantil ou de quem não entendeu a proposta do Mestre. Entretanto, do ponto de vista literário, representam a continuidade de um discurso, a proposta de um aprofundamento ou mesmo a proposição de uma nova temática. Muitas vezes nos deparamos com uma pergunta a partir da qual Jesus reformula uma norma que era para ser maravilhosa, mas que ficou engessada no legalismo judaico.

No evangelho segundo Mateus (18,21-35) é que nos vem esta preciosidade: a pergunta que já vimos, lemos, repetimos e, talvez ainda não tenhamos entendido: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” (Mt 18,21).

Evidentemente, do ponto de vista literário, a pergunta tem a finalidade de promover um novo discurso; um novo ensinamento. Poderíamos até dizer que a pergunta de Pedro, aponta para uma teologia da reciprocidade.

E Jesus responde. Muito mais do que um discurso sobre o perdão, Jesus subverte os valores, apresentando a norma da reciprocidade positiva. Não mais o antiquado “olho por olho, dente por dente”, mas a proposição de uma nova postura. Jesus ensina que o perdão não é para ser dado sete vezes, mas setenta vezes sete, que também não é somente quatrocentas e noventa vezes. A intenção do mestre é dizer: “Perdoa sempre!” Quantas vezes? Sempre!

Dá pra imaginar que Jesus disse mais. Talvez tenha dito também: “perdoa sempre, porque é melhor, é mais saudável!; é mais divino, ter um coração amoroso do que rancoroso!” “Perdoa sempre porque você ficará no lucro, ficará mais leve sem o peso do rancor!”

“Deus perdoa sempre!”, possivelmente disse Jesus, ao complementar seu discurso. “Você deve perdoar sempre, porque é assim que faz o Pai. Por ser plenamente amoroso, o Pai perdoa sempre.” Jesus, com certeza, exemplificou seu discurso, retomando o livro do Eclesiástico (27,33–28,9). É bastante provável que tenha se reportado à afirmação: “O rancor e a raiva são coisas detestáveis, até o pecador procura dominá-las” (Eclo 27,33). E hoje poderíamos acrescentar: uma pessoa sensata não realimenta o rancor e a raiva.

Esses sentimentos existam em nós. Nos os experimentamos diante das adversidades e contrariedades. Porém dá para dizer mais: esses sentimentos permanecem em nós somente se os alimentarmos; eles desaparecem, quando alimentamos o bem querer. É esse o conselho do Eclesiástico (28,9) “Pensa na aliança do Altíssimo, e não leves em conta a falta alheia!”.

Isso implica dizer que as causas dos nossos descontentamentos, que produzem a ira, o ódio, o rancor, a raiva, a sede de vingança… existem e nós as experimentamos. Mas está em nosso poder alimentá-los ou dominá-los, como sugere o Eclesiástico.

Com Paulo (Rm 14,7-9) podemos dizer que nossa vida é para o Senhor e, portanto, devemos alimentar não os sentimentos de ira, de rancor, de raiva, de vingança…, mas o contrário: o sentimento de “ser para o outro” uma vez que “ninguém dentre nós vive para si mesmo” (Rm 14,7). E se não vivemos para nós, como ensina o apóstolo, vivemos para outro: primeiro para o Senhor, mas nossa vida para Deus só se realiza no viver para os outros.

E aqui cabe a indagação fundamental: não estamos livres de errar. Sendo assim, como queremos ser tratados quando cometemos um deslize ou magoamos alguém? Ou quando pecamos ou fizemos algo que não deveria ser feito? Será que gostaríamos de ser odiados, tratados com ira, com rancor e raiva? Será que gostaríamos de ser agredidos e xingados? Então vale o sentimento recíproco, caso alguém nos ofenda ou faça algo indevido, cometa um pecado, um deslize…

E não se trata de fazer aos outros o que queremos que nos façam porque queremos receber a recompensa. Se assim fosse estaríamos apenas fazendo um negócio. Se faço o bem, querendo receber um bem em troca, não estou fazendo o bem para quem o recebeu, mas em meu próprio benefício. E, nesse caso, o bem feito ao outro não teve valor de bem, mas um valor comercial. O bem feito só tem valor, só é um bem, quando feito para o outro. A reciprocidade positiva implica nisso: fazer o bem (perdoar; apagar o rancor; eliminar a raiva, o ódio e a sede de vingança…) significa fazer o que tem que ser feito.

É a lição de Jesus na parábola do devedor maldoso. Ele foi perdoado em suas dívidas, seus inúmeros pecados. E foi perdoado não porque pediu, mas por benevolência, pela “compaixão”: “o patrão teve compaixão, soltou o empregado e perdoou-lhe a dívida. (Mt 18,27). Mas o devedor não agiu com a mesma compaixão, por isso perdeu o privilégio do perdão. O ato do perdão, portanto, não envolve o que pode vir depois como recompensa, mas como retransmissão do bem recebido. E isso tem que ser feito com o coração (Mt 18,35).

