sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Se ele te ouvir

O trecho do evangelho, segundo Mateus (Mt 18,15-20), que a Igreja nos propõe à reflexão, neste vigésimo terceiro domingo do tempo comum, nos traz uma frase frequentemente repetida por muitos de nós: “onde dois ou três estiverem reuni, quedos em meu nome eu estou ali, no meio deles” (Mt 18,20).

Entretanto, seria interessante situá-la, não só na liturgia, mas principalmente no contexto em que Jesus a profere. Jesus e seus discípulos não estão em clima ou numa situação de oração, como normalmente a frase é invocada, mas num contexto de orientação e de missão.

Jesus está oferecendo orientações de procedimentos em relação aos irmãos. E essas orientações, evidentemente, são destinadas a todos os cristãos, mas de maneira muito especial elas são dirigidas àquelas pessoas que desempenham alguma função de condução da comunidade, como era o caso dos discípulos a quem coube a condução da Igreja recém nascida e que estava em gestação na caminhada de Jesus e seus seguidores.

É como se estivéssemos numa escola, e a atitude de Jesus, em todo esse capítulo 18 é a postura do professor que está fazendo uma revisão da matéria para preparar os alunos para a prova. Mostra a importância dos pequenos (Mt 18 1-11); mostra como é importante resgatar os que estão pedidos (Mt 18, 12-14) e a importância do perdão (Mt 18 21-35). E a perícope que a liturgia nos propõe hoje (Mt 18,15-20) trata da postura em relação àquela pessoa que, na comunidade está agindo de forma desarmoniosa.

A pessoa ou o grupo que está em desarmonia com a comunidade deve ser “chamado a atenção” ou “corrigido” (Mt 18,15). Por quê? Porque essa situação de desarmonia quebra o clima de Igreja. Quebra a ligação com o céu. Por isso primeiro uma pessoa, depois duas ou três, e depois a própria comunidade deve ser convocada para reconduzir não só o que está fora dos trilhos, mas para que todos se reconduzam à harmonia.

Deve-se notar, também, que há uma espécie de paralelo entre a proposta dos versículos: a situação de desarmonia que está no versículo 15 tem seu paralelo no versículo 18 com a possibilidade de ligar ou desligar ao céu, restaurando a harmonia. O versículo 16, mencionando os dois desarmoniosos, deve ser lido em paralelo ao versículo 19 onde aparecem os dois em harmonia. E o versículo 17, com o julgamento da Igreja, deve ser lido em relação ao versículo 20 no qual aparece o resultado da harmonia que possibilita a presença de Deus. A harmonia entre as pessoa é um clima de Igreja e nesse ambiente eclesial Deus se faz presente. Havendo harmonia, entre dois ou três, manifesta-se a presença de Deus.

Essa mesma preocupação com a harmonia, ensinada por Jesus, já havia sido proposta por Ezequiel (33,7-9), ao dizer que o “filho do homem” (Ez 33,7) deve ser vigia e porta-voz de Deus. Afirma o profeta que o “filho do homem” recebe a função de alertar o ímpio a fim de que se converta e não morra.

Os alertas, o convite à harmonia, é a proposta dos mandamentos. Os mandamentos que deixam de ser inúmeros para serem apenas um: o amor, como ensina Paulo(Rm 13,8-10), retomando as palavras de Jesus. O amor, portanto, é a manifestação da harmonia; o amor é a advertência do profeta. Por amor é que Jesus ensina o valor daqueles que são capazes de convidar o interlocutor a retornar à harmonia: Consigo, com os outros e com o céu. E se esse interlocutor "te ouvir", diz o Senhor, (Mt 18,20) a harmonia será restituida onde há divisão.

Mas a proposta de Jesus vai além. Deseja que todos sejamos capazes não só de ouvir a proposta divina, mas principalmente que sejamos promotores da restauração dos elos partidos. E onde existem elos partidos esse é o clima e ambiente para a ação da boa palavra. E se alguém ouvir as boas palavras estará em condições de fazer com que os elos se reatem, pois, certamente, alguém "ouviu". E, então, restaura-se a harmonia;  e, então, poderemos dizer, sem sombra de dúvidas, que aí está Jesus.




Neri de Paula Carneiro

sábado, 29 de agosto de 2020

Em troca de sua vida

“Que poderá alguém dar em troca de sua vida?” (Mt 16,26) A pergunta de Jesus pode ser um norte para nossa vida. Afinal, o que vale a nossa vida? Qual o preço de uma vida?

A liturgia deste vigésimo segundo domingo do tempo comum está nos propondo refletir o sentido da vida. E uma resposta para essa indagação que fundamenta a vida não sai das palavras que podemos proferir, mas do rumo que empreendemos à nossa existência. De uma forma mais poética: o sentido da vida pode ser expresso nos passos que direcionam nosso caminhar.

Essa indagação é tão fundamental para a condução da vida que Paulo, dirigindo-se aos romanos (Rm 12, 1-2), os convida a redimensionar a vida: “eu vos exorto” (Rm 12,1), dia o apóstolo.

Exorta a quê?, poderíamos perguntar. A se oferecer a Deus, nos responde o apóstolo: “a vos oferecerdes em sacrifício vivo”. Só lembrando que sacrifício não é um ato ou situação de sofrimento, mas de entrega a Deus. O sacrifício vivo é, portanto, a entrega total a Deus,

Por que o apóstolo faz essa exortação? O raciocínio é simples: o apóstolo orienta a comunidade porque a comunidade de Roma não está se comportando em consonância com o plano de Deus, como seria de se esperar dos seguidores do Cristo, como ensinam os livros sagrados e os evangelhos. Por isso a exortação, ou seja, a orientação do apóstolo à comunidade dos romanos – e a nossa também: “Não vos conformeis com o mundo” (Rm 12,2). E aqui vale o mesmo princípio. Se a orientação é para não se conformar com o mundo é porque a comunidade está conformada. Então, em quê consiste esse “conformar”.

Inicialmente pode-se entender como aceitação. Uma pessoa que está triste por ter perdido algo, ao se conformar, aceita essa perda. Mas, parece que a intenção do apóstolo vai um pouco além: conformar, pode ser entendido, também, como entrar na forma, no jeito de ser. Assim, “não se conformar com o mundo” significa não deixar que o mundo direcione nossa vida. Conformar-se nada mais é do que viver não mais com os valores cristãos, mas com os valores do mundo. E isso não é para acontecer, diz o apóstolo. O cristão, portanto, não se deve deixar dominar pelo mundo, mas ser sinal para o mundo.

