Nem sempre nos damos conta disso, mas a história e a geografia são importantes luzeiros para nos ajudar a entender fenômenos sociais. E também para nos ajudar a entender o desenvolvimento do saber. Vamos procurar entender o desenvolvimento da filosofia levando isso em consideração.
O Ambiente grego
A realidade humana não é determinada, mas fruto de circunstâncias e atitudes humanas inseridas num ambiente específico. Assim nasceu o que podemos chamar de filosofia grega.
Aquilo que hoje chamamos de Grécia, no início era apenas um conjunto de ilhas e cidades-estado independentes entre si. Por vezes relacionando-se amistosamente outras vezes guerreando entre si. Mas, também mantinham em comum alguns elementos culturais. Um desses traços comuns era a língua e o panteão (conjunto de deuses) mítico
Em função de seu relevo, distingue-se a Grécia continental, a região insular e as colonias gregas. E tanto nas ilhas como no continente desenvolveram-se as cidades-estado; muitas dessas cidades, em virtude da exiguidade territorial formaram colônias no litoral do mar Egeu, e Mediterrâneo o que formava a Magna Grécia.
Essas colônias tiveram importância fundamental no desenvolvimento da filosofia grega. Devido à intensa movimentação comercial desenvolveu-se profunda interação cultural e mútuas influências, formando o mundo grego.
Essa interação cultural possibilitou comparações entre os diferentes grupos envolvidos no processo. E isso gerou a pergunta: Se estamos falando sempre do mesmo mundo e das mesmas realidade, por que tantas respostas diferentes para explicar a mesma realidade? Onde está a verdade?
Aqui, entretanto, cabe uma observação: Embora o período áureo da filosofia tenha se concentrado em Atenas, os primeiros filósofos são originários das colônias. Por exemplo, Tales é da cidade de Mileto, Pitágoras é de Samos, Demócrito é de Abdera, Aristóteles é de Estagira.
Não se pense, entretanto, que as explicações míticas foram abandonadas da noite para ao dia. Pelo contrário. Houve um longo processo de transição pelo qual as explicações míticas foram sendo postas em cheque, enquanto se buscavam novos conhecimentos.
Períodos filosóficos
Atualmente é dada pouca ênfase à periodização da história. Valoriza-se a afirmação de que toda a história é um só encadeamento de fatos. Esse mesmo princípio vale para a filosofia. Mesmo assim, apenas para facilitar a situação temporal, com finalidade puramente ilustrativa, pode-se dizer que a história da filosofia pode ser estudada em seis etapas ou períodos:
Pré-Socráticos: O inicio, nas colônias gregas;
Período Clássico: Atuação de Sócrates, Platão e Aristóteles;
Período Helênico: Depois de Aristóteles até o inicio da Idade Média;
Período Medieval: Toda a Idade Média;
Período Moderno: Do Renascimento até a Revolução Francesa;
Período Contemporâneo: Da Revolução Francesa até nossos dias.
Em seu nascimento, a filosofia grega tinha um objetivo: explicar racional e coerentemente o mundo. Com o transcorrer dos anos esse objetivo foi se aprimorando e novas temáticas foram sendo incorporadas à reflexão filosófica. Hoje podemos estudar a história da filosofia tanto pela sua evolução cronológica como pelas abordagens temáticas.
E mais ainda: a história da filosofia não se faz da mesma forma que a história geral da humanidade. A história da Filosofia é a história de como e porque o pensamento filosófico assumiu determinadas característica, em cada época.
Na realidade a história da filosofia também é um exercício filosófico.
Os filósofos da Natureza
O primeiro grupo de pensadores dos quais temos notícias foram os que realizaram a transição das explicações míticas para a explicação filosófica.
Esses pensadores queriam entender e explicar a mecânica e as origens do mundo. São conhecidos como pré-socráticos ou filósofos da natureza.
Isso significa que se fosse feita uma pergunta sobre o tema central desenvolvido por esses primeiros pensadores veremos que se ocuparam em explicar de que se constitui a natureza, o mundo.
Infelizmente pouco restou de seus estudos, na forma escrita. O que nos restam são fragmentos ou o que dizem deles os que os sucederam. Notemos que aqui já temos uma questão para a história da filosofia: Por que pré-socráticos? Porque filósofos da natureza? Por que os autores se referem a esses pensadores de diferentes formas? Se pouco restou desses escritos, como saber que efetivamente são importantes?
A importância dos pré-socráticos não está no fato de terem dado o pontapé inicial para a filosofia grega, mas porque seus sucessores nos remetem a eles e às suas intuições e descobertas. Aristóteles e Platão frequentemente os mencionam para reforçar suas afirmações.
