quinta-feira, agosto 31, 2023

Em troca da vida

(Jeremias 20,7-9; Romanos 12,1-2; Mateus 16,21-27)




“Que poderá alguém dar em troca de sua vida?” (Mt 16,26) A pergunta de Jesus pode ser um norte para nossa vida. Afinal, o que vale a nossa vida? Qual o preço de uma vida?

A indagação que Jesus está nos propondo é um convite a refletir o sentido da vida. E uma resposta para essa indagação que fundamenta a vida não sai das palavras que podemos proferir, mas do rumo que empreendemos à nossa existência. De uma forma mais poética: o sentido da vida pode ser expresso nos passos que direcionam nosso caminhar.

Essa indagação é tão fundamental para a condução da vida que Paulo, dirigindo-se aos romanos (Rm 12, 1-2), os convida a redimensionar a vida: “eu vos exorto” (Rm 12,1), diz o apóstolo.

Exorta a quê? A fazer da vida uma oferta a Deus: “a vos oferecerdes em sacrifício vivo”. Só lembrando que sacrifício não é um ato ou situação de sofrimento, mas de entrega a Deus. O sacrifício vivo é, portanto, a entrega total a Deus. Trata-se de entregar a vida a Deus!

Por que o apóstolo faz essa exortação? Porque comunidade de Roma não está se comportando em consonância com o plano de Deus, como seria de se esperar dos seguidores do Cristo, como ensinam os livros sagrados e os evangelhos. Por isso a orientação do apóstolo à comunidade que está em Roma – e a nossa também: “Não vos conformeis com o mundo” (Rm 12,2). E aqui vale o mesmo princípio. Se a orientação é para não se conformar com o mundo é porque a comunidade está conformada. Então, em quê consiste esse “conformar”.

Inicialmente pode-se entender como aceitação. Quem está triste por ter perdido algo, ao se conformar, aceita essa perda. Mas, não é essa a orientação do apóstolo. Para Paulo, conformar, deve ser entendido como entrar na forma, no jeito de ser. Assim, “não se conformar com o mundo” significa não deixar que o mundo direcione nossa vida. Conformar-se ao mundo nada mais é do que viver não mais com os valores cristãos, mas com os valores do mundo. E isso não é para acontecer, diz o apóstolo. O cristão não deve deixar-se dominar pelo mundo, mas ser sinal para o mundo; agir para transformar o mundo.

Dessa forma, também, não se conformar, ou seja, não se deixar levar pelos valores do mundo, significa, segundo Paulo, transformar-se e renovar-se. “Transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e de julgar” (Rm 12,2). Mas isso com que finalidade? Com a finalidade de “distinguir o que é da vontade de Deus, isto é, o que é bom” (Rm 12,2). Isso significa que o apóstolo sabe que a comunidade sediada em Roma – e hoje também a nossa comunidade – não está seguindo a vontade de Deus; não está fazendo o que é bom; não está fazendo o que lhe agrada e é perfeito… por não estarem fazendo nada disso é que o apóstolo os exorta – e também a nós – a fazer essas coisas. Se já estivessem fazendo isso, não haveria necessidade dessas orientações. Eis, portanto, um sentido para a vida: encontrar a “vontade de Deus”, realizar “o que é bom”.

A busca pelo sentido da vida e do viver, pode ser notada na vida de Jeremias (20,7-9). O que ocorre com o profeta, seguidamente se dá conosco, frente as dificuldades. A tendência, para quase todos nós, é nos abatermos; fraquejarmos diante das adversidades. É a postura de Jeremias (20,7-9). Num primeiro momento a euforia: “Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir! Foste mais forte” (Jr 20,7). Mas, em seguida, vem a recaída diante das dificuldades: “A palavra de Deus tornou-se para mim vergonha e gozação” (Jr 20;8) e por esse motivo, diz o profeta, “nunca mais hei de lembrá-lo, não falo mais em seu nome!” (Jr 20,9).

Mas essa postura de afastamento, de descompromisso, não dura muito, pois o fogo da Palavra mobiliza e o profeta reconsidera sua atitude. “Parecia haver um fogo a queimar-me por dentro, fechado nos meus ossos. Tentei aguentar, não fui capaz.” (Jr 20,9). Ele sabe que só no Senhor está a paz e o bem. No Senhor está o sentido da vida.