Então, quantas vezes perdoar? Jesus ensina que não se trata de quantidade, mas de intensidade. A intensidade da misericórdia divina deve ser nosso parâmetro para a nosso perdão e compaixão




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, setembro 07, 2023

Reunidos em meu nome

(Ezequiel 33,7-9; Romanos 13,8-10; Mt 18,15-20)




Mateus (Mt 18,15-20) nos apresenta uma frase de Jesus frequentemente repetida por muitos de nós: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome eu estou ali, no meio deles” (Mt 18,20).

A frase, por si só já nos diz muito, pois coloca em destaque o valor da oração do grupo e do grupo de oração. Entretanto, precisamos situá-la, não só na liturgia, mas principalmente no contexto em que Jesus a profere. Jesus e seus discípulos não estão em clima ou numa situação de oração, como normalmente a frase é invocada. Jesus está orientando os discípulos a respeito de como agir em caso de ofensa; e, ao mesmo tempo, orientando como tratar o agressor: não com outra agressão ou rancor, mas com sinceridade e disposição para o diálogo.

Jesus está oferecendo orientações de procedimentos em relação aos irmãos que erraram. Evidentemente essas orientações são destinadas a todos os cristãos, mas de maneira muito especial são dirigidas àqueles que desempenham alguma função de condução da comunidade, como era o caso dos discípulos a quem coube a inauguração e condução da Igreja que estava em gestação na caminhada de Jesus e seus seguidores. Enquanto anunciava o Reino, Jesus mostrava o caminho para atingi-lo.

É como se estivéssemos numa escola. A atitude de Jesus, em todo esse capítulo 18 é a postura do professor que está fazendo uma revisão da matéria, preparando os alunos para a prova. Mostra a importância dos pequenos (Mt 18 1-11); mostra como é importante resgatar os que estão pedidos (Mt 18, 12-14) e a importância do perdão (Mt 18 21-35). E a perícope que a liturgia nos propõe hoje (Mt 18,15-20) trata da postura em relação àquela pessoa que, na comunidade, age de forma desarmoniosa.

A pessoa ou o grupo que está em desarmonia com a comunidade deve ser “chamado a atenção” ou “corrigido” (Mt 18,15). Por quê? Porque essa situação de desarmonia quebra o clima de Igreja. Quebra a ligação com o céu. Por isso primeiro uma pessoa, depois duas ou três, e depois a própria comunidade deve ser convocada para reconduzir não só o que está fora dos trilhos, mas para que todos se reconduzam à harmonia. Pois uma pessoa em desarmonia implica em uma comunidade dividida. E onde existe divisão abrem-se as portas para o adversário. Onde há desarmonia, o amor a divino fica cerceado. Por isso a importância de trazer o irmão de volta e, se em última hipótese, ele se recusar, deve-se entender que não mais faz parte da comunidade.

Numa leitura mais atenta podemos notar que há uma espécie de paralelo na proposta dos versículos: a situação de desarmonia que está no versículo 15 tem seu paralelo no versículo 18 com a possibilidade de ligar ou desligar ao céu, restaurando a harmonia. O versículo 16, mencionando os dois desarmoniosos, pode ser lido em paralelo com o versículo 19 onde aparecem os dois em harmonia. E o versículo 17, com o julgamento da Igreja, deve ser lido em relação ao versículo 20 no qual aparece o resultado da harmonia que possibilita a presença de Deus. A harmonia entre as pessoa é um clima de Igreja e nesse ambiente eclesial Deus se faz presente. Havendo harmonia, entre dois ou três, manifesta-se a presença de Deus; diferente da desarmonia em que se manifesta as intenções do inimigo.

Essa mesma preocupação com a harmonia, ensinada por Jesus, já havia sido proposta por Ezequiel (33,7-9), ao dizer que o “filho do homem” (Ez 33,7) deve ser vigia e porta-voz de Deus. Afirma o profeta que o “filho do homem” recebe a função de alertar o ímpio a fim de que se converta e não morra. Deus não quer a perdição de ninguém, por isso envia seus profetas, dá voz à Igreja; Deus sempre mantém seu convite, mas respeita quando é recusado!

Os alertas do profeta, o convite à harmonia ensinado por Jesus manifestam-se na proposta dos mandamentos. Os mandamentos que deixam de ser inúmeros para serem apenas um: o amor, como ensina Paulo (Rm 13,8-10), retomando o que aprendera de Jesus. O amor, portanto, é a manifestação da harmonia; o amor é a advertência do profeta. Por amor é que Jesus ensina o valor daqueles que são capazes de convidar o interlocutor a retornar à harmonia: Consigo, com os outros e com o céu.

A proposta de Jesus vai além. Deseja que todos sejamos capazes não só de ouvir a proposta divina, mas principalmente que sejamos promotores da restauração dos elos partidos. E onde existem elos partidos esse é o clima e ambiente para a ação da boa palavra. E se alguém ouvir as boas palavras estará em condições de fazer com que os elos se reatem. E, então, restaura-se a harmonia e então poderemos dizer, sem sombra de dúvidas, que aí está Jesus, pois esse grupo é Igreja e está reunida em nome de Jesus.




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...