domingo, junho 28, 2020

Não somente a mim

Estamos celebrando a solenidade de São Pedro e São Paulo. Para tanto, a Igreja nos propõe refletir Atos dos Apóstolos 12,1-11; 2 Timóteo 4,6-8.17-18; Mateus 16,13-19.

Mas o que tem de especial nesta festa, que vai muito além dos festejos juninos?

Tem dois personagens que, podemos dizer, foram “escolhidos a dedo” por Jesus.

O primeiro, Pedro, a pedra que se tornou fundamental para a Igreja. Pedro o homem da iniciativa. Aquele que sem pensar muito sabia, pois era guiado pela fé, que Jesus era muito mais que só o mestre. Ele era “o Messias, o Filho do Deus vivo" (Mt 16,16).

Pedro é esse personagem que, aprisionado por Herodes, não entra em desespero. Mesmo sabendo que outros irmãos já haviam sido mortos a mando do rei (12,2). Preso, com risco de ser executado no dia seguinte, “Pedro dormia entre dois soldados, preso com duas correntes” (At 12,6).

A serenidade de Pedro contrasta com o comportamento da maioria de nós. Em uma situação extrema, como no caso do apóstolo, a maioria de nós entraria em desespero. Ele se mantém sereno, pois sabe que em razão de seus méritos e da oração da Igreja (At 12,5), o Senhor não o abandonaria. E o anjo libertador vem para colocá-lo em pé: “Levanta-te depressa!” (At. 12, 7); para o revestir: "Coloca o cinto e calça tuas sandálias!" e para clocá-lo a caminho: "Põe tua capa e vem comigo!"( At 12, 8).

Pedro sabe que o Senhor não o abandona, mas também sabe que a liberdade não é um milagre espontâneo. Sabe que é um processo que depende de uma resposta sua. Deus o liberta, mas é ele que precisa se por a caminho. A superação da dificuldade depende, sim da oração e do apoio do Senhor, mas é resultado da ação humana. Deus não realiza milagre contra a ou independentemente da vontade humana, pelo contrário, Ele vem para responder ao ser humano.

O outro personagem, desta celebração é Paulo. Aquele que, sem medo de não ser modesto, é capaz de afirmar: “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé.” (2 Tm 4,7).

Paulo deve ter sido um personagem admirável. Entre outras coisas pela sua dedicação apaixonada a Jesus. A considerar pelo vigor dos seus escritos, deve ter sido um pregador incansável e que cativava pelos seus discursos.

Podemos, inclusive, dizer que, junto com Pedro, Paulo é cofundador da Igreja, em sua ampliação para o mundo. O ardor missionário de Paulo foi o que plantou a semente da Igreja ramificada pelo mundo

Mas Paulo também passou por dificuldades e, nem por isso perdeu a esperança. Pelo contrário, sabia-se amparado pelo Senhor. Tinha certeza de que em suas dores o Senhor: “esteve a meu lado e me deu forças” (2 Tm 4,17).

Paulo, também prisioneiro, sabe que está em risco de vida: “estou para ser derramado em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida” (2 Tm 4,6). Mesmo assim, não perde o ardor missionário: continua a obra missionária por meio das cartas e afirmando que a vitória sobre as dores está reservada “não somente a mim, mas também a todos que esperam com amor” (2 Tm 4,8).

A mensagem paulina, portanto, além de ser otimista, é uma demonstração de que, apesar das dificuldades, existe a possibilidade da superação. Ele nos ensina que a superação das dores não é um dom gratuito. Pelo contrário, depende do engajamento, da ação; depende daquilo que nós realizamos. A superação dos sofrimentos é consequência daquilo que fazemos para o superar. E, mais uma vez, a graça de Deus vem como resposta ao nosso esforço. Àquele que se esforça, dedica-se à causa do reino, pode dizer, como Paulo que “Agora está reservada para mim a coroa da justiça” (2 Tm 4,8).

Por que é necessário esse engajamento, por parte do cristão?

Para participar do processo de instalação do reino de paz e justiça. É a ação do cristão que realiza, que atualiza e faz acontecer as transformações necessárias ao mundo corrompido. A ação do cristão não se resume à oração para que o mundo seja melhor. A ação do cristão supõe, ao lado e como consequência da oração, a ação.

Sem a ação do cristão o mundo continuará sem conhecer Jesus (e consequentemente, sem saber realizar as obras cristãs) e se não o conhecem, dirão, a respeito de Jesus aquilo que disseram os que com Ele conviveram: "Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas" (Mt 16,14). Dirão isso e muito mais, sem realmente conhecê-lo.

Ao cristão é que cabe esse anúncio. Esse esclarecimento. Se o cristão não o disser e não o demonstrar, o mundo continuará sem saber quem é e como realizar as obras de Jesus. As obras de salvação, as obras de transformação. Isso implica dizer que se o cristão não apresentar Jesus ao mundo, o mundo não o conhecerá.

Essa é a função da chave, “dada” a Pedro (Mt 16,19). A “chave do céu” é entregue a Pedro, porque ele passa a simbolizar a Igreja, que são os cristãos que reconhecem em Jesus o Messias. Mas não se trata de conhecer, por saber quem é Ele, mas em agir como Ele ensinou. Se o cristão não age como Ele ensinou, é porque ainda não O conhece, mesmo que frequente a casa de oração ou a comunidade.

O poder a chave é da Igreja, do povo de Deus. É o povo de Deus, ao realizar as obras do Senhor, que pode ligar a terra e o céu. Por isso a afirmação paulina: “não somente a mim, mas também a todos que esperam com amor” (2 Tm 4,8). Por isso, a pergunta de Jesus, continua sendo dirigida a nós: "E vós, quem dizeis que eu sou?"

Neri de Paula Carneiro

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