segunda-feira, 23 de agosto de 2021

A FILOSOFIA CLÁSSICA (II-a) Eu sei que nada sei?

Sabemos que a filosofia nasceu quando nasceu o ser humano, mas ela só recebeu status e relevância quando alguns personagens gregos colocaram alguns pontos de interrogação ao processo de interpretação da realidade e do mundo.

Esse grupo de pensadores é conhecido como “pré-socráticos”. Mas, como sempre, o dinamismo da história acionou a roda do mundo e surgiram novas temáticas e novas respostas. A natureza perdeu seu espaço para a sociedade e os pensadores passaram a se dedicar à busca de novas explicações agora não mais para a natureza, mas para a vida social, para a realidade humana.

Estamos num novo período: a filosofia clássica, ou período antropológico. Neste período, além da atuação dos sofistas, três nomes se destacam: Sócrates, Platão e Aristóteles.

Vejamos alguns comentários a respeito de Sócrates.



Sócrates: Eu sei que nada sei?


Poucos estudantes podem dizer que nunca ouviram ou leram o nome de Sócrates.

Junto com esse personagem nos chegam algumas informações a seu respeito: não se tem notícia de que tenha produzido algum escrito. A informações que temos a seu respeito chegaram a nós mediante seus discípulos, sendo Platão o que mais nos fornece informações a seu repeito, uma vez que o mestre é o principal personagem em seus diálogos.

Também nos vem de Platão a informação de que Sócrates teve inúmeros atritos com os sofistas. E sua morte, após um julgamento polêmico, ocorreu ao tomar um copo de cicuta.

Quem já ouviu falar em Sócrates, também ouviu: “só sei que nada sei”, “conhece-te a ti mesmo”, ironia socrática e maiêutica.

Também se diz que era um homem muito feio e que um certo viajante, teria dito que ele tinha a fisionomia tão feia que se parecia com um monstro capaz de realizar qualquer crime. Ao ouvir isso, a seu repeito, o filósofo teria respondido: “acertou em cheio, senhor”.

Possivelmente de sua rivalidade com os sofista foi que nasceu a acusação que lhe foi imputada: a de estar corrompendo a juventude de Atenas. Seus acusadores o levaram a julgamento e foi condenado à morte. Seus discípulos o incentivaram a fugir da cidade, mas ele alegou que em toda sua vida cumprira a lei e que não seria na morte que a descumpriria. Dito isso tomou a taça com sicuta, o veneno da condenação.

Qual era, então, sua atividade filosófica? Após se sentir interpelado pelo oráculo de Delfos dedicou-se a ela: livrar os homens de sua ignorância, conduzindo-os à verdade.

Portanto sua filosofia se fez ao redor dessa questão: O homem. Não o homem como algo distante, teórico, conceitual ou distinto do cotidiano, mas o homem que se insere no cotidiano com tantos afazeres que se esquece de olhar para si mesmo.

A professora Marilena Chauí, em sua obra “Convite à filosofia” afirma o seguinte: “Sócrates dedicou-se à filosofia depois de haver ido ao templo de Apolo Delfos e ter ouvido uma voz interior, o seu daímon, que o fez compreender que o oráculo inscrito na porta do templo – “conhece-te a ti mesmo” – era sua missão. Por ela abandonou toda atividade prática e viveu pobremente com sua mulher Xantipa e seu filhos. Foi descrito por todos os que o conheceram como alguém dedicado ao conhecimento de si e que provocava nos outros perguntas sobre si próprios”

Indagando-se a si mesmo e aos outros em busca do autoconhecimento constatou sua própria ignorância. E nos seus interlocutores percebeu que nenhum detinha real conhecimento de nada. Dai sua brilhante conclusão: Ninguém sabe nada, mas alguns acham que sabem muita coisa. Mas essa é uma postura tola, pois o princípio da sabedoria não é dizer ou pensar sabe tudo, mas perceber-se como alguém que nada sabe.

Daí, também, a argumentação a ele atribuída: ele pensa que sabe mas não sabe: é um tolo. Eu, que não sei, e sei que não sei, sou mais sábio que ele. Essa é a base da sabedoria: “Sei que nada sei”

Sócrates desenvolve sua filosofia empregando um método na forma do diálogo. Inicia com uma pergunta e Sócrates comenta as várias respostas, mostrando que são conceitos pré-formados, imagens sensoriais percebidas ou opiniões subjetivas e não a definição buscada. Esta primeira parte chama-se ironia (eiróneia), isto é, refutação, com a finalidade de quebrar a solidez aparente dos preconceitos.

A segunda parte do método socrático desenvolve-se a partir de perguntas direcionadas que vão sugerindo caminhos ao interlocutor até que este avance e chegue à definição procurada. Trata-se da maiêutica, isto é, a arte de realizar um parto, que, neste caso é um parto de ideias e da verdade.

Podemos reiterar, portanto que a ironia é um processo de enredamento pelo qual Sócrates conduz o interlocutor a se expor, expondo seus pontos de vista. E, ao expor esse ponto de vista, que na realidade é apenas uma opinião, Sócrates intensifica os questionamentos até que o interlocutor se perceba em sua ignorância a respeito do tema em questão.

A ironia é uma espécie de simulação, mas, em Sócrates, ela tem a finalidade de por a descoberto a vaidade, desmascarar a impostura e buscar a verdade. Ao produzir esse processo de desinstalação, a ironia socrática muitas vezes é vista como revolucionária, ameaçando as opiniões e valores consagrados; é vista como irreverente. Entretanto ela não tem a finalidade de desprezar os valores, mas de verificar até que ponto são autenticos.

A partir da ironia – demonstração de que o interlocutor não está no cainho da verdade, mas num equivoco – Sócrates redireciona as perguntas a fim de que o interlocutor encontre o caminho que conduz à verdade. Não lhe é apresentada a verdade, como algo pronto, mas um caminho a ser trilhado. É o processo da maiêutica.

Pelo caminho da maiêutica importa que o homem seja capaz não de repetir o que todos dizem, mas da dar a sua resposta; não a partir da opinião, mas limpa das impressões, opiniões, preconceitos. Ou seja, a partir da ironia, desmascara-se a mentira para abrir o caminho para a verdade, por meio de um parto de ideias.

Em síntese podemos dizer que Sócrates ensinava na praça de Atenas, dialogando com seus discípulos e interlocutores. Usava a ironia e a maiêutica como instrumentos metodológicos de busca da verdade.

Um de seus principais discípulos foi Platão.





Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação. Filósofo, Teólogo, Historiador



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