Por fim, ninguém melhor que Jesus para, não só dizer, mas mostrar o sentido da vida. Ele demonstra que, para entender o sentido da vida, é necessário entender o sentido da dor. Por isso ele deve “ir à Jerusalém e sofrer muito” (Mt 16,21). Só que Pedro ainda não entendeu isso, e se contrapõe ao plano do Mestre. “Deus não permita tal coisa” (Mt 16,22).

Pedro ainda não havia entendido que o sentido da vida é a entrega. Por estranho ou paradoxal que possa parecer, Jesus afirma – e demonstra com sua entrega – que as coisas dos homens não são coisas de Deus (Mt 16,23); que a renúncia de si é condição para o seguimento (Mt 16,24). Mostra que para ocorrer a salvação da vida é necessário entregá-la (Mt 16,25). Mostra que o mundo vale menos que a vida (Mt 16,26) e, finalmente, assegura que a entrada no Reino depende da conduta de cada um. Por isso afirma que em seu retorno glorioso “retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta.” (Mt 16,27).

Aqui está o sentido para a pergunta: Que é necessário para ganhar a vida gloriosa? O que se pode “ alguém dar em troca de sua vida?” (Mt 16,26). É necessário dar a vida! A vida gloriosa é o sentido desta vida. E Jesus vai entregar o resultado, ele “retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta”.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, agosto 25, 2023

Quem sou eu para você?

(Isaías 22,19-23; Romanos 11,33-36; Mateus16,13-20)




O Senhor cobra um posicionamento daqueles que o cercam, que dizem ter fé, que são seus anunciadores, que são seus emissários. Quer um posicionamento daqueles que lhe dirigem suas orações. Daqueles que se dizem cristãos, que frequentam os templos e recitam orações. A todos, o Senhor faz a pergunta decisiva: “quem sou Eu, para você?” É a grande pergunta do Mestre apresentada por Mateus (16,13-20).

Qualquer que seja o questionamento, exige de nós uma resposta. Mesmo que seja o silêncio; ou uma evasiva; ou admitir a incapacidade de responder; ou uma negação... e aqui é o Senhor quem nos interroga. “O que andam falando a meu respeito? E vocês o que dizem?” E resposta é adesão ou rejeição. E isso impõe outra pergunta: “quem é Deus, para mim?”

Lendo a profecia de Isaías (22,19-23), notamos que o Senhor está descontente com o Sobna, administrador do palácio. Mas por qual motivo? Quem era Deus, para ele?

Ele devia guiar o povo de Deus, mas não estava cumprindo com a missão. E por isso foi substituído por alguém mais dedicado às necessidades do povo. Um novo líder que “será um pai para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá.” (Is 22,21). Agir em favor do bem do povo é missão de todos, mas de modo especial daquele que está revestidos de autoridade.

Todos os que estão revestidos com alguma autoridade, tem a obrigação, moral e religiosa, de converter esse poder em bem estar para o povo. Caso a autoridade não faça isso, deve ser destituída do poder. Esse foi o exemplo ensinado pelo Senhor, na profecia de Isaías.

Paulo (Rom 11,33-36), acrescenta um novo motivo pelo qual cada um de nós e, principalmente aqueles que são revestidos de autoridade, devemos nos colocar a serviço de todos. O apóstolo nos informa: “tudo é dele, por ele, e para ele” (11,36). Isso significa que, se tudo pertence ao Senhor, não temos direito de profanarmos a obra de Deus: sua criação e as pessoas. A natureza a nós doada, não por nossos méritos, mas pela grandeza da graça do Pai, deve ser reverenciada, pois dependemos dela; as pessoas, nossos semelhantes, merecem de nós aquilo que nós gostaríamos de receber deles! Ao Senhor, “a glória para sempre”, mas como glorificá-lo se agredimos sua criação Portanto, se tudo pertence ao Senhor, quem somos nós para agredirmos sua obra? Com que direito concentramos poderes e riquezas enquanto milhares de pessoa passam fome e outras dificuldades?

Não é diferente a indagação de Jesus: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (Mt 16,13). E os discípulos respondem: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas.” (Mt 16,14). Ou seja, as pessoas, mesmo aqueles que estão próximas, ainda não conhecem o Senhor.