Nossa experiência cotidiana nos mostra isso: quando precisamos de ajuda buscamos quem tem condições de nos socorrer. Assim também no universo do saber. Daí a referência aos pré-socráticos, uma vez que colocaram questões que ainda hoje são pertinentes.
No livro: “O mundo de Sofia”, J Gaarder, faz o seguinte comentário a respeito da filosofia dos pré-socráticos: “Acima de tudo, procuravam compreender os processos da natureza através da observação da própria natureza. Isso é completamente diferente da explicação do relâmpago e do trovão, do Inverno e da Primavera, por meio da referência aos acontecimentos no mundo dos deuses. Desta forma, a filosofia libertou-se da religião. Podemos afirmar que os filósofos da natureza deram os primeiros passos em direção a um modo de pensar “científico”. Assim, abriram caminho a toda a posterior ciência da natureza .
Por que pré-socráticos?
Essa denominação pode nos conduzir a equivoco, pois não se refere, exclusivamente, a um grupo anterior a Sócrates (470-399aC). Alguns inclusive foram seus contemporâneos, como Leucipo e Demócrito (460-370aC).
Inicialmente pode-se dizer que essa é uma distinção didática. Serve como elemento diferenciador de um grupo de pensadores para outro grupo.
São, também, chamados de pré-socráticos porque dedicam-se a uma temática diferente daquela inaugurada por Sócrates e Platão.
Os pré socráticos queriam entender os mecanismos da natureza, ao passo que Sócrates voltou-se para a compreensão do ser humano, seus comportamentos em sociedade. Daí que os pré-socráticos também são chamados e filósofos da natureza enquanto Sócrates e seus sucessores são vistos como penadores do período antropológico (ocupam-se com o ser humano)
Outra vez podemos nos valer das palavras de J Gaarder, no livro “O mundo de Sofia”, dizendo que:
“Era comum entre os primeiros filósofos acreditarem que havia um elemento primordial responsável por todas as transformações. A forma como teriam chegado a este pensamento não é clara. Sabemos apenas que ele surgiu da concepção, segundo a qual, teria de haver um elemento primordial, que daria origem a todas as transformações da natureza.
[…]
Podemos constatar que se questionavam sobre a forma como aconteciam certas transformações na natureza. Procuravam descobrir algumas leis naturais eternas. Desejavam compreender os fenômenos da natureza, sem recorrer aos mitos tradicionais.”
Em síntese, podemos dizer que a temática dos filósofos deste período era a natureza, procurando entender como e porque ela apresenta esse e não outro processo; como e porque ocorrem os diferentes fenômenos. Temática esta que permanecerá até o período socrático, quando os temas se voltarão para o homem e a vida em sociedade.
As escolas
A não ser com algumas exceções, não temos mais acesso ao que escreveram os pré-socráticos. Por esse motivo somente os conhecemos porque foram mencionados pelos seus sucessores, que comentaram seus ensinamentos; ou mediante algumas fragmentos do que disseram.
Alguns autores agrupam os vários pensadores desse período a partir de sua localidade de atuação. Esses grupos são chamados de Escolas.
Temos assim uma Escola Jônica, referindo-se aos pensadores que viveram nessa região. Quase todos na cidade de Mileto. Assim temos: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Heráclito de Éfeso.
Outra é a escola Pitagórica ou escola Itálica, de onde vieram alguns de seus representantes: Pitágoras de Samos, Alcmeão de Crotona, Filolau de Crotona e Arquitas de Tarento.
Podemos mencionar, também a Escola Eleata. Alguns de seus representantes: Xenófanes de Colofão, Parmênides de Eléia, Zenão de Eléia e Melissos de Samos.
Fala-se, também, de uma Escola da Pluralidade, com diferentes posturas e direcionamentos de investigação. Entre seus representantes encontramos nomes com: Leucipo e Demócrito de Abdera, Empédocles de Agrigento e Anaxágoras de Clazómena.
Os pré-socráticos: Alguns representantes
Numa visão introdutória é impossível analisar todos os pensadores deste período. Vejamos apenas alguns deles conforme alguns fragmentos transcritos Gerd A. Bornheim, no livro “Os filósofos pré-socráticos”
Tales de Mileto
O que sabemos de Tales vem de Aristóteles e mais alguns pensadores gregos e latinos posteriores. Aristóteles assim se refere a Tales:
“Outros julgavam que a terra repousa sobre a água. Esta é a mais antiga doutrina por nós conhecida e teria sido defendida por Tales de Mileto. A maior parte dos filósofos antigos concebia somente princípios materiais como origem de todas as coisas. (...). Tales, o criador de semelhante filosofia, diz que a água é o princípio de todas as coisas.”
Na matemática é conhecido o Teorema de Tales, que teria sido desenvolvido quando de uma sua visita ao Egito.
Heráclito de Éfeso
Heráclito de Éfeso é talvez um dos mais importantes pré-socráticos. Uma de suas mais impressionantes conclusões é a afirmação do “devir” para dizer que tudo muda.
Partindo disso podemos dizer que em Heráclito repousam as raízes da dialética. Sua intuição do movimento lhe permite isso. “O frio torna-se quente, o quente frio, o úmido seco e o seco úmido”; ou então, num outro fragmento: “tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia”. Todas as realidades, portanto, estão em guerra constante com seu oposto, para produzir algo diferente. “A guerra é o pai de todas as coisas e de todas o rei; de uns faz deuses, de outros homens; de uns escravos, de outros homens livres”. E talvez a mais famosa de suas afirmações “Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”. E isso porque “para os que entram nos mesmos rios, correm outras águas”.
Parmênides
Da mesma forma que temos poucas informações a respeito da maioria dos pré-socráticos, sobre Parmênides não é diferente, entretanto é possível situá-lo, em plena atividade, por volta do ano 500 aC.
Enquanto Heráclito afirma a constância do movimento, Parmênides afirma a imutabilidade do Ser. Além disso, enquanto seus predecessores escreveram em prosa, Parmênides escreveu em verso. Em seu poema “Sobre a Natureza” podemos ler: “E agora vou falar; e tu, escuta as minhas palavras e guarda-as bem, pois vou dizer-te dos únicos caminhos de investigação cabíveis: o primeiro (diz) que (o ser) é e que o não ser não é; este é o caminho da convicção, pois conduz à verdade. O segundo, que não é, é que o não-ser é necessário; esta via, digo-te é imperscrutável; pois não podes conhecer aquilo que não é – isto é impossível – nem expressá-lo em palavra.”.
Dessa argumentação, brotam dois princípios lógicos: o da identidade e o da não contradição. Afirma a identidade do ser: "Necessário é dizer e pensar que só o ser é; pois o ser é, e o nada, ao contrário, nada é". Os seus princípios lógicos foram, mais tarde, sistematizados por Aristóteles, no seu Órganon.
Pitágoras
Também a respeito de Pitágoras pouco sabemos. Sabe-se que por volta de 540 aC estava no auge de sua produção intelectual e teria nascido na ilha de Samos.
Para a escola pitagórica o princípio das coisas são os Números. Daí as importantes contribuições na matemática e geometria. Exemplo disso é o conhecido teorema, afirmando que a “soma do quadrado dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa”.
O grande problema em se estudar Pitágoras é que dos seus escritos nada sobraram. Portanto possuímos apenas referências indiretas feitas por comentadores posteriores. É o caso, por exemplo, de Aristóteles que usa a expressão “os pitagóricos”, referindo-se à escola ligada ao nome de Pitágoras. E para os pitagóricos o principio de todas as coisas são os números. Diz Aristóteles:
“Os assim chamados pitagóricos, tendo-se dedicado às matemáticas, foram os primeiros a fazê-la progredir. Dominando-as chegaram à convicção de que o princípio das matemáticas é o princípio de todas as coisas.”
Demócrito
Este pensador viveu no período de 460-370 aC, foi contemporâneo de Sócrates. Como vários dos demais pré-socráticos, seus escritos se perderam, tendo sobrado apenas alguns fragmentos. É o mais representativo da escola Atomista e, de acordo com muitos historiadores, foi o criador dessa teoria.
Para os atomistas o mundo é composto de partículas indivisíveis, os átomos, que se misturam ao acaso, dando origem a cada uma das realidades. Na teoria dos atomistas todas as realidades são constituídas a partir dos diferentes átomos que se juntam ou se separam. E assim tudo se constitui de átomos.
Neste ponto podemos indagar: Nos dias atuais, com base nas conclusões da física moderna e nos super microscópios, essa teoria se confirma ou não? Por quê? De que se constituem os átomos, segundo a física moderna? Se é verdade que as elementos internos dos átomos se movimentam ao redor do núcleo, isso significa que no interior dos átomos há espaço vazio?
Em síntese
Partindo de tudo isso podemos dizer que cada um dos pré-socráticos deu sua contribuição para o desenvolvimento humano. Colocou algumas pedras no degrau do saber. Hoje seu pensamento pode nos parecer ultrapassado ou coisa corriqueira. Entretanto, não importa como os vejamos, ultrapassado ou simplórios, o fato é que muito do que temos e sabemos começou a ser ensinado por esses pensadores. Seu mérito é, em tempos remotíssimos, ter dado o pontapé inicial.