sexta-feira, agosto 22, 2025

À mesa do Senhor

Reflexões a partir de:

Isaías 66,18-21; Hebreus 12,5-7.11-13; Lc 13,22-30.




Em tempos de correria e refeições apressadas…

Em tempos nos quais não se tem tempo de sentar-se à mesa…

Em tempos em que o sentar-se à mesa, com a família, parece coisa de outros tempos…

Em tempos assim somos chamados a ouvir Jesus afirmando (Lc 13,22-30) que alguns não poderão participar da mesa do Senhor.

Em tempos assim, quem são os excluídos da mesa do Senhor?

Porém, antes de nos ocuparmos com aqueles que serão excluídos no fim dos tempos, olhemos a situação a partir de outro ponto de vista: Quem são os incluídos, ainda nestes nossos tempos?

A lista é longa.

Desde as primeiras palavras da Bíblia, o Senhor da Criação vem mostrando quem está incluído. Deus quer ser conhecido e se dá a conhecer. Para isso envia seus mensageiros. Entre eles estão os profetas. E Isaías é um deles (66,18-21), um dos que transmitem o recado divino.

A partir da palavra de Isaías , ficamos sabendo que Deus decidiu enviar mensageiros para “terras distantes”. Ele quer falar, quer ser conhecido, quer convidar aqueles que “ainda não ouviram falar em mim e não viram minha glória” (Is 66,19). Com isso Deus indica que não exclui.

E o profeta não deixa dúvidas: o Senhor quer incluir aqueles que, aparentemente, não faziam parte da mesa. No convite transmitido pelo profeta está claro: há um povo escolhido para uma missão, para levar a mensagem. Mas isso não exclui os outros, pois a mensagem é de inclusão; o convite é para incluir os destinatários da mensagem e não só os mensageiros!

Note-se, portanto, que todos são convidados. Da mesma forma que os “filhos de Israel”, todos os povos “levarão sua oferenda em vasos purificados para a casa do Senhor” (Is 66,20).

Ou seja, não há um povo escolhido, de forma que outros sejam excluídos. O Senhor é o Deus de todos os povos! Todos estão incluídos em seu convite. E isso vale para todos os tempos. Nós, hoje, também somos convidados. Também fomos incluídos na lista dos convidados. E a resposta ao convite não são as palavras, mas a própria vida, pois o convite tem o carimbo da eternidade.

É neste ponto que entra a outra situação acenada em Hebreus (Hb 12,5-7.11-13), falando sobre a modalidade educativa da ação de Deus. Trata-se de uma ação que se assemelha à atitude dos pais em relação aos filhos.

Com que finalidade?

Mostrar como devem comportar-se os filhos de Deus, convidados a sentar-se à mesa do Reino, junto a Deus. Esse processo educativo estende-se ao longo de todas páginas bíblicas. E o resultado que o Senhor deseja é um só: manter-se numa atitude de quem busca a superação das dificuldades, aprendendo com elas. Aquele que compreende as lições de Deus são capazes de produzir frutos “de paz e de justiça para aqueles que nela foram exercitados” (Hb 12,11).

Aqueles que são convidados a sentar-se à mesa do Senhor também recebem apoio para se reerguer constantemente; são apoiados para se manter com as mãos firmes a fim de construir dias melhores; joelhos fortes para não cair no desânimo ao longo da missão; pés incansáveis na caminhada em direção ao irmão, ajudando-o a fim de que também se mantenha nos caminhos do Senhor: “firmai as mãos cansadas e os joelhos enfraquecidos; acertai os passos dos vossos pés, para que não se extravie o que é manco, mas antes seja curado” (Hb 12.13).

Mas qual é a porta para a mesa do senhor; qual o caminho que nos leva a participar da mesa na casa do Pai? Qual é o caminho da inclusão, no plano do Pai e na comunhão dos irmãos?

A resposta nos vem da voz de Jesus. Não é um caminho de facilidades; não é um projeto de regalias; não é uma avenida de flores… pelo contrário, ensina-nos o Senhor, participar da mesa do Reino, na casa do Pai, exige seguir a orientação de Jesus: "Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (Lc 13,24).

Mas por que Jesus fala em dificuldades, em “porta estreita”, se o projeto de Deus é a salvação de todos? É convidar a todos para sentarem-se à sua mesa?