Evidentemente Jesus sabe quem é, o que se propõe e qual sua proposta para as pessoas. Entretanto deseja uma resposta decisiva das pessoas. Por isso a outra indagação é para quem o segue, para quem se acha próximo: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15).

E assim voltamos à indagação inicial: “quem é Deus, para mim?”

Evidentemente respondemos: É meu salvador! É a razão de meu existir! É a luz da minha vida! É um guia em minha vida! Deus é tudo para mim!… e muito mais. Entretanto, a pergunta é outra, não é sobre o que digo, mas sobre o que faço: quem é Deus, para mim, não em meu discurso, em minhas palavras, mas em minha vida e ações?

A verdadeira resposta não nasce nem se apresenta em palavras de um belo discurso… Tudo que se possa dizer, pode ser apenas para cumprir com as convenções, para manter as aparências, para satisfazer as ambiguidades de cada um. Pode ser uma resposta para que o outro veja… e não para engajar na solidariedade transformadora…. A verdadeira resposta, não está nas palavras, mas nos comportamentos. A resposta está nas atitudes.

Foram as atitudes de Pedro e não as palavras: “tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16), que lhe renderam o poder das chaves (Mt 16,19); exatamente como ocorreu com Eliacim, na profecia de Isaías 22,22). Ou seja, aquele que reconhece Jesus, recebe, também uma autoridade… e uma missão: ser ponte!

Resta, talvez, uma última indagação: por que Jesus pede segredo em relação àquilo que Pedro revelou? “Jesus, então, ordenou aos discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Messias.” (Mt 16,20).

Uma possível resposta, que também depende de nossa postura, é que Jesus continua fazendo a pergunta a cada pessoa. E espera de cada um a sua resposta pessoal e existencial e não aquela que já foi dada por outros. Uma resposta que vai além das palavras e que se manifesta nas atitudes: “E vós, quem dizeis que eu sou?”


Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, agosto 17, 2023

Assunção de Nossa Senhora: Realizou-se a salvação

(Apocalipse 11,19a; 12,1.3-6a.10ab; 1Coríntios 15,20-27a; Lucas 1,39-56)




A celebração da Assunção de Nossa Senhora faz da liturgia de hoje uma solenidade da esperança. De alcançar o Reino, sim, mas também de viver com dignidade aqui e agora.

O livro do apocalipse mostra isso (11,19a;12,1-6a.10ab). As dificuldades, simbolizadas no do dragão ameaçando a mulher grávida (Ap 12,1) são superadas com o nascimento da criança. A vida nova, o Filho de Deus, além de uma promessa, é também uma esperança. Por isso, Deus arrebata a criança para junto de si. É a esperança de vencer as dores do dia a dia.

O poder destrutivo do dragão da maldade, (Ap 12,4) torna-se impotente diante do poder salvífico de Deus. O Filho que veio para guiar a humanidade nasce em segurança. O “filho homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro” (Ap 12,5) manifesta-se com promessa e sinal de esperança.

A mãe dessa criança também recebendo proteção divina. “A mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar” (Ap 12,6). O lugar preparado para ela é o seio de Deus. É o que celebramos como Assunção: a mãe sendo levada para junto de Deus.

Com a mãe e Filho protegidos, o anjo protetor pode anunciar: "Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus e o poder do seu Cristo" (Ap 12,10). A mãe e a criança, arrebatados, protegidos pelo poder de Deus indicam o nosso caminho: o convívio com Deus alimentando a esperança superar as dificuldades cotidianas.

A mulher protegida por Deus tem uma dupla representação: primeiro representa a Igreja, o povo de Deus a caminho que se ampara e protege sob a sombra do poder divino; e também representa a mãe de Jesus. E celebramos isso porque acreditamos que suas virtudes lhe conferiram prestígio para ser levada para junto de Deus. E nisso consiste nossa esperança: da mesma forma que Jesus voltou para o Pai, na sua ressurreição, assim também, convidou e levou para junto de si aquela que o carregou no ventre, depois dela cumprir sua jornada terrena. Ela nos antecedeu por seus méritos e pelos méritos da graça divina, como a nos dizer: você também pode! E a esperança consiste justamente nisso: a morte não é o fim; é só um momento de transição desta vida para a vida definitiva junto ao Pai.

