Reflexão a partir de: Ex 16,2-4.12-15; Ef 4,17.20-24; Jo 6,24-35
O que nos faz aderir ou recusar uma ideia ou um projeto social, religioso, político…? Por que defendemos isto ou aquilo e condenamos outras tantas coisas?
A resposta não poderia ser outra: nossos interesses! Aderimos ou recusamos algo se esse algo satisfaz, ou não, nossos interesses.
Podemos observar isso em nosso cotidiano e na vida das pessoas com as quais convivemos. Buscamos aquilo que nos interessa e recusamos o que não nos agrada, que foge ou que vai contra nossos interesses. Mas isso não ocorre somente entre nós. Também percebemos isso entre os filhos de Israel, no livro do Êxodo (Ex 16,2-4.12-15), da mesma forma que nas palavras de Jesus, narradas por João (Jo 6,24-35).
Em síntese: São os interesses que movem o mundo. E se quisermos emprestar as palavras de Jesus, podemos dizer que “onde está o teu tesouro, aí está o teu coração!” (Mt 6,21)
Mas se os interesses movem o mundo e as ações das pessoas, como entender as atitudes dos filhos de Israel? Compreensível que estivessem insatisfeitos com a servidão egípcia. Seu interesse, portanto, era a libertação. E por isso clamaram ao Senhor que os libertou. Mas agora livres, no deserto, estão insatisfeitos! Reclamam da alimentação e sentem saudades do que deixaram no Egito! E, novamente, clamam ao Senhor, no seu “murmurar contra Moisés e Aarão, no deserto” (Ex 16,2).
Algo semelhante percebemos nas palavras de Jesus, ao interpelar as pessoas que o procuravam. “Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos” (Jo 6,26).
Com isso Jesus afirma que a cena da multiplicação dos pães não foi só um sinal-milagre, mas uma ação social; ao mesmo tempo mostra qual grupo social o procura: os mais pobres; aqueles que nada possuem para comer; aqueles que seguem Jesus porque ele age estimulando as pessoas a se envolvam no processo da partilha. Ou seja, o milagre de Jesus não foi gerar pão, a partir do nada, mas consistiu em criar as condições para a partilha do que já existia entre as pessoas. E hoje a situação é a mesma: Já existe alimento, para todos, e com sobras. Não falta alimento, o que falta é partilha.
Temos, então a seguinte situação: o fenômeno da partilha decorre da boa vontade ou dos interesses das pessoas. Ela pode ocorrer se as pessoas desenvolverem esse interesse: se estiverem interessadas em ser solidárias. Diante disso Jesus interpela quem o procura, chamando a atenção para uma correção de rumos. Primeiro mostra que a partilha é fundamental; que é um sinal do Reino; além disso diferencia aqueles que são seus seguidores (os que sabem partilhar) e aqueles que dificultam a prosperidade de Reino e acumulam de forma excessiva. Por isso a verdade desta afirmação: o que falta para muitos é o que sobra entre alguns.
Só que Jesus dá um passo a mais. Mostra que, na ótica do Reino, o ponto de chegada não é o pão cotidiano, mas o Reino daí a importância de aderir àquilo que conduz à vida eterna. Demonstra que o acesso ao reino e a vida eterna passam pela partilha, mas a partilha é caminho ou um meio para se chagar ao Pai. A partilha é sinal de que houve compreensão dos caminhos do Reino. “Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do homem vos dará” (Jo 6,27).
Os interlocutores de Jesus entenderam seu apelo e pediram: “Senhor, dá-nos sempre desse pão” (Jo 6,34). E Jesus esclarece, afirmando que ele é o pão eterno. Mostra também, com o gesto da partilha, que o pão eterno, aquele que alimenta para a vida definitiva, nasce e se desenvolve na mesma proporção em que ocorre partilha. Quanto mais cresce a sociedade sem excluídos, mais próximos estamos do Reino definitivo. Jesus explica o motivo: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede” (Jo 6,35).
E se isso vale para a multidão que procurava por Jesus, a fim de ser saciada, vale também para os filhos de Israel, reclamando no deserto. E para nós, em nosso cotidiano!
E para nós, talvez aqui esteja a grande lição: é necessário reclamar contra a situação na qual se está sofrendo, pois nosso interesse é a felicidade. Mas, também é necessário o esforço pessoal e social, para superar essa situação. Quando as forças pessoais e do grupo são insuficientes, a ajuda não vem da lamentação; não vem daqueles que se prostram na reclamações; não vem dos que se acomodam na miséria; não vem das promessas politiqueiras em tempo de eleição… a força e as soluções nascem da confiança no Senhor e da organização popular!
Daí a necessidade de nos lembrarmos: Deus não fará por nós aquilo para o quê nos deu forças de realizar. Dessa forma podemos entender a afirmação de Paulo aos Efésios, dizendo ser necessário renunciar à existência passada e concentrarmo-nos num novo centro de interesses. “Despojai-vos do homem velho, que se corrompe sob o efeito das paixões enganadoras, e renovai o vosso espírito e a vossa mentalidade. Revesti o homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4,22-24).
E isso nos leva à indagação que deriva da proposta de Jesus. Isso nos leva a nos indagarmos sobre qual alimento queremos para nortear nossa vida: o que se perde ou o que permanece?
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;
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