(Reflexões baseadas em: Habacuc 1,2-3; 2,2-4; 2 Timóteo 1,6-8.13-14; Lucas 17,5-10)
As pessoas justas e sensatas, dos dias atuais lançam a Deus o mesmo grito de indignação, do profeta Habacuc (1,2-3; 2,2-4). Com certeza, as pessoas justas e sensatas, ao se depararam com os desmandos na política; a injusta distribuição de rendas; as condições impostas ao trabalhador, às mulheres agredidas; ao verem a falta de perspectivas de futuro para a infância marginalizada… bradam a Deus: até quando o pobre será vitima da ganância?
Esse foi o grito do profeta: “Por que me fazes ver iniquidades, quando tu mesmo vês a maldade? Destruições e prepotência estão à minha frente; reina a discussão, surge a discórdia” (Hab 1,3). O profeta lança esse brado em busca de uma resposta de Deus.
Por qual motivo o profeta está assim preocupado, em busca de uma resposta de Deus?
Porque ele vê, como nós vemos hoje, a maldade humana se impondo sobre a vida sofrida dos pobres, dos marginalizados, dos sem casa, sem comida, desempregados, sem assistência de saúde, abandonados pelo poder público. Vê a maldade humana crescendo, mas não vê aquelas pessoas que se dizem crentes combatendo essa maldade. Pelo contrário, as vê coniventes com os poderosos da terra. Por isso o profeta interpela a Deus: “Até quando devo gritar a ti: ‘Violência!’, sem me socorreres?”
E Deus responde!
Mas, antes e pensando bem, podemos notar que a consequência do crescimento da maldade humana, impondo-se sobre o pobres da terra, que são os santos de Deus, tendem a se deixar abater pelo desânimo. Por isso é que vamos encontrar Paulo exortando Timóteo (2Tm 1,6-8.13-14) a não deixar que se extinga a chama do Espírito de Fortaleza.O apóstolo insiste: “Deus não nos deu um espírito de timidez mas de fortaleza, de amor e sobriedade” (2Tm 1,7).
Hoje, certamente diria: É preciso que o crente se apoie na força do Espírito para não cair no desânimo. É preciso alimentar o amor para que a marginalização não se amplie. É preciso ser solidário para não compactuar com o acúmulo de bens que gera exclusão social, econômica, humana, pois o que Deus ama não são os bens nem as aparência que a riqueza pode comprar, mas o amor solidário que impulsiona a coragem de lutar pelo bem estar das pessoas. Só assim, diz o apóstolo, será possível “reavivar a chama do dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos” (2Tm 1,6).
Mas como reavivar a chama do dom do amor de Deus em nós?
Pedindo que Deus nos conceda um dom a mais: o dom da fé! (Lc 17,5-10). Mas não se trata de uma fé vazia, na forma de grandes, longas e fervorosas orações, mas vazias de ação. Trata-se de uma fé que gera resultados,como ensinou Jesus: Uma fé que não se mede pelo volume de preces repetidas, de orações gritadas ao vento; nem pelos joelho inchados e garganta seca por horas de penitência e jejum… mas uma fé que se expressa em ações em favor de quem precisa. Uma fé que mobiliza o crente a promover as transformações e revoluções que a sociedade precisa.
Portanto, se nossa fé não produz resultados na meio social em que vivemos, é porque não atingiu os moldes ensinados por Jesus “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria” (Lc 17,6).
Vale dizer que Jesus não está falando de forma alegórica. Ele, realmente, dá uma lição em resposta à indagação dos discípulos: “Aumenta nossa fé” (Lc 17,5).
Os discípulos eram pessoas de fé. Mas duma fé que ainda se concentrava nas preces infrutíferas. Naquele palavreado de quem não tem compromisso com o meio social. Ou, quando se envolvia com uma ação, a executava não em favor de quem precisava, mas em busca do aplauso. Por isso Jesus, ao falar da intensidade da fé, também insiste no sentido da gratuidade do serviço: “fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10). Ou seja, nada foi feito pelo aplauso, mas porque isso era a única coisa a ser feita. Nisso se manifesta a fé.
A ausência de fé e de ações transformadoras levam ao grito do profeta: “Até quando?” E trazem a resposta do Senhor, dizendo para anotar e transmitir a visão que diz: tudo tem “prazo definido, mas tende para um desfecho, e não falhará; se demorar, espera, pois ela virá com certeza, e não tardará. Quem não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2,3-4).
Neri de Paula Carneiro.
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;