A esperança também está na carta de Paulo (1Cor 15,20-26.28). Ele ensina: “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram” (1 Cor, 15,20). Ele é o primeiro, para nos mostrar o caminho: que Ele percorreu; por onde levou a mãe e por onde nos levará.

E o apóstolo diz isso como a dizer que a vida no mundo é importante, sem dúvida, mas a morte não é menos importante. Por ela é que se chega ao Pai. O próprio Jesus, para retornar ao Pai, passou pela morte: “Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda” (1 Cor, 15,23). E, na batalha pela vida, prevalece a esperança expressa na vitória sobre a morte. “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1 Cor 15,26). Com a morte da morte haverá plenitude de vida.

E a Igreja coloca Maria, a mãe de Jesus, como modelo da vitória da vida sobre a morte. E a solenidade da Assunção de Nossa Senhora tem essa finalidade: indicar o caminho. Ao passar pelo portal da morte, da mesma forma que a mãe do Senhor, seremos assumidos pela Trindade Santa no reino definitivo. Assim, podemos dizer que a mãe de Jesus é a precursora. Ela foi chamada ao céu para olharmos seu modelo de vida e assim termos setas indicadoras do caminho a percorrer: com dificuldades, mas também com a certeza da vitória.

E qual é o caminho indicado por Maria Assunta ao Céu?

Ele pode ser lido no programa de vida apresentado quando Maria se pôs a serviço de Isabel (1,39-56). Aquela adolescente, prestes a dar a luz, enfrentando suas dificuldades, não exitou em pegar a estrada para ajudar Isabel. A vida em favor do outro: essa é a seta indicativa. Esse é o caminho. Esse é o sentido da vida. Esse é o critério para merecer seu amor que se “estende, de geração em geração, a todos os que o respeitam” (Lc 1,50).

Maria sabia disso de forma plena. E o afirma ao exclamar: “O Poderoso fez por mim maravilhas e Santo é o seu nome!” (Lc 1,49). As maravilhas não são somente em favor da Mãe. Estão, também, à nossa disposição, pois osmos filhos do mesmo “Poderoso”.

Além disso, a esperança se manifesta numa prática de justiça e equidade. O Senhor faz maravilhas, em favor dos que o temem (praticam suas obras) porque “derruba os orgulhosos”; “exalta os humildes”; “sacia os famintos”; “despede os ricos sem nada” (Lc 1,51-53).

Maria é modelo, por suas virtudes; Maria é precursora, por suas ações; Maria é sinal de esperança, porque carregou Jesus no ventre e nos braços; Maria é esperança porque intercedeu em favor dos menos favorecidos. E, nossa fé esperançosa nos ensina que Maria é nossa intercessora, como “advogada nossa”.

Confiamos no Deus Trino e, justamente por isso alimentamos a esperança da intercessão de Maria. Por sua intercessão sabemos que Deus continua nos salvando no poder do Filho que nos ilumina pelo Espírito… e nos apresenta Maria como primeira seguidora do Filho.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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quinta-feira, agosto 10, 2023

Coragem! Sou eu!

(1Reis 19,9a.11-13a; Romanos 9,1-5; Mateus 14,22-33)



Um convite à confiança. Essa é uma das propostas que hoje Deus nos está fazendo.

Para entendermos melhor vejamos o que está ocorrendo com Elias (1 Rs 19,9a.11-13a): está escondido numa gruta. E com Paulo (Rm 9,1-5)? Confessa uma tristeza por não poder oferecer mais por Jesus. E Pedro (Mt 14,22-33)? Assustado com o vento e as águas. Na caverna, na angústia ou no medo, sobram duas alternativas: o desespero ou a confiança.

Daí a pergunta: Por que essas cenas nos são apresentadas? Da parte de Deus não vem o desespero, apenas o convite à confiança! E continuam as indagações: Como nos posicionamos diante de Deus e de seu convite? Nos escondemos? Lamentamos as dores? Temos medo de submergir nas tempestades da vida? Ou confessamos, com nossa vida e nossos atos: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!” (Mt 14,33)?

Não é demais nos perguntarmos o porquê de Elias estar se escondendo, de Paulo estar angustiado e de Pedro estar afundando.

