quinta-feira, setembro 29, 2022

O justo viverá pela fé

(Reflexões baseadas em: Habacuc 1,2-3; 2,2-4; 2 Timóteo 1,6-8.13-14; Lucas 17,5-10)




As pessoas justas e sensatas, dos dias atuais lançam a Deus o mesmo grito de indignação, do profeta Habacuc (1,2-3; 2,2-4). Com certeza, as pessoas justas e sensatas, ao se depararam com os desmandos na política; a injusta distribuição de rendas; as condições impostas ao trabalhador, às mulheres agredidas; ao verem a falta de perspectivas de futuro para a infância marginalizada… bradam a Deus: até quando o pobre será vitima da ganância?

Esse foi o grito do profeta: “Por que me fazes ver iniquidades, quando tu mesmo vês a maldade? Destruições e prepotência estão à minha frente; reina a discussão, surge a discórdia” (Hab 1,3). O profeta lança esse brado em busca de uma resposta de Deus.

Por qual motivo o profeta está assim preocupado, em busca de uma resposta de Deus?

Porque ele vê, como nós vemos hoje, a maldade humana se impondo sobre a vida sofrida dos pobres, dos marginalizados, dos sem casa, sem comida, desempregados, sem assistência de saúde, abandonados pelo poder público. Vê a maldade humana crescendo, mas não vê aquelas pessoas que se dizem crentes combatendo essa maldade. Pelo contrário, as vê coniventes com os poderosos da terra. Por isso o profeta interpela a Deus: “Até quando devo gritar a ti: ‘Violência!’, sem me socorreres?”

E Deus responde!

Mas, antes e pensando bem, podemos notar que a consequência do crescimento da maldade humana, impondo-se sobre o pobres da terra, que são os santos de Deus, tendem a se deixar abater pelo desânimo. Por isso é que vamos encontrar Paulo exortando Timóteo (2Tm 1,6-8.13-14) a não deixar que se extinga a chama do Espírito de Fortaleza.O apóstolo insiste: “Deus não nos deu um espírito de timidez mas de fortaleza, de amor e sobriedade” (2Tm 1,7).

Hoje, certamente diria: É preciso que o crente se apoie na força do Espírito para não cair no desânimo. É preciso alimentar o amor para que a marginalização não se amplie. É preciso ser solidário para não compactuar com o acúmulo de bens que gera exclusão social, econômica, humana, pois o que Deus ama não são os bens nem as aparência que a riqueza pode comprar, mas o amor solidário que impulsiona a coragem de lutar pelo bem estar das pessoas. Só assim, diz o apóstolo, será possível “reavivar a chama do dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos” (2Tm 1,6).

Mas como reavivar a chama do dom do amor de Deus em nós?

Pedindo que Deus nos conceda um dom a mais: o dom da fé! (Lc 17,5-10). Mas não se trata de uma fé vazia, na forma de grandes, longas e fervorosas orações, mas vazias de ação. Trata-se de uma fé que gera resultados,como ensinou Jesus: Uma fé que não se mede pelo volume de preces repetidas, de orações gritadas ao vento; nem pelos joelho inchados e garganta seca por horas de penitência e jejum… mas uma fé que se expressa em ações em favor de quem precisa. Uma fé que mobiliza o crente a promover as transformações e revoluções que a sociedade precisa.

Portanto, se nossa fé não produz resultados na meio social em que vivemos, é porque não atingiu os moldes ensinados por Jesus “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria” (Lc 17,6).

Vale dizer que Jesus não está falando de forma alegórica. Ele, realmente, dá uma lição em resposta à indagação dos discípulos: “Aumenta nossa fé” (Lc 17,5).

Os discípulos eram pessoas de fé. Mas duma fé que ainda se concentrava nas preces infrutíferas. Naquele palavreado de quem não tem compromisso com o meio social. Ou, quando se envolvia com uma ação, a executava não em favor de quem precisava, mas em busca do aplauso. Por isso Jesus, ao falar da intensidade da fé, também insiste no sentido da gratuidade do serviço: “fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10). Ou seja, nada foi feito pelo aplauso, mas porque isso era a única coisa a ser feita. Nisso se manifesta a fé.