Dessa forma, também, não se conformar, ou seja, não se deixar levar pelos valores do mundo, significa, segundo Paulo, transformar-se e renovar-se. “Transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e de julgar” (Rm 12,2). Mas isso com que finalidade? Com a finalidade de “distinguir o que é da vontade de Deus, isto é, o que é bom” (Rm 12,2). Isso significa que o apóstolo sabe que a comunidade sediada em Roma – e hoje também a nossa comunidade – não está seguindo a vontade de Deus; não está fazendo o que é bom; não está fazendo o que lhe agrada e é perfeito… por não estarem fazendo nada disso é que o apóstolo os exorta – e também a nós – a fazer essas coisas. Se já estivessem fazendo isso, não haveria necessidade dessas orientações. Eis, portanto, um sentido para a vida: encontrar a “vontade de Deus”, realizar “o que é bom”.

A busca pelo sentido da vida e do viver, pode ser notada na curva da vida, em Jeremias (20,7-9). O que vemos acontecer com o profeta, seguidamente ocorre conosco, frente as dificuldades. A tendência, para quase todos nós, é nos abatermos; fraquejarmos diante das adversidades. É a postura de Jeremias (20,7-9). Num primeiro momento a euforia: “Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir! Foste mais forte” (Jr 20,7). Mas, em seguida, vem a recaída diante das dificuldades: “A palavra de Deus tornou-se para mim vergonha e gozação” (Jr 20;8) e por esse motivo, diz o profeta, “nunca mais hei de lembrá-lo, não falo mais em seu nome!” (Jr 20,9).

Mas essa postura de afastamento, de descompromisso, não dura muito, pois o fogo da Palavra mobiliza e o profeta reconsidera sua atitude. “Parecia haver um fogo a queimar-me por dentro, fechado nos meus ossos. Tentei aguentar, não fui capaz.” (Jr 20,9). Ele sabe que só no Senhor está a paz e o bem. No Senhor está o sentido da vida.

Por fim, ninguém melhor do que Jesus para, não só dizer, mas mostrar o sentido da vida. Jesus demonstra que para entender o sentido da vida, é necessário entender o sentido da dor. Por isso ele deve “ir à Jerusalém e sofrer muito” (Mt 16,21). Mas Pedro não entende isso, e se contrapõe ao plano do Mestre. “Deus não permita tal coisa” (Mt 16,22).

Pedro ainda não havia entendido que o sentido da vida é a entrega. Por estranho ou paradoxal que possa parecer, Jesus afirma – e demonstra com sua entrega – que as coisas dos homens não são coisas de Deus (Mt 16,23); que a renúncia de si é condição para o seguimento (Mt 16,24). Mostra que para ocorrer a salvação da vida é necessário entregá-la (Mt 16,25). Mostra que o mundo vale menos que a vida (Mt 16,26) e, finalmente, assegura que a entrada no Reino depende da conduta de cada um, e em seu retorno glorioso “retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta.” (Mt 16,27).

Aqui está o sentido da pergunta: Que é necessário para ganhar a vida gloriosa? O que “dar em troca de sua vida?” (Mt 16,26). É necessário dar a vida! A vida gloriosa é o sentido desta vida.




Neri de Paula Carneiro

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

E vós?

O Senhor cobra um posicionamento daqueles que o cercam, que dizem ter fé, que são seus anunciadores, que são seus emissários. Daqueles que se dizem cristãos, que frequentam os templos e recitam orações. A esses, a nós todos, o Senhor faz a pergunta decisiva: “quem Sou Eu, para você?”

Refletindo sobre as leituras que a liturgia deste vigésimo primeiro domingo do tempo comum nos propõe, somos apresentados a este questionamento. E se o questionamento nos é feito, de nosso lado somos convidados a dar uma resposta. Da mesma forma que o Senhor nos questiona, cabe também a nós colocarmo-nos diante da pergunta: “quem é Deus, para mim?”

Fazendo uma leitura atenta da profecia de Isaías (22,19-23), notaremos que o Senhor está descontente com o ministro Sobna, administrador do palácio real. Mas por qual motivo o Senhor está irritado com essa pessoa? Porque a ele coube dirigir uma parcela do povo de Deus, mas não estava cumprindo com essa missão. E por isso foi substituído por alguém mais dedicado às necessidades do povo. Um novo líder que “será um pai para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá.” (Is 22,21). Essa missão em favor do bem do povo é atribuída a todos, mas de modo especial e com mais intensidade, essa é a missão de todos aqueles que são revestidos de alguma autoridade.

Todos os que detêm um poder ou uma autoridade, tem a obrigação, moral e religiosa, de converter esse poder em bem estar para o povo. Caso a autoridade não o faça isso, deve ser destituída do poder. Esse foi o exemplo ensinado pelo Senhor

Paulo, na carta aos Romanos (11,33-36), acrescenta um novo motivo pelo qual cada um de nós e, principalmente aqueles que são revestidos de alguma autoridade, devemos nos colocar a serviço de todos. O apóstolo nos informa: “tudo é dele, por ele, e para ele” (11,36). isso significa que, se tudo pertence ao Senhor, não temos direito de profanarmos a obra de Deus: sua criação e as pessoas (a natureza a nós doada, não por nossos méritos, mas pela grandeza da graça do Pai, deve ser reverenciada; as pessoas, nossos semelhantes, merecem de nós aquilo que nós gostaríamos de receber deles!). Portanto, se tudo pertence ao Senhor, quem somos nós para agredirmos essa obra? Com que direito concentramos poderes e riquezas enquanto milhares de pessoa passam dificuldades?

Não é diferente aquilo que Jesus afirma. Nas palavras de Jesus, segundo o evangelho de Mateus (16,13-20) a orientação sobre a postura de todos nós nasce de duas indagações: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (Mt 16,13). E os discípulos informam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; Outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas.” (Mt 16,14). Ou seja, as pessoas, mesmo aqueles que estão próximas dos ensinamentos, ainda não conhecem o Senhor.

Deus sabe quem é, o que se propõe e qual sua proposta para as pessoas. Mas também deseja que lhe apresentemos uma resposta decisiva. Por isso Jesus é incisivo na outra indagação: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15).

E assim voltamos à indagação inicial: “quem é Deus, para mim?”

É evidente que todos nós responderemos: “É meu salvador!”; “É a razão de meu existir!”; “É a luz da minha vida!”; “Deus é tudo para mim!”… Mas, muito além daquilo que podemos dizer: “quem é Deus, para mim, não em meu discurso, mas em minha vida?”

E a verdadeira resposta não nascerá nem se apresentará em palavras por meio de um belo discurso… Tudo que se possa dizer, pode ser apenas para cumprir com as convenções, para manter as aparências, para satisfazer as ambiguidades de cada um.

A verdadeira resposta, não está nas palavras, mas nos comportamentos. Eu, e você também, externaremos nossa resposta com nossas atitudes.

Talvez por isso, quando Pedro disse que Jesus é “o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16), tenha recebido o poder das chaves (Mt 16,19, da mesma forma que fora prometido a Eliacim, na profecia de Isaías 22,22). Ou seja, aquele que reconhece Jesus, recebe, também uma autoridade… e uma missão: ser ponte!

Resta, talvez, uma última indagação: por que Jesus pede segredo em relação àquilo que Pedro revelou? “Jesus, então, ordenou aos discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Messias.” (Mt 1620).

Uma possível resposta, que também depende de nossa postura, é que Jesus continua fazendo a pergunta a cada pessoa. E espera de cada um a sua resposta pessoal e existencial. Uma resposta que vai além das palavras para se manifestar nas atitudes.

A cada instante Jesus nos dirige a pergunta: “E vós, quem dizeis que eu sou?”

Qual vai ser a tua resposta?

Neri de Paula Carneiro

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Realizou-se a salvação

Celebramos hoje a Assunção de Nossa Senhora. Dessa forma, o centro da liturgia que, neste domingo, correspondente ao vigésimo do tempo comum, converte-se numa solenidade com tonalidade de esperança.

Isso é o que nos mostra o livro do Apocalipse (11,19a; 12,1-6a.10ab). O conjunto das dificuldades, simbolizados no perigo do dragão diante da mulher que está para dar a luz (Ap 12,1) é superado justamente com o nascimento da criança. A vida nova, o Filho de Deus, não só representa uma promessa, como também uma esperança. Por isso, Deus arrebata a criança para junto de si. É a esperança de superação das dores do dia a dia.

O poder destrutivo do dragão da maldade, (Ap 12,4) torna-se impotente diante do poder salvífico de Deus. E assim, o Filho que veio para guiar os seres humanos; o “filho homem, que veio para governar todas as nações com cetro de ferro” (Ap 12,5) nasceu em segurança. E isso se torna uma promessa e um sinal de esperança.

Até mesmo sua mãe recebeu a proteção divina pois, “a mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar” (Ap 12,6). O lugar preparado para ela, é o seio de Deus, na festa da Assunção.

Vendo que a mãe e o filho estão protegidos, o anjo protetor pode anunciar: "Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus, e o poder do seu Cristo" (Ap 12,10).

A mãe e a criança, arrebatados, protegidos pelo poder de Deus indicam o caminho para nós preparado: o caminho para o convívio com Deus.

A mulher protegida por Deus tem uma dupla representação: primeiro representa a Igreja, o povo de Deus a caminho que se ampara e protege sob a sombra do poder divino; e também representa a mãe, Nossa Senhora, que hoje celebramos porque a acreditamos junto de Deus. E nisso consiste nossa esperança: da mesma forma que Jesus voltou para junto do Pai, na sua vitoriosa ressurreição, assim também, convidou e levou para junto de si aquela que mereceu carregá-lo no ventre, após cumprir sua jornada terrena. Ela nos antecedeu por seus méritos e pelos méritos da graça divina.

E a esperança consiste justamente nisso: a morte não é o fim, mas, podemos dizer, um momento de transição desta vida para a vida definitiva junto ao Pai.

Isso nos ensina Paulo, na primeira carta aos coríntios (15,20-26.28). Diz o apóstolo que “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram” (1 Cor, 15,20). Ele é o primeiro, porque nos está indicando o caminho. O caminho que Ele percorreu e por onde levou a mãe.

E o apóstolo diz isso como a dizer que a vida no mundo é importante, sem dúvida, mas a morte não é menos importante, pois é por ela que se chega ao Pai. O próprio Cristo, para retornar ao Pai, passou pela morte. Como ensina o apóstolo: “Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda” (1 Cor, 15,23).

Mais um sinal da esperança, anunciada na liturgia de hoje é a vitória sobre a morte “O último inimigo a ser destruído é a morte” (1 Cor 15,26). com a morte da morte haverá plenitude de vida.

Nossa Senhora é o modelo da vitória da vida sobre a morte. E a solenidade da Assunção de Nossa Senhora, nos indica esse caminho. Ao passar pelo portal da morte, da mesma forma que a mãe do Senhor, seremos assumidos pela Trindade Santa no reino definitivo. Assim, podemos dizer que Nossa Senhora é a precursora, foi chamada ao céu para nos dizer e indicar o caminho que devemos seguir.

E qual é o caminho indicado pela Senhora Assunta ao Céu? Pode ser lido no programa de vida apresentado por Maria, ao visitar Isabel, como nos indica a perícope de Lucas 1,39-56. Maria, uma adolescente prestes a dar a luz, enfrentando suas dificuldades, não exitou em pegar a estrada para ajudar Isabel. A vida em favor do outro: esse é o sentido da vida.

Maria sabia disso de forma plena. Essa plenitude está expressa em sua exclamação: “O Poderoso fez por mim maravilhas e Santo é o seu nome!” (Lc 1,49). As maravilhas não são somente em favor da Mãe. Estão, também, à nossa disposição.

Além disso, a esperança se manifesta numa prática de justiça e equidade. O senhor que faz maravilhas, em favor dos que o temem – e praticam suas obras – porque “derruba os orgulhosos”; “exalta os humildes”; “sacia os famintos” (Lc 1,51-53).

Maria como modelo, por suas virtudes; Maria como precursora, por suas ações; Maria como sinal de esperança, porque não só carregou Jesus no ventre e nos braços, mas porque intercedeu em favor dos menos favorecidos. E, nossa esperança nos diz, continua atuando como nossa intercessora, como “advogada nossa”. Também por meio de Maria, Deus realizou e continua oferecendo a salvação.




Neri de Paula Carneiro

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Por que duvidaste?

Um convite à confiança. Podemos dizer que essa é uma das propostas que Deus nos faz, neste 18º domingo do tempo comum.

Comecemos analisando o panorama que as leituras nos apresentam: Elias (1 Rs 19,9a.11-13a) está escondido numa gruta. Paulo (Rm 9,1-5) confessa uma tristeza e Pedro, o fundamento da Igreja (Mt 14,22-33), assusta-se com o vento e as águas.

Por que essas cenas nos são apresentadas? Para nos lembrar da necessidade de confiança depositada no Senhor.

E nós, como nos posicionamos diante de Deus e de seu convite? Nos escondemos? Lamentamos as dores? Temos medo de submergir nas tempestades da vida? Ou confessamos, com nossa vida e nossos atos, diante de Jesus: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!” (Mt 14,33)?

Não é demais nos perguntarmos o porquê de Elias estar se escondendo; de Paulo estar angustiado e de Pedro estar afundando.

No primeiro livro dos Reis Elias é um dos personagens mais importantes. Tanto que é perseguido pelo rei, após ter eliminado os falsos profetas. Venceu-os em nome de Deus, mas temeu perder a vida pela ira do rei. Por isso o encontramos escondido numa gruta onde é localizado pelo Senhor. Só que o Senhor não se manifestou em nenhum dos terríveis fenômenos da natureza. Passaram o vento forte (tempestade), o terremoto e o fogo. Mas nada disso foi capaz de manifestar a presença de Deus (1 Rs 19,12-13)

O Senhor não se deu a conhecer no medo nem na insegurança. Somente no “murmúrio” da “brisa leve” Elias reconheceu a presença de Deus e, por isso, “cobriu o rosto” (1 Rs 19,13). Somente ao reconhecer o Senhor teve coragem de sair da gruta. Fugiu ao sentir medo, mas foi capaz de sair porque confiou.

E nós, em que situação reconhecemos o Senhor, para sairmos de nossos esconderijos? Ou, antes disso, o que nos assusta ao ponto de fazer com que entremos no esconderijo?

Podemos até ter feito grandes coisas em nome de Deus, como Elias, mas se não tivermos confiança absoluta no Senhor, Ele não se manifestará a nós na mansidão. Se não confiarmos absolutamente em sua graça, nós o confundiremos com os fogo, o vento ou o terremoto.

Com Paulo não é diferente. Está angustiado, pois seus irmãos israelitas não aderiram a Cristo. Reconhece que “a eles pertencem a filiação adotiva, a glória, as alianças, as leis, o culto, as promessas” (Rm 9,4). Entretanto, também para o apóstolo, é a confiança que lhe permite reconhecer em Jesus aquele que havia sido prometido aos antigos. Mas que só pode ser reconhecido mediante um ato de fé. Numa profissão de confiança o apóstolo reconhece que Cristo “está acima de todos”. Ele é o “Deus bendito para sempre” (Rm 9,5).

E nós, reconhecemos o Cristo, o prometido, na pessoa de Jesus de Nazaré? E se reconhecemos, porque ainda não mudamos nossos comportamentos?

Que dizer, então de Pedro?

Um homem que conviveu com Jesus; viu o milagre da partilha; ouviu de Jesus a afirmação: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14,27) e tendo recebido o convite para ir ao encontro de Jesus (Mt 14, 29)… teve medo!

A falta de confiança, de Pedro, o estava fazendo afundar. Num rompente de coragem ele havia descido da barca. Mas isso parece ter sido muito mais um gesto ditado pela empolgação do que pela confiança. A empolgação não é um ato de fé.

Em Pedro o ato de fé se expressou no auge do desespero. Somente expressou sua confiança quando sentiu que estava afundando (nas águas e na vida), por isso o desespero. Somente quando “sentiu o vento, ficou com medo e começando a afundar, gritou: 'Senhor, salva-me!'” (Mt 14,30) ...somente nesse momento pode ser salvo. Não sem antes ter ouvido de Jesus a recriminação: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31).

Como estão navegando as barcas de nossas vidas? Quais são os ventos que estão nos levando para o fundo das águas do mar da vida? Estamos vendo Jesus sobre as águas, ou apenas um fantasma? (Mt 14, 26).

É possível superar as dificuldades. É possível vencer os medos. É possível enfrentar os dissabores e as dúvida e as incertezas… mas isso só será possível quando houver entrega absoluta, para não mais ouvirmos: “por que duvidaste?” Isso é possível se mantivermos a mesma atitude daqueles que estavam no barco e formos capazes de dizer, não só com palavras, mas com o gesto de nossa vida: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!”

Neri de Paula Carneiro

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Vinde

O que Deus está nos propondo neste 18º domingo do tempo comum?

A resposta, se a quiséssemos de uma forma rápida e simplificada, seria dizer que o Senhor nos apresenta uma descrição do Reino de Deus, instalado entre os seres humanos.

Mas, a curiosidade humana nos leva a perguntar: em que consiste esse Reino?

Essa resposta foi-nos apresentada ao longo dos três domingos precedentes, nos quais líamos o capítulo 13 de Mateus. Ali Jesus nos descrevia o Reino, mediante parábolas.

Agora a liturgia nos convida a um passo a mais. Nos convida a olhar por dentro do Reino apresentado por Jesus.

Como sempre, trata-se de uma proposta. É como se Deus dissesse: “Isto é o que tenho para lhe oferecer!” Esta proposta vem na forma de uma ilustração do Reino! É como se olhássemos o Reino por dentro, depois dele consumado, instalado, entre nós.

Aos que aderem a essa proposta, Paulo, na carta aos Romanos (8,35.37-39), apresenta a força dessa promessa, com uma pergunta: “Quem nos separará?” (Rm 8,35). Aqueles que aderem à proposta, mesmo passando por dificuldades, perseveram, pois “Em tudo isso, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou!” (Rm 8,37). Jesus é a força e nos dá força para perseverarmos; para nos mantermos fiéis ao Reino.

Àqueles que ainda estão em dúvida, Isaías (55,1-3) convida: “Vinde” (55,1.3). Diante da sede ou da fome o profeta apresenta o convite do Senhor: “vinde às águas; vós que não tendes dinheiro, apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite, sem necessidade de pagamento” (Is 55,1).

Notemos que o apóstolo e o profeta nos apresentam um primeiro retrato do Reino: superação das dificuldades e satisfação das necessidades.

É claro que cada um de nós, individualmente, pode se recusar a entrar nesse Reino. Mas para aqueles que aderem à proposta, que respondem “Sim, eu vou”, “Sim, eu quero”, o Reino nos é apresentado em sua plenitude.

Aos que aderem à proposta do Reino, Paulo diz que nada “será capaz de nos separar do amor de Deus por nós” (Rm 8,39). E isso por um motivo simples e quase evidente: Deus não quer que ninguém se perca; Deus não quer o sofrimento; Deus não quer as dificuldades. A proposta do Reino é superação e satisfação plenas e de forma definitiva.

Mesmo que enfrentemos as piores dificuldades, e o apóstolo faz uma breve lista delas, “Tribulação? Angústia? Perseguição? Fome? Nudez? Perigo? Espada?” (Rm 8,35), Deus nos dará a força necessária para a superação e, antecipadamente, já podemos comemorar a vitória, pois “em tudo isso, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou!” (Rm 8,37).

Nascemos para a vitória sobre os dissabores, neste mundo; e na instalação do Reino receberemos as recompensas. Por isso, o profeta insiste no convite do Senhor: “Inclinai vosso ouvido e vinde a mim, ouvi e tereis vida; farei convosco um pacto eterno” (Is 55,3)

Outra amostra do Reino é a prática de Jesus, como nos mostra Mateus (14,13-21). Ele tem “compaixão” (Mt 14,14) e por isso cura e dá o alimento (Mt 14,19), com fartura (Mt 14,20).

Mas qual é a novidade desta imagem do Reino?

Talvez o fato de que sua instalação depende de nós! Talvez por isso sua apresentação em algumas etapas: a primeira é o fato de ser gratuito, é dom. Deus o oferece gratuitamente. Mas é um dom que tem que ser buscado: as multidões “saíram das cidades e o seguiram” (Mt 14,13). Certamente muitas outras pessoas havia nas cidades, e não seguiram Jesus, nem foram por ele curadas nem alimentadas. Mas quem o buscou recebeu o que buscava. Ou seja, o Reino está à nossa disposição, mas nós temos que desejá-lo, seguindo o mestre. Ele é dado para aquele que o procura.

Outra etapa é o fato de que o reino se instala pela mediação humana. Evidentemente Jesus poderia ter alimentado a multidão com seus próprios meios divinos. Mas à multidão faminta, Jesus envia os discípulos. Por seu lado, querendo desfazer-se do problema, os discípulos pretendem dispensar a multidão: “Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!” (Mt 14,15).

Outro aspecto está no fato de Jesus mostrar que a solução dos problemas não ocorre pela sua rejeição ou quando o passamos adiante, para que outro resolva. O reino exige comprometimento com o outro. Por isso Jesus não aceita a solução fácil e diz aos discípulos: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16). Mas tem outro ingrediente: é necessário dar o que se tem. Era quase nada, mas havia algo a oferecer: “Só temos” (Mt 14,17).

A próxima etapa é o fato da organização. “Jesus mandou que as multidões se sentassem na grama” (Mt 14,19). Na balbúrdia e cada um buscando seu próprio interesse, não há possibilidade de se alcançar o bem comum. A multidão, organizada e buscando objetivos comuns, torna-se Igreja.

Havendo busca, por parte do ser humano, havendo a mediação de uns intervindo em favor de outros, havendo comprometimento e organização, o passo seguinte é a oração. Tendo o povo se organizado, concretiza-se a imagem definitiva do reino. Aí, então, Jesus “pronunciou a bênção. Em seguida partiu os pães” (Mt 14,19).

A supressão das dificuldades, o compromisso com o outro, é o objetivo. E, àquele que busca, o Senhor convida: pelo profeta “Vinde”; pelo mestre “Vinde benditos de meu pai” (Mt 25,34).

Neri de Paula Carneiro

domingo, 19 de julho de 2020

Dou-te um coração

Deus está fazendo uma oferta a Salomão e, por extensão, também a nós, neste 17º domingo do tempo comum. Salomão fez sua escolha (1 Rs 3,5.7-12). E nós, qual será nosso pedido?

Numa situação destas, com certeza, muitos de nós agiríamos como se estivéssemos diante do "gênio da lâmpada", na história das “Mil e uma noites”. Lá o “gênio da lâmpada” concede três pedido, ao ser libertado. Como o Senhor Deus é muito melhor e mais benevolente que o gênio, oferece uma oportunidade mais ampla: “pede o que desejas” (1 Rs 3,5), sem limites de quantidade de pedidos, pois nesse "pede o que desejas" está implícito um "tudo". Portanto Deus está dizendo: "Pede TUDO que desejas"

Diante de uma oportunidade dessas, a maioria de nós pediríamos: dinheiro, saúde, longevidade…. Alguns ainda pediriam poder… e, em muitos casos, a ruína dos inimigos…

Diante da oferta do Senhor, Salomão não pensou primeiro em si. Penou em seu povo. Pensou em sua responsabilidade diante desse povo. Pensou no outro.

E nisso está o valor da decisão de Salomão. Podendo pedir tudo, o jovem rei nada pede em benefício próprio. Pede algo em favor dos outros. E ele recebe, mas para o uso em favor do outro: seu povo. Seria isso uma lição para nossas lideranças políticas?

Em vez de se vangloriar por ser um jovem rei, reconheceu sua inexperiência: “eu não passo de um jovem, que não sabe comandar” (1 Rs 3,7). Essa postura, confessando a pequenez, mostrou sua grandeza. E essa condição foi a a condição de seu pedido: “Dá, pois, a teu servo um coração que escuta para governar teu povo e para discernir entre o bem e o mal”(1 Rs 3,9).

O tamanho da oferta do Senhor é a medida do coração de quem faz o pedido. Por esse motivo, ao dar o que Salomão pediu, um coração compreensivo, o Senhor lhe concede além do desejado: Concede sabedoria, riqueza e glória. O Senhor lhe informa: “Vou satisfazer o teu pedido; dou-te um coração sábio e inteligente” (1Rs 3,12). E se continuarmos a leitura veremos o alcance dos dons divinos. “E também o que não pediste, eu te dou: riqueza e glória” (1Rs 3,12).

Qual a explicação para a postura de Salomão e para a resposta de Deus?

A explicação nos vem da carta ao Romanos (8,28-30). Paulo, da mesma forma que Salomão, não queria algo para si. Deu-se, completamente, à comunidade. Em vários momentos, nas várias cartas paulinas, podemos ler a afirmação do apóstolo, dizendo que está completamente a serviço do evangelho e, portanto, da comunidade. Em razão desse ministério ele, acima de tudo, sabia que “tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados para a salvação” (Rm 8,28).

O dom de Deus é sempre infinito, cabe a nós acolhê-lo. Quem o acolhe é porque ama a Deus e manifesta esse amor na doação aos outros. Na doação aos irmãos. Na entrega em favor da comunidade.

Assim o fez Salomão, pedindo em favor do povo. Assim o fez Paulo, explicando que os dons são concedidos “aqueles que Deus contemplou com seu amor”. Esses são chamados a “serem conformes à imagem de seu Filho, para que este seja o primogênito numa multidão de irmãos” (Rm 8,29). Essa multidão de irmãos Deus “chamou”, “tornou justa” e, principalmente, “glorificou” (Rm 8,30).

A proposta divina do chamado, da justificação e da glorificação é como que o destino ou o objetivo da humanidade. A proposta é para todos, mas não são todos que optam por responder ao chamado, por assumir a tarefa de se tornar justo e, como consequência, receber a glória dos céus. A glória de poder participar do Reino dos Céus.

Mas Jesus insiste na explicação e no convite-oferta-chamado para o Reino. Ele, no desejo de que a multidão opte pelo reino (Mt 13,44-52) o apresenta, dizendo o que é “reino dos céus”. O reino é: “um tesouro escondido” (Mt 13,44); é “uma pérola de grande valor” (Mt 13,46); é “uma rede lançada ao mar”.

O reino é uma proposta de Jesus. Da mesma forma que a Salomão é feita uma proposta (pode pedir) e da parte de Paulo vem o chamado, de Jesus vem o convite para fazer uma escolha. Sabendo o que é o reino, ou sabendo do seu valor, Jesus convida à opção. E diz o que ocorrerá no final do período das escolhas: “Assim acontecerá no fim dos tempos: os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos” (Mt 13,49).

Os maus serão descartados.

Os bons, já em vida, farão as obras do Senhor, como “discípulos do reino dos céus” (Mt 13,52) e depois merecerão o Reino que é um valor em si mesmo. Mas para merecê-lo o “discípulo do Reino” tem que estar voltado para o outro. Com o coração no outro. Um coração compreensivo. E, então, fazendo para o outro, ouvirá de Deus: “Dou-te um coração sábio”.

Em que consiste a sabedoria? Em fazer para o outro… Como anda o teu coração?
Deus está te fazendo uma oferta. O que você vai escolher?




Neri de Paula Carneiro

sábado, 18 de julho de 2020

Os justos brilharão

A contemplação do Reino de Deus. Este é um dos temas que a Igreja nos propõe para a reflexão, nas leituras deste 16º domingo do tempo comum.

E quais os critérios para contemplarmos e entendermos esse Reino, proposto e apresentado por Jesus e destinado aos justos?

A resposta se encontra nos detalhes das leituras que a Igreja nos propõe para a reflexão, neste dia, a começar com o trecho do evangelho segundo Mateus 13, 24-43.

Antes disso, entretanto, é bom nos lembrarmos que todo o capítulo 13, do evangelho segundo Mateus, é uma sucessão de parábolas (pequenas histórias de comparações). E com essas parábolas é que Jesus nos apresenta o Reino e os caminhos para chegar a ele.

Na perícope de hoje (trecho do evangelho ou de outro livro) Jesus nos apresenta o Reino em três comparações. Primeiro: “O Reino dos Céus é como um homem que semeou boa semente” (Mt 13,24). Depois diz que “O Reino dos Céus é como uma semente de mostarda” (Mt 13,31) e na terceira comparação Jesus diz que o “O Reino dos Céus é como o fermento” (Mt 13,33).

Essas três comparações nos dão algumas pistas a respeito do Reino: a primeira pista é a afirmação do Reino: ele “é”. Esse verbo é usado para indicar a existência. Jesus diz que ele “É” porque ele existe. Admitamos ou não o Reino é uma realidade. A segunda pista está na primeira comparação: o reino é como a “boa semente”. A boa semente, quando plantada, germina. Isso significa que o Reino, embora existente em si mesmo, ente nós ele precisa germinar, para crescer. E a germinação depende do solo (e a respeito dos tipos de solo Jesus falou na liturgia do domingo anterior – 15º domingo do tempo comum; Mt 13,1-23). Uma terceira pista a respeito do Reino Jesus fornece na outra comparação: a semente do reino, que é uma semente boa, é a de mostarda. Uma semente pequenina mas, por ser boa, germina e cresce oferecendo abrigo. E o abrigo do reino está disponível a todos. A quarta pista a respeito do reino está na comparação com o fermento. O fermento-Reino, faz crescer a massa, mas para que isso ocorra, é necessário que a mulher faça a mistura. Aqui Jesus nos faz lembrar e valorizar o dom da fecundidade.

O homem, pode até ser bom semeador, e usar uma boa semente, mas sem a fecundidade feminina não há crescimento. A terra-mãe é fecunda e faz nascer a semente. A semente é boa, e germina. Mas o fermento (que é masculino), pode até ser excelente, mas sem a mistura feita pelo dom fermento, não é eficiente. Não faz crescer. O crescimento do Reino-entre-nós, depende da mistura do fermento na massa. A interação faz o crescimento. O crescimento do Reino não é para indivíduos isolados, mas para a comunidade. É o fermento, misturado pela fecundidade feminina, que faz o Reino crescer na comunidade, semente-do-Reino.

Outras pistas, ou características, do Reino, podem ser buscadas no livro da Sabedoria (12,13.16-19). Algo a ser destacado é o fato de que o Reino é o convívio com Deus, Todo Poderoso. Um Deus que fundamenta seu poder na justiça. Cabendo destacar que a justiça divina não é o cumprimento de algum principio legal, mas a equidade. Ou seja, cumprir uma lei qualquer, nem sempre é uma ação justa, mas é justo quem domina a “própria força”, quem “julga com clemência”, quem governa “com grande consideração” (Sb 12,18). como o faz o Senhor. Também faz parte das características do reino o dom da esperança e “o perdão aos pecadores” (Sb 12,19).

Também Paulo (Rm 8,26-27), oferece informações a respeito do Reino. O apóstolo parte da afirmação da ação do Espírito. Mesmo sem mencionar o Reino dos Céus, ao dizer que o "Espírito vem em socorro da nossa fraqueza” e que “é o próprio Espírito que intercede em nosso favor” (Rm 8,26), Paulo está demonstrando que as sementes do Reino se estendem em favor das pessoas. E a ação do Espírito é uma ação do Reino porque “é sempre segundo Deus que o Espírito intercede” (Rm 8,27).

Nessa descrição e caracterização do Reino manifesta-se mais uma: a dimensão trinitária. O Reino é dom do Pai, manifestada pelo Espírito e anunciada pelo Filho. A ação de Jesus de Nazaré, anunciando o Reino, é uma manifestação do Espírito que nos conduz ao Pai. E isso para nos indicar que o Reino de Deus entre nós acontece e se manifesta na vida comunitária. O fermento do reino, é uma mistura comunitária. O reino é uma oferta para todos, recebido individualmente, mas se manifesta na comunidade.

Por fim, não podemos nos esquecer que diante da proposta do Reino, o ser humano tem que tomar uma decisão: assume-se como trigo ou como joio.

A opção, a escolha, é de cada um. A proposta de ser trigo é oferecida a todos. Mas alguns preferem ser joio. Ser trigo é aceitar o reino e todas as maravilhas inerentes à presença e convívio com Deus. Ser joio é escolher o afastamento definitivo da convivência com Deus, no Reino que nos foi preparado. Ser trigo é se juntar à comunidade em favor da comunidade. Ser joio é o afastamento da vida comunitária, escolhendo ser queimado no fogo do isolamento (Mt 13,42).

Aqueles que escolhem e acolhem a semente e o fermento do Reino, esses são aqueles que “brilharão como o sol no Reino de seu Pai” (Mt 13, 43)

Neri de Paula Carneiro

sábado, 11 de julho de 2020

Assim como

O que Deus está nos propondo neste décimo quinto domingo do tempo comum?

Estamos diante de leituras que se apresentam não só como belos textos metafóricos, mas como textos profundos em suas comparações, ensinando os caminhos para a vida.

Na primeira leitura Isaías (55,10-11) nos informa a respeito do poder a palavra de Deus. Ela vem de Deus, assim como a chuva vem do céu. E assim como a chuva cai sobre a terra com a finalidade de fazer a semente germinar, a palavra de Deus vem a nós com a finalidade de produzir efeitos.

Essa palavra é poderosa não por ser um texto, mas por representar a vontade de Deus. Por isso ela “realizará tudo que for de minha vontade e produzirá os efeitos que pretendi” (Is, 55,11).

A palavra de Deus é eficiente, é produtiva, é fecunda, é plena de vida, pois faz germinar a semente e essa semente produz alimento…. E o alimento produz vida, mantém a vida. O alimento é vida, pois o alimento é dom de Deus. E, na celebração litúrgica, o alimento é o próprio Deus.

Por sua vez, Paulo, na carta aos romanos (8,18-23) aponta para o sentido da vida. E não só o sentido da vida, mas também o sentido do sofrimento. Ele nos ensina que o sofrimento é o caminho para a glória definitiva. Ao ser libertado das dores o ser humano participará “da liberdade e da glória dos filhos de Deus”.

Diante das palavras de Paulo, mostrando o sentido da dor, afirmando que ela é o caminho para a plenitude de Deus, alguém poderia argumentar: “Se o caminho para a glória eterna é o sofrimento, isso significa que Deus gosta de ver as pessoas sofrendo para lhes conceder a vida plena. Então esse é um Deus maldoso”.

Não é esse o sentido da dor. Nem para Paulo, nem para a Bíblia e menos ainda para os ensinamentos de Jesus. A dor, os sofrimentos, os dissabores da vida, as dificuldades… não são a vontade de Deus. Tudo isso representa os reflexos das limitações da vida, das coisas, da materialidade.

E, em alguns casos, os sofrimentos são consequências de nossas escolhas!

Por isso é que Paulo afirma: “toda a criação, até o tempo presente, está gemendo como que em dores de parto. E não somente ela, mas nós também”. E Paulo explica o alcance dessas dores. Elas existem enquanto estamos “aguardando a adoção filial e a libertação para o nosso corpo” (Rm 8,22-23). Quer dizer: as dores existem, como contingência da criação, porque a criação é limitada, mas a criação se destina à glória divina, pois se origina do próprio Deus.

Assim sendo, podemos afirmar que Deus não quer nosso sofrimento. Mas como eles existem, porque são condições da materialidade e finitude das coisas e de nós mesmos. Então, qual o significado disso, desse mundo que chora como em dores de parto?

A Deus interessa a atitude diante do sofrimento. Deus não se alegra com o sofrimento, mas quer saber como nos comportamos no seu enfrentamento. Aqueles que amam a Deus sabem que Ele não nos permite um fardo maior do que aquilo que podemos suportar.

E podemos nos comportar de duas formas diante desse fardo: o primeiro é aproveitando a dor para crescer; para nos fortalecermos; para aprendermos as lições que a dor ensina. São lições doloridas, mas salutares. Então podemos enfrentar nossos sofrimentos de forma positiva. Sabendo que o problema antecede a solução, mas sabendo que a solução existe!

Outra forma é enfrentar os dissabores de forma negativa. Maldizendo e não sendo capaz de aprender, com a dor. Agir assim é não perceber que não existe planta nova sem que a semente germine. E o germinar da semente é um processo de aniquilamento. A semente deixa de existir para ceder lugar à planta, à nova vida.

Essa é uma das lições que podemos aprender da parábola, contada por Jesus, no evangelho de Mateus (13,1-23). Também Jesus, falando dos diferentes terrenos em que a semente é lançada, está falando do valor da vida, dos problemas a serem superados e da postura que podemos adotar ao nos depararmos com as dores do nosso dia a dia, ou os problemas de nossa existência.

São duas as posturas. A primeira é pessimista. Pra esses Jesus afirma: “Todo aquele que ouve a palavra do Reino e não a compreende, vem o Maligno e rouba o que foi semeado em seu coração” (Mt 13,19). A segunda é otimista. E para estes Jesus diz: “A semente que caiu em boa terra é aquele que ouve a palavra e a compreende. Esse produz fruto”(Mt 13, 23).

A semente é a palavra, e vem de Deus, como a chuva. Nós somos os terrenos: alguns pedregosos, outros à beira do caminho, outros repletos de espinhos. Mas também existem os terrenos férteis. Estes são produtivos. Nesse terreno a semente vai morrer (sofrendo) e ressurgirá em frutos de e para vida nova.

Os terrenos espinhentos, pedregosos ou à beira do caminho, são as dores. Ao perceber o lado edificante da dor, a semente pode germinar e produzir muito fruto. Mas essa já é a nossa resposta. E a resposta depende apenas de nós.

Pode ser difícil e dolorido, mas é possível tirar lições da dor. Mas é necessário lembrar que Essa semente e nesses terrenos, quem semeia é Jesus. A nós cabe dar a resposta. A nós cabe a postura diante da dor: o desespero que aumenta a dor ou a abertura para aprender com a dor e edificar ainda mais nossa vida. Assim como a chuva, assim como a semente, assim como as dores do parto: tudo é proposta e esperança de vida melhor.

Neri de Paula Carneiro

sábado, 4 de julho de 2020

Seu domínio se estenderá

Qual é a proposta que Deus nos faz neste decimo quarto domingo do tempo comum?

Tanto a leitura de Zacarias (9,9-10) quanto na carta de Paulo aos Romanos (8,9.11-13) fazem propostas para mudanças. Mudança de comportamento; mudança de atitude. Mas, para que essas mudanças ocorram é necessária uma outra mudança, esta indicada por Jesus: fazer-se pequenino.

Uma mudança de comportamento é sugerida por Zacarias. A ideia que temos de uma monarca é de uma pessoa que sempre faz questão de mostrar sua majestade por meio das aparências. O poderoso evidencia seu poder mediante o esplendor de sua apresentação. Ele apresenta-se com carros e cavalos e exércitos (Zc 9,10). E, normalmente, se preocupa apenas em fazer cumprir sua vontade, independentemente de isso ser ou não o melhor para seu povo. Aliás, para o monarca, nesses termos, o seu povo é o que menos importa.

Não é essa a figura do o rei, apresentado por Zacarias. E aqui temos uma mudança de perspectiva, pois este rei, apresentado pelo profeta vem ao encontro; ele é justo e salvador; ele é simples, pois “vem montado num jumento” (Zc 9,9) ao contrário do comportamento dos monarcas que se apresentam montados em belos cavalos e esperam a ovação do povo.

Esse rei humilde, apresentado pelo profeta, vem, não para a guerra e conquista, mas para a paz entre as nações. Por isso quebra o arco (ou seja, vai eliminar as armas). Os carros e cavalos perderão o valor pois seu objetivo é anunciar a paz. E, havendo paz, as fronteiras deixarão de ter sentido. Por isso o reino desse rei justo, humilde salvador, será tão abrangente: de mar a mar e atingirá os “confins da terra”(Zc 9,10). Seu domínio é extenso não poque é poderoso, mas porque é justo e vem em nome da paz.

Por sua vez, Paulo (Rm 8,9.11-13), faz referência a uma mudança de atitude: viver, não de acordo com nossas vontades carnais, “mas segundo o espírito” (Rm 8,9). Podemos dizer que Paulo é ainda mais exigente que Zacarias pois sua proposta cobra radicalidade completa, sem meios termos. Trata-se de fazer uma opção definitiva cujo alcance, ou resultado, pode conduzir à vida ou à morte (Rm 8,13).

Então, qual a consequência dessa nova postura, dessa mudança de atitude?

Um redirecionamento na vida. São as atitudes, ou a forma de conduzir o dia a dia, que demonstram a presença do Espírito; que evidenciam as opções que assumimos.

Não se trata de dizer, mas de fazer. A vida cristã exige matar o “procedimento carnal” (Rm 8,13), para viver “segundo o espírito”. E isso implica assumir a postura dos “pequeninos” (Mt 11,25) e não da ostentação.

Cabe lembrar que somos devedores de uma dívida “não para com a carne, para vivermos segundo a carne” (Rm 8,12), mas com o Espírito de vida que nos “vivificará” (8,12). O espírito de vida, está presente naqueles que realizam, em suas vidas, os atos do Espírito: amor, solidariedade, altruísmo… que são posturas de quem não está em busca da ostentação.

Esse mesmo Espírito de vida, que dá força para superar o espírito carnal, é aquele que confere forças para superar os desafios, as dificuldades, os problemas, as dores… tudo que se insere na forma de um jugo, ou fardo, pesado.

A leveza do fardo, ou do jugo, manifesta-se numa vida de simplicidade, de amizade, de superação dos conflitos…

Para que isso isso aconteça é necessário se quebrarem, ou se eliminarem, as armas. Que se acabem com os símbolos de poder, os mecanismos de dominação…

E, para isso acontecer, se faz necessário assumir não a dominação, mas a mansidão, a humildade, que não foram reveladas “aos sábios e entendidos”, mas aos que se fazem pequenos. E estes, justamente por não almejarem a grandeza, é que são capazes de ampliar os domínios da paz e do amor.

É para quem assim procede que Jesus dirige suas palavras: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11,29-30). E quando as pessoas puderem assim proceder, se instalará o reino do amor, cujo “domínio se estenderá de um mar a outro mar, e desde o rio até aos confins da terra” (Zc 9,10).

Neri de Paula Carneiro

CICLO DA PÁSCOA: A vitória da vida.

Disponível em: https://pensoerepasso.blogspot.com/2024/03/ciclo-da-pascoa-celebrar-vida.html; https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de...