No primeiro livro dos Reis Elias é um dos personagens mais importantes. Ele é perseguido pelo rei, depois de eliminar os falsos profetas. Venceu-os em nome de Deus, mas foi perseguido pela ira do rei e escondeu-se na gruta. Lá o Senhor o encontra, mas não se manifesta nos terríveis fenômenos da natureza: tempestade, terremoto, fogo… a violência nada disso é de Deus e quem é da violência, também não é de Deus. O Senhor não se dá a conhecer no medo ou na insegurança.

No “murmúrio” da “brisa leve” Elias reconheceu a presença de Deus (1 Rs 19,13). Na paz Deus se manifestou e nesse clima de harmonia Elias saiu da gruta. Fugiu daquele que representava a violência e o medo; saiu da gruta na sensação de paz, na confiança. Em nossa sociedade quem levanta a bandeira da Paz e quem esbraveja, com armas nas mãos?

E nós, em que situação reconhecemos o Senhor, para sairmos de nossos esconderijos? Ou, antes disso, o que nos assusta ao ponto de fazer com que entremos no esconderijo? Podemos até ter feito grandes coisas em nome de Deus, como Elias, mas se não tivermos confiança no Senhor, Ele não nós mostrará sua face de amor. Se não confiarmos em sua graça, nós o confundiremos com os fogo, o vento ou o terremoto. O confundiremos com os discursos de ódio e violência, com os discursos pelas armas….

Que acontece com Paulo? Está angustiado. Seus irmãos israelitas não aderiram a Jesus. Eles “pertencem a filiação adotiva, a glória, as alianças, as leis, o culto, as promessas” (Rm 9,4). Entretanto, também aqui, é a confiança é possível reconhecer em Jesus o prometido e anunciado. Mas para isso é necessário um ato de fé. É numa profissão de confiança o apóstolo reconhece que Cristo “está acima de todos”. Ele é o “Deus bendito para sempre” (Rm 9,5).

E nós, reconhecemos o Cristo, o prometido, na pessoa de Jesus de Nazaré? E se reconhecemos, porque ainda não mudamos nossos comportamentos?

Que dizer, então de Pedro? Ele que conviveu com Jesus; viu o milagre da partilha; viu o rosto brilhante do Mestre e dele ouviu: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14,27). Ele que recebeu o convite para ir ao encontro de Jesus (Mt 14, 29)… teve medo!

A falta de confiança o estava afundando. Num rompente de coragem descera da barca. Mas parece que isso foi mais um gesto de empolgação do que de confiança. A empolgação não é um ato de fé. Na empolgação se fazem coisas boas… mas também coisas ruins...

Em Pedro o ato de fé se expressou no auge do desespero. Somente expressou sua confiança quando sentiu que estava afundando (nas águas e na vida), por isso o desespero. Somente quando “sentiu o vento, ficou com medo e começando a afundar, gritou: 'Senhor, salva-me!'” (Mt 14,30) ...somente nesse momento pode ser salvo. Mas antes teve que ouvir a a recriminação: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31).

Como estão navegando as barcas de nossas vidas? Quais são os ventos que estão nos levando para o fundo das águas do mar da vida? Estamos vendo Jesus sobre as águas, ou apenas um fantasma? (Mt 14, 26).

É possível superar as dificuldades. É possível vencer os medos. É possível enfrentar os dissabores e as dúvida e as incertezas… mas isso só será possível quando houver entrega absoluta, para não mais ouvirmos: “por que duvidaste?” Isso é possível se mantivermos a mesma atitude daqueles que estavam no barco; só quando formas capazes de dizer, não só com palavras, mas com o gesto de nossa vida: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!”. Aí, então ouviremos de Jesus: Coragem! Sou eu quem te estende a mão!

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

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sexta-feira, agosto 04, 2023

Transfiguração: O livro de Deus

(Daniel 7,9-10.13-14; 2Pedro 1,16-19; Mateus 17,1-9)




Por que Jesus se transfigurou (Mateus 17,1-9)? Ele tinha necessidade de se mostrar no esplendor de sua divindade?

Por que se mostrou pleno apenas aos três e não aos doze? Por que pediu sigilo sobre o fato?

Você percebeu que a cena da transfiguração, narrada por Mateus, é bastante parecida com a cena descrita por Daniel (7,9-10.13-14)? O profeta fala a respeito de um ancião recebendo a visita de um “filho de homem”. Notemos que o “filho de homem”, descrito pela visão de Daniel, é servido por “todos os povos, nações e línguas”. Esse “Filho de Homem” recebe “poder, glória e realeza, e todos os povos, nações e línguas o serviam: seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá” (Dn 7,14).