A ausência de fé e de ações transformadoras levam ao grito do profeta: “Até quando?” E trazem a resposta do Senhor, dizendo para anotar e transmitir a visão que diz: tudo tem “prazo definido, mas tende para um desfecho, e não falhará; se demorar, espera, pois ela virá com certeza, e não tardará. Quem não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2,3-4).




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quinta-feira, setembro 22, 2022

Tu que és um homem de Deus

(Reflexões baseadas em: Amós 6,1-7; 1Timóteo 6,11-16; Lucas 16,19-31)




Muito interessante e chamam nossa atenção as recomendações de Paulo ao companheiro Timóteo (1Tm 6,11-16). Não menos interessante são as palavras do profeta Amós (Am 6,1-7), aos ricaços de Sião. O mesmo se pode dizer a respeito da situação do pobre Lázaro e o homem rico, além da cena diante do pai Abraão, no texto de Lucas (Lc 16,19-31).

O que há de interessante e em comum nestas leituras?

A constância de um alerta contra: o mau uso dos bens terrestres, o desprezo aos marginalizados, a falta de integridade na marcha para Deus; contra aqueles que não se compadecem do sofrimento das pessoas e a indiferença ao plano de Deus…. “Ai de vós que viveis despreocupadamente” (Am 6,1), diz o profeta; “Foge das coisas perversas” (1Tm 6,11), recomenda Paulo. Mas é de Jesus que vem a afirmação mais radical, alertando aqueles que não se preocupam com a condição de vida dos que sofrem: “Se não escutam a Moisés, nem aos Profetas, eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos” (Lc 16,31).

E o que isso tem a ver conosco? alguém pode perguntar.

Tem tudo a ver! Tem o fato de que as palavras bíblicas não são literatura para nossas horas de lazer, nem foram produzidas apenas para retratar estranhos costumes de povos antigos. Pelo contrário, são palavras de vida.

São radicais as palavras do profeta. Demonstram a ira de quem vê a injustiça, conhece o opressor e, justamente por isso, faz o alerta: “Aí de vós!”Aí dos que comem, bebem e dormem, sem se preocupar com as estruturas que produzem as dores e sofrimentos do povo. Aí dos que são alheios às necessidades dos excluídos e estão “comendo cordeiros do rebanho”, enquanto “bebem canecões de vinho” e tranquilamente “dormem em camas de marfim”. Aí dos que não se preocupam com o dia a dia sofrido do povo, “não se preocupam com o sofrimento de José” (Am 6,4-6)…. Todos estão condenados: irão acorrentados para o desterro. Ou seja, serão afastados da suntuosidade que lhes dá prazer e do convívio com Deus.

Como evitar a perdição? É a pergunta de quem deseja a paz, a justiça a equidade… de quem deseja se converter ao projeto de Deus… e depois de tudo herdar a vida plena e eterna.

A resposta vem de Paulo. Quem não quer a perdição eterna deve seguir as orientações que o apóstolo dá a Timóteo: “Foge das coisas perversas, procura a justiça, a piedade, a fé, o amor, a firmeza, a mansidão. Combate o bom combate da fé” (1Tm 6,11-12).

Essa postura deve ser mantida até que aconteça a “manifestação gloriosa de nosso Senhor Jesus Cristo”.Diz Paulo a Timóteo, na função de líder de uma comunidade: Para ser digno da recompensa definitiva, “guarda o teu mandato íntegro e sem mancha” (1 Tm 6,14).

E hoje podemos dizer que essas mesmas recomendações do apóstolo valem para nós e nossas lideranças religiosas e políticas: mantenha íntegro o teu mandato! E, poderíamos dizer mais: promova a equidade!

Mas, pode-se perguntar, qual a consequência de não promovermos uma revolução nas relações humanas, nas relações de poder, nas relações econômicas…?

As consequências nos são apresentadas nas palavras de Jesus:

O sofrimento, constante, na vida dos marginalizados;o sofrimento dos pobres provocado pela concentração das riquezas; a fome e o abandono produzido pelos que pensam só em si e em suas riquezas… são situações, provocadas pela vontade dos que desejam sempre acumular mais, provocadas pelos que acumulam riquezas que ultrapassam as necessidades pessoais e familiares. E tudo isso gera, de um lado a condição do marginalizado, representado pelo “pobre Lazaro” e do outro, a existência do “homem rico, que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas” e não partilhava com o sofredor (Lc 16,19-20).

A consequência é que ambos se encontrarão com a morte. Na outra vida o “pobre Lázaro” terá uma boa recompensa: “os anjos levaram-no para junto de Abraão”. Mas por seu lado o homem rico foi para a “região dos mortos, no meio dos tormentos”(Lc 16,22-23).

E o fato é que: há um abismo intransponível entre ambos; ambos ganharam a recompensa pela condução de suas vidas e isso se refletiu no pós vida; ambos levaram o que construíram ao longo de seus dias na terra. E nós podemos escolher, ser como o homem rico mantendo as estruturas de sofrimento ou promovermos condições para que as pessoas melhorem suas vidas aqui e agora.

Resta saber se aquilo que levarmos permitirá que Deus diga a nosso respeito: “ai de vós” ou se dirá : “Tu que és um homem de Deus” vai para junto do Pai.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, setembro 16, 2022

Preces e orações sem ira e sem discussões.

(Reflexões baseadas em: Amós 8,4-7; 1 Tm 2,1-8; Lucas 16,1-13)




Até parece que as palavras do apóstolo Paulo (1 Tm 2,1-8) foram escritas especialmente em resposta ao que acontece nos dias que nos cabe viver: o alerta sobre a importância da oração e a necessidade de superar os atritos para evitar as discussões.

Mas não só em relação aos dias atuais! Vai além!

Ao longo dos dois mil anos de cristianismo os seguidores do Senhor tiveram que enfrentar sérias provações:as perseguições aos santos de Deus e as heresias estiveram a serviço do anticristo ao longo do tempo… e deram muitos frutos contra o Reino!

As maledicências dos ímpios só não deram mais frutos porque o Senhor deseja que “todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tm 2,4). Justamente por que deseja a salvação de todos é que nos orienta a orar pelas pessoas que agem como víboras: os que “governam e por todos que ocupam altos cargos”. Talvez pela nossa oração, eles se convertam e então poderemos “levar uma vida tranquila e serena, com toda piedade e dignidade” (1 Tm 2,2).

Retrocedendo um pouco mais, veremos que os profetas também faziam o mesmo alerta do apóstolo: a maldade humana tende a se impor sobre as pessoas. Como o profeta Amós (8,4-7) condenando a atitude dos ricos, causando o sofrimento dos “pobres da terra”.

Na realidade todo o discurso do profeta é um alerta contra “vós que maltratais os humildes e causais a prostração dos pobres da terra” (Am 8,4).São eles que promovem muitas fraudes a fim de lesar os pobres e os humildes. Nem dormem direito esperando o dia amanhecer “para diminuir medidas, aumentar pesos, e adulterar balanças, dominar os pobres com dinheiro e os humildes com um par de sandálias”(Am 8,5-6).

Assim como o apóstolo, Amós faz um alerta, dizendo que por causa de sua ambição, de sua maldade, de sua ganância… “Por causa da soberba”, esses que geram o sofrimento do povo estão a caminho de serem apartados do Rebanho do Senhor. Pois assim “jurou o Senhor: ‘Nunca mais esquecerei o que eles fizeram’” (Am 8,7).

Portanto, não é de hoje que a situação se impõe. Não é só nos dias de hoje que os promotores da maldade tiram proveito da dor dos pequeninos. Mostra isso a ironia de Jesus elogiando os filhos das trevas (Lucas 16,1-13). Estes, “filhos do mundo”, em seus negócios escusos, são mais espertos que “os filhos da luz” (Lc 16,8) e por isso os enganam.

Em sintonia com o profeta Amós, Jesus confirma a desonestidade de muitos daqueles a quem cabe a gestão de bens e de atividades políticas: adulteram, trapaceiam, enganam a todos. Oferecem privilégios aos pobre em troca de favores pessoais. Mas não estão preocupados com o bem estar de ninguém além de si mesmos.Querem apenas tirar proveito das situações.

Bem o demonstra o Senhor Jesus, ao falar a respeito do administrador espertalhão. Ao ser desmascarado mostra sua verdadeira índole, sua predisposição para a maldade, sua capacidade para enganar. Incapaz de trabalhar honestamente, tenta ludibriar a todos e lesar o patrão: “O administrador então começou a refletir: ‘O senhor vai me tirar a administração. Que vou fazer? Para cavar, não tenho forças; de mendigar, tenho vergonha. Ah! Já sei o que fazer, para que alguém me receba em sua casa quando eu for afastado da administração’” (Lc 16,3-4). Sua preocupação era encontrar uma forma de “se dar bem” ao perder o emprego.

A postura honesta e em defesa da honestidade não é só uma coisa esperada, por imperativo ético. Do ponto de vista ético a honestidade faz parte do rol de virtudes a serem preservadas, defendidas e praticadas pelas pessoas. Entretanto, mais do que isso, a honestidade,para o cristão, é um principio de vida. Nisso consiste o ensinamento de Jesus: a fidelidade ao Reino é uma consequência da fidelidade aos princípios norteadores da vida. Isso é o que ensina Jesus ao dizer que: “Quem é fiel nas pequenas coisas também é fiel nas grandes, e quem é injusto nas pequenas também é injusto nas grandes” (Lc 16,10).

E isso nos leva ao comentário de Paulo, quando escreve ao companheiro Timóteo: cabe ao seguidor de Cristo usar sua fé para difundir os princípios do Reino: a paz é uma estratégia para a defesa da vida; a oração é um caminho para a paz. O problema é que as pessoas afastaram-se da paz, por isso deixaram de lado a oração. Portanto é urgente voltar ao caminho da oração. Não a oração pela qual se falam belas palavras ou se recitam fórmulas prontas, mas a oração que nasce das atitudes justas.

Em síntese:Tudo que não conduz à paz e à harmonia entre as pessoas não vem de Cristo. Só a adesão a Cristo e ao seu projeto de sociedade justa pode diminuir a violência: “Quero, portanto, que em todo lugar os homens façam a oração, erguendo mãos santas, sem ira e sem discussões” (1Tm 2,8).

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

sexta-feira, setembro 09, 2022

Prodígio do filho pródigo

(Reflexões baseadas em: Êxodo 32,7-11.13-14; 1 Tm 1,12-17; Lucas 15,1-32)




A respeito de Jesus podemos dizer muitas coisas, mas hoje nos basta dizer que foi um sábio e ensinou sua sabedoria.

Em que consiste essa sabedoria? Em desmascarar as armadilhas do inimigo e, ao mesmo tempo, evidenciar a predileção de Deus para com os pequeninos, marginalizados, excluídos.... Como ensinou esse saber? Mostrando aos discípulos o comportamento das pessoas.

Na narrativa dos dois filhos(Lucas 15,1-32), conhecida como parábola do filho pródigo, Jesus está diante de dois grupos de pessoas.

Um grupo é formado por publicanos e pecadores. Estes procuram-no para ouvir sua mensagem de vida, esperança e perdão. “Os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar (Lc 15,1). A estes falava de esperança, mostrando os caminhos do reino.

No outro temos fariseus e mestres da lei. Grupo que o persegue e critica, buscando falhas em sua prática ou discurso. Querem acusá-lo. “Os fariseus, porém, e os mestres da Lei criticavam Jesus. ‘Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles’ ” (Lc 15,1-2).

Aqueles que o querem acusar consideram-se perfeitos, santos, os preferidos de Deus. Consideram-se escolhidos por Deus e olham para os demais como perdidos, portadores de algum pecado imperdoável. Esses que se acham escolhidos consideram os outros como um grupo que não merece as graças divinas. E por isso os marginalizam!

Aqui é que se manifesta a sabedoria de Jesus, mostrando aos oponentes seu equivoco. Para isso a comparação da ovelha e da moeda perdidas (Lc 15,4-10). Mostra que Deus acolhe quem cumpre seus preceitos. Mas Ele vibra mesmo é quando aquele que se desviou, havia se perdido, estava ausente… volta para o aconchego. Mostra o contentamento do Senhor na alegria do pastor que recupera a ovelha: Ele a carrega nos braços e “chegando a casa, reúne os amigos e vizinhos: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida!’” (Lc 15,6). E da mulher que encontra sua moeda. Radiante de alegria “reúne as amigas e vizinhas, e diz: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a moeda que tinha perdido!” (Lc 15,9).

O grupo dos que perseguem Jesus apresentam o comportamento do antigo povo, recriminado pelo Senhor (Êxodo 32,7-11.13-14). Aquele grupo que abandona o Deus libertador para adorar “um bezerro de metal fundido”. Esses enganam ao povo. Em vez de mostrar a maravilhas da libertação, levam o povo a outras crenças, dizendo que essa escultura, esses deuses fabricados pela mão humana, teriam tirado o povo da escravidão: “Estes são os teus deuses, Israel, que te fizeram sair do Egito!” (Ex 32,8).

Esse povo, disseminador da mentira atraiu a ira divina. Lá no deserto Moisés intercedeu por ele. Em sua trajetória, Jesus mostrou-se como caminho redentor. Mas, nos dias atuais, o deus da mentira estende suas garras, disseminando ódio, armas e notícias falsas. Dizem falar ao povo em nome de Deus, mas o que fazem é disseminar a discórdia aumentado a pobreza. Seu deus de mentira produz divisão entre as pessoas.

Olhando para esses disseminadores do mal e da violência podemos entender a parábola dos dois filhos (Lc 15, 11-32). O que partiu, provocou dor. Sofreu e fez sofrer, mas voltou. Reconheceu que a casa do Pai é o melhor lugar. “Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome” (Lc 15,17). Por isso voltou e foi perdoado.

Mas o que ficou não deu valor a tudo que o Pai lhe oferecia cotidianamente. Este é o verdadeiro pecador: tendo tudo não reconhece os dons de Deus. Ofende-se com a graça divina concedida a outros. “Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua. E tu nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos” (Lc 15,29).

Mostrando essa ingratidão (nunca me deste um cabrito) o pai argumenta: você está sendo ingrato e não está dando valor ao que sempre te dei. “Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado”(Lc 15, 31-32).

O apóstolo Paulo age como o filho que partiu (1 Tm 1,12-17). Confessa-se pecador e reconhece Jesus como salvador: “Encontrei misericórdia, porque agia com a ignorância de quem não tem fé” (1 Tm 1,13). Ao encontrar Cristo, muda a perspectiva, reconhece: “Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores. E eu sou o primeiro deles!” ( 1 Tm 1,15).

Quanto a nós, resta saber: estamos no grupo dos disseminadores do mal, ao lado dos mestres da lei e fariseus; ou fazemos parte do grupo que pode até errar, mas quer ouvir o convite de Cristo. Somos como o filho que partiu e voltou arrependido ou somos o prodígio de um filho pródigo que não reconhece a graça recebida?







Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


sexta-feira, setembro 02, 2022

Conhecer os desígnios de Deus

(Reflexões baseadas em: Sabedoria 9,13-18; Filêmon 9b-10.12-17; Lucas 14,25-33)




O livro da Sabedoria (9,13-18) nos coloca diante desta indagação que é vital: “Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus?” Essa indagação nos leva a uma questão inversa: Quais os planos de Deus a nosso respeito? Em relação ao nosso futuro? O que Deus está planejando para nossa vida? E, em resposta a tudo isso, o que nós estamos planejando para responder aos desígnios do Senhor, a nosso respeito?

O fato é que não temos uma resposta! “Na verdade, os pensamentos dos mortais são tímidos e nossas reflexões incertas”,diz a Sabedoria (Sb 9,14).