A questão é que as dificuldades fazem parte do caminho. E são o parâmetro para saber quem está assumindo e acolhendo o convite para a mesa do Senhor. É na dificuldade que se prova a fé. É na passagem pela via estreita, pela estrada das dificuldades, pela porta das dores que se demonstra a confiança no Senhor.

No dia a dia da segurança e tranquilidade, quando se tem mesa farta e conforto poucas vezes se tem tempo para Deus. A tendência é o afastamento do Senhor e dos irmãos. A fartura não impede, mas dificulta o contato com Deus, gera postura de exclusão do outro, pois o desejo de acumular pode converte-se em mais uma divindade.

Porém quando ocorrem as dificuldades, muitos gritam pedindo ajuda de Deus. A presença da dificuldade pode abrir dois caminhos. Em um se busca: a superação, a força divina para ir em frente, a mão de Deus como amparo, a luz de Deus iluminando os caminhos e esperança. Por outro lado, a dificuldade pode levar ao desespero que nasce da falta de confiança no Senhor. Por isso as portas e os caminhos se estreitam, é que as dificuldades oferecem boa oportunidade de participar da mesa do Senhor.

O convite de Jesus, para sentar-se à mesa do Senhor passa pela porta estreita porque, embora o convite seja para todos, a fartura do mundo ou o desespero das dores podem converter-se em distrações e desvios.

O convite é universal: “virão homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no Reino de Deus”. E todos são incluídos porque aceitam o convite. Mas também existem os excluídos, aqueles que não encontram tempo para Deus, que vive no irmão.
 
Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro;

E.Books: https://www.calameo.com/accounts/7438195.

sexta-feira, agosto 01, 2025

O apocalipse não é

O apocalipse não é o que as pessoas falam. Não é o que dele pensam!

O Livro do Apocalipse não diz o que dizem que ele diz: não descreve o fim do mundo!

O apocalipse não é e não será do jeito que as pessoas pintam ou pensam: não se trata de um evento do futuro, mas uma análise do presente em vista das alegrias vindouras!

Então o que é o apocalipse? Que livro é esse que chamam de Apocalipse? Qual a razão do medo que ronda quando alguém menciona a palavra apocalipse ou o livro do Apocalipse?

Não sei a resposta. Mas sei que não é tudo isso que se diz, envolvendo esse ar de catástrofes e cataclismos e monstros dos horrores… isso sei que não é!

Como não sei a resposta, vou buscá-la.

Como não sei grego nem latim, e muito pouco de português, vou procurar respostas pesquisando tudo isso e a própria Bíblia.

Como sei que existem muitas ideias tortas, e gente querendo entortar ainda mais, vou buscar luzes que me ajudem a tirar o véu da ignorância. Não por mim, pois sei em quem deposito minhas esperanças (2Tm 1,12). Vou buscar as explicações porque, disse Jesus, vão aparecer falsos messias… e muitos eles já estão por aí espalhando discórdia… (Mt 24,24) e são esses que deturpam o apocalipse, querendo disso tirar proveito! “Hão de surgir falsos Messias e falsos profetas, os quais apresentarão sinais e prodígios para enganar, se possível, os eleitos. Quando a vós, porém, ficai atentos. Eu vos predisse tudo” (Mc 13,22-23).

E quando for pesquisar o significado dessa palavra, as pesquisas me dirão que lá em sua origem apocalipse vem de “apocalipsis” que pode ser entendido como ato ou processo de se retirar a cobertura, uma forma de descobrir e mostrar o que até aqui estava encoberto… vou descobrir que, na Bíblia, tem vários textos apocalípticos, tanto no Antigo e no Novo Testamento. E não é para predizer o fim catastrófico do mundo...

E quando for pesquisar, também vou descobrir que, lá nas suas origens, o apocalipse não se refere a nenhum evento espetaculoso. Não se refere a tremor de terra, raios e trovões. Não se refere a “chuva de estrelas”. Não tem nada a ver com essa de produzir medo e terror.

E tem mais, quando eu for pesquisar vou descobrir que todas essas descrições de coisas ameaçadoras, assustadoras, devastadoras… são construções literárias com efeito simbólico para apontar uma outra realidade que, essa sim, é a razão do apocalipse, pois com toda essa simbologia essa linguagem evidencia o que está escondido nos planos de Deus: “eu te bendigo, pai, porque escondeste estas coisas aos sábios…” (Mt 11,25).