Notemos que, na cena da Transfiguração o rosto de Jesus “brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz”. E, em seguida, interrompendo o susto de Pedro: “uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra. E da nuvem uma voz dizia: "Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo meu agrado. Escutai-o!" (Mt 17,3.6). Notemos, aqui, que o importante não é o resplendor de Jesus, mas a ordem divina: ESCUTAI-O!

Como podemos notar, ambas as cenas, em Daniel e em Mateus, tem muito em comum. Podemos, por isso, dizer que a profecia de Daniel se confirma na Transfiguração de Jesus. Por isso, também podemos dizer que tanto em Daniel como em Mateus, o Senhor está nos mandando um recado: o tempo está próximo.

Lá em Daniel os livros que estão para serem abertos, representam a vida de cada um: é o Julgamento. Na Transfiguração o Senhor nos faz o alerta: não se distanciar do projeto divino e para isso é necessário saber que Jesus é o Filho amado e deve ser ouvido! E deve ser ouvido porque ele está prestes a abrir os livros das nossas vidas! O que temos em nosso livro?

Mas por que a cena de mistério? Por que Jesus pede sigilo? Por que não se mostrou a todos? Por que desejou se mostrar por inteiro apenas aos três?

Uma resposta, talvez, pode ser essa que vem das palavras de Pedro (2 Pd 1,16-19).

O ar de mistério, ao redor de Jesus, talvez estivesse ocorrendo porque nem todos os que se faziam batizar; nem todos os primeiros cristãos; nem todos aqueles que ouviam as novidades a respeito de Jesus, o Cristo, estavam aderindo à sua proposta. E não aderiam à sua proposta porque, segundo Pedro os incrédulos estavam imaginando que Jesus fosse apenas mais uma lenda! Mais um mito! Mais um charlatão! Mais um daqueles que tiravam proveito enganando e enriquecendo às custas do povo. Por isso, Pedro diz: “Não foi seguindo fábulas habilmente inventadas que vos demos a conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, mas sim, por termos sido testemunhas oculares da sua majestade” (2Pd 1,16).

Se Jesus fosse mais uma das tantas lendas ou um desses charlatães que se aproveitam da fé popular, não teria sentido alimentar a fé. E Jesus não queria ser seguido por causa de milagres. Não queria ser seguido porque podia alimentar multidões. Não queria ser seguido porque era popular entre os pobres. Não queria que o seguissem por suas belas palavras!

Ele queria ser seguido, sim! Mas que esse seguimento ocorresse por adesão a um projeto de vida; adesão a um plano traçado pelo Pai para a toda a eternidade. Jesus queria a adesão a uma proposta que fizesse sentido para cada um dos seus seguidores porque esse seguimento implicava em salvação; implicava em ter o nome inscrito no livro da vida; aquele livro que estava para ser aberto e que representava um divisor de águas: o momento da separação entre os que alimentaram a fé com gestos de bem em defesa da vida; e aqueles que espalham sementes de morte.

Mas os boatos estavam dificultando a adesão a esse projeto de vida. Por isso Pedro afirma: Não está falando em nome de fantasias e de mitos enganosos. Ele falava em nome daquele que, efetivamente passara da morte para a vida. Bem do jeito que Daniel havia dito, com sua “visão noturna”. Pedro insiste dizendo que efetivamente Jesus “recebeu honra e glória da parte de Deus Pai, quando do seio da esplêndida glória se fez ouvir aquela voz que dizia: ‘Este é o meu Filho bem-amado, no qual ponho o meu bem-querer’” (1Pd 1,17).

Temos assim o sentido e o porquê da Transfiguração: Jesus quer mostrar que traz a mensagem salvadora e que não é um mito charlatão. Jesus quer adesão pela fé e não com base em boatos ou milagres que alguns usam para se aproveitar. Jesus traz uma boa notícia: proposta de uma vida plena, mas somente para quem tem o nome no livro!

A Transfiguração de Jesus é um anúncio de como podemos ser, quando seguimos seus passos, escrevendo nosso nome no livro de Deus




Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:



Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...