sábado, 28 de agosto de 2021

Lábios e coração impuros

(Reflexões sobre:Dt 4,1-2.6-8; Tg 1,17-18.21b-22.27; Mc 7,1-8.14-15.21-23




Pode parecer estranha a pergunta, mas em que consiste a justiça de uma lei?

A pergunta pode parecer estranha porque a maioria de nós tem a convicção de que as leis são justas. Entretanto, nem sempre o cumprimento de uma lei é prática de justiça, pois nem toda lei é justa.

Um exemplo? Aqui no Brasil, os legisladores criaram leis que permitem aos integrantes do legislativo, do judiciário e do executivo, acumular salários e gordas gratificações que, se fossem juntadas todas, daria para pagar o salário de vários milhares de trabalhadores. É uma lei, mas não é justa. Cumprir essa lei, não é prática de justiça! Leis que não elevam o ser humano, não são justas.

Então a indagação inicial não é sem fundamento: em que consiste a justiça de uma lei?

Moisés e o povo de Israel defrontaram-se com essa questão, conforme nos ensina o livro do Deuteronômio (Dt 4,1-2.6-8). No deserto o povo foi convidado a optar pelo seguimento do Senhor e a cumprir suas leis. O cumprimento dessa lei traria, não benefícios isolados a alguns privilegiados da sociedade, mas a toda a população: entrar e tomar “posse da terra prometida pelo Senhor” (Dt 4,1). Essa lei, beneficiando a todos, tem justiça, pois não é excludente nem se destina a poucos.

Para evitar distorções na lei, evitar que alguns espertalhões se apropriem daquilo que é de todos, o Senhor determina: “Nada acrescenteis, nada tireis, à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos” (Dt 4,2). Fazer o contrário disso, jé é prática injusta.

Guardar e cumprir a lei que beneficia a todos, é o princípio da justiça. Se for diferente, pode até ser uma determinação legalizada, mas não é justa. Guardar e cumprir essa lei, que atende às necessidade de todos, sem privilegiar os espertalhões, é demonstração de inteligencia e sabedoria. “Vós os guardareis, pois, e os poreis em prática, porque neles está vossa sabedoria e inteligência perante os povos” (Dt 4,6).

A conclusão lógica do que ensina a Palavra Divina é uma só: aceitar leis injustas não é inteligente. Não é sábio um povo que deixa seus governantes ou seus legisladores produzirem e imporem leis injustas. A inteligência mandas buscar a justiça e não a letra morta da lei, ensina Jesus (Mc 7,1-23). Portanto, quando nos mobilizarmos para que sejam criados e cumpridos princípios de justiça as nações dirão de nós: esse é um grande povo pois tem leis e decretos justos (Dt 4,8).

Neste momento de nossa história, assistimos os mais altos escalões do poder político disputarem o primeiro lugar na capacidade de agressão ao povo. Produzem leis, decretos, medidas provisórias e decisões judiciais que ofendem a nação. Aqueles que exercem o poder, o fazem não em benefício do povo, mas em favor dos próprio interesses. Sua postura é exatamente oposta àquilo que ensina o apóstolo Tiago ao dizer que “Todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do alto; descem do Pai das luzes” (Tg 1,17). E aqui também se impõe uma conclusão lógica: se as coisas boas nascem do Pai, quem produz coisas nefastas ao povo não representa a Deus, mas seu opositor.

“Com efeito, a religião pura e sem mancha diante de Deus Pai, é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 1,27). E não só a religião: também as ações sociais, políticas e econômicas…que promovem o ser humano… são ações sob inspiração divina. E, portanto, do outro lado, toda ação que faz o contrário disso não é ação divina, nem vem de Deus. Pelo contrário, é ação demoníaca! O Mal não vem de Deus! Mas do seu oposto!

Notemos que é diretamente para os líderes do povo que Jesus dirige estas palavras iluminadoras. Palavras que delimitam as posturas e expõe as intenções dos líderes do povo: “Jesus respondeu: 'Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: 'Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos'. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens” (Mc 7,6-8).

Mas atenção! Não só as lideranças políticas. Também os líderes que se dizem religiosos; que dizem falar em nome de Deus… mas falam em nome de outra divindade. Eles não servem ao Deus da vida, mas aos deuses do dinheiro, do poder, da glória.… E em nome desses deuses é que destilam ódio e convidam ao seguimento do anticristo. “Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem” (Mc 7,23), diz Jesus.

Então, que tal a gente começar a observar melhor? Que tal buscarmos a justiça e não a lei? Que tal fazermos uma revisão em nossos posicionamentos? Que tal revermos nossos valores e os valores daqueles a quem admiramos? Que tal olharmos e seguirmos melhor os passos de Jesus?… Que tal deixarmos de seguir essas leis e líderes que falam o nome de Deus com os lábios, mas que permanecem com ações e coração impuros?




Neri de Paula Carneiro

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