Apesar disso e mesmo assim ao ser humano cabe manter-se numa atitude de busca pela vontade de Deus. Procurar em sua Palavra Santa pistas que apontem o caminho a respeito dos planos divinos. E isso é sabedoria, ou, pelo menos, nisso consiste o processo de busca. Aliás isso nos ensinaram todos os filósofos, ao longo da história.

Como pessoas situadas em seu tempo e em seu lugar social,os pensadores nos ensinaram que ao ser humano cabe a busca, não a posse da sabedoria. Além disso, é uma atitude sábia a de quem se mantém buscando, pois quem busca pode encontrar; enquanto aquele que se acomoda está condenado, não só à ignorância, mas também a caminhar às cegas, sem possibilidade de alcançar os desígnios divinos para melhor viver a vida.

E tudo isso por uma só razão: os desígnios do Senhor são dons da Sabedoria divina, concedidos àqueles que, pela gratuidade da Sabedoria, recebem o dom da salvação.

Assim voltamos à indagação: “Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus?” (Sb 9,13). A resposta vem da própria Sabedoria: somente aquele que recebe de Deus esse dom. “Acaso alguém teria conhecido o teu desígnio, sem que lhe desses Sabedoria e do alto lhe enviasses teu Santo Espírito?” (Sb 9,17).

O desejo de cumprir o plano de Deus levou o apóstolo Paulo a dedicar sua vida à pregação da mensagem de Jesus. Em razão disso teve muitas alegrias, mas também muito sofrimento e, devido à sua pregação, foi aprisionado. Mesmo assim não deixou de se fazer discípulo da vontade divina e se manteve na busca dos desígnios divinos.

É como prisioneiro que vamos encontrá-lo escrevendo ao amigo Filêmon (9b-10.12-17) enviando de volta Onésimo, seu companheiro de prisão. A sabedoria divina, concedida ao apóstolo lhe permitiu ver que ali estava não mais um escravo, mas um irmão. E na condição de irmão é que envia ao irmão Filêmon, um novo irmão, Onésimo.

O que permitiu a Paulo perceber um irmão, nesse companheiro de prisão? Não foi apenas sua conversão, mas o fato de perceber que sua conversão se deu por dom e vontade de Deus que usou essa situação para manifestar sua graça. Como a nos dizer que só a graça de Deus em nós nos permite ver nas pessoas que nos circundam a imagem de Deus, reconhecendo-os como irmãos na mesma caminhada.

Esse mesmo desígnio divino, a Sabedoria do Espírito, levou Paulo a explicar a Filêmon,a respeito de Onésimo: “Se ele te foi retirado por algum tempo, talvez seja para que o tenhas de volta para sempre, já não como escravo, mas, muito mais do que isso, como um irmão querido, muitíssimo querido para mim quanto mais ele o for para ti, tanto como pessoa humana quanto como irmão no Senhor (Fm 15-16)”.

Tendo isso presente e ouvindo as palavras do Mestre somos levados a dizer que mesmo seguindo Jesus as multidões não estavam entendendo o apelo dos desígnios de Deus (Lucas 14,25-33). Por que dizemos isso? Por causa das palavras de Jesus, afirmando a necessidade de desapego e de assumir a própria cruz.

Mas, que significa isso? Significa que as pessoas, de antigamente e de hoje, tendem a confiar mais nos seus parentes e amigos que em Deus. Que as pessoas, de antigamente e de hoje, pensam que seus problemas são insolúveis e os únicos que existem.Que as pessoas não confiam na providência divina e não se solidarizam com as dificuldades dos irmãos.

Ou seja, não é necessário ser indiferente aos familiares nem se fazer de vítima o tempo todo. É necessário entender que em todas as situações Deus sabe o que faz. A vontade de Deus não está na família, nos problemas, ou nos planos e sonhos mirabolantes que carregamos.

Os desígnios de Deus podem ser percebidos quando entregamos ao Espírito de Sabedoria a condução de nossa vida. “Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33).

Como conhecer os desígnios de Deus? Deixando que por seu Espírito de Vida, Jesus conduza nosso destino.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...