E ainda tem mais. Quando eu for pesquisar vou descobrir que Deus não age assim, provocando estardalhaço. Deus não precisa nem depende disso para se dar a conhecer. Deus não faz espetáculos para a plateia nem shows para ficar famoso. Deus não se apresenta assustando ninguém. Quer ser respeitado, amado... mas não temido!

E ainda tem algo a mais a ser acrescentado. Quando eu for pesquisar sobre o apocalipse, sobre a palavra apocalipse, sobre o significado de apocalipse, sobre o livro do Apocalipse, vou descobrir que as ações divinas são diferentes disso tudo que se diz por aí. As ações divinas ocorrem no dia a dia, sem estardalhaço! As ações divinas, assim diz a Bíblia, lá no livro dos Reis (1Rs 19,11-13), não está na tempestade, mas na brisa refrescante, reconfortante… Foi na brisa suave que Elias ouviu a voz de Deus.

O problema é que antes que eu possa continuar minha pesquisa, para saber o significado do apocalipse, alguém vai me interromper, dizendo: “Mas a descrição do apocalipse, narrada no livro do Apocalipse, fala disso!”; “O livro do Apocalipse descreve as catástrofes que acontecerão antes do fim do mundo!”; “Lá no livro do Apocalipse fala sobre monstros e terremotos e catástrofes cósmicas, e monstros…”. E eu respondo que sei disso, mas isso é simbólico! É um jeito codificado de explicar as coisas! E como linguagem codificada, para decifrar e entender, tem que achar a chave de decodificação.

Sou obrigado a interromper minha pesquisa sobre o apocalipse para reafirmar: O Apocalipse não é isso que está descrito e desenhado e narrado e anotado e predito… O apocalipse é uma palavra com a qual os autores transmitem uma mensagem, usando um gênero literário. Na realidade o apocalipse é um gênero literário que se caracteriza justamente por essa linguagem: simbólica, enigmática, descrevendo animais fantásticos e assustadores, números… mas não se destina a assustar! Dá até para dizer que era uma linguagem codificada. E aqueles símbolos e monstros e enigmas e números… cujo significado nos parecem estranhos e complicados, eram códigos conhecidos para os destinatários dos textos apocalípticos. Para eles não tinha nada de estranho. Era coisa do seu cotidiano. Por isso é que, de vez em quando, sai da boca de Jesus ou aparece nos textos apocalípticos expressões como: “quem tem ouvido para ouvir que ouça”; “ouça o que o Espírito diz às Igrejas” (Ap 2-3)(Mt 13,9; Mc 4,23; Lc 8,8). “Aqui é preciso discernimento. Quem é inteligente calcule o número da besta, pois é numero de homem…” (Ap 13,18). Com isso o autor do texto apocalíptico está oferecendo a chave de interpretação, como quem diz: leia com atenção o que estou falando, pois vocês conhecem o código. Vocês sabem, mas os inimigos não sabem. Portanto, tomem cuidado ao decifrar a mensagem. Portanto, não é uma linguagem para assustar, mas para reanimar, não para meter medo, mas para iluminar, indicar caminhos, orientar, incentivar, encorajar!!! Portanto, quem é inteligente…! “Quando, portanto, virdes a abominação da desolação, de que fala o profeta Daniel, instalada no lugar santo – que o leitor entenda!” (Mt 24,15).

Sou obrigado a interromper minha pesquisa para reafirmar que essa linguagem simbólica, própria do gênero literário chamado apocalipse, não foi criada para assustar. Era um jeito de falar, naquele tempo em que o estilo foi criado: tempos difíceis! Era um jeito de falar e isso ajudava as pessoas, encorajava as vítimas! Essas estavam em apuros e dificuldades e sofrendo e sendo perseguidas e com risco de perder a vida… não porque o mundo estava chegando ao fim, mas porque era necessário lançar uma restiazinha de luz e esperança para encarar os perseguidores e inimigos. Se os tempos estavam se mostrando difíceis, o autor do texto apocalíptico apresenta uma alternativa: a superação dos problemas com o empenho de todos e a proteção de Deus. Por isso repete e mostra o prêmio oferecido àqueles que erguerem a cabeça, enfrentarem as dificuldades e passarem pela provação: “ao vencedor darei…” (Ap 2,7.11.17.26; 3,5.12.21). Trata-se, sempre, de uma linguagem de esperança… de encorajamento, de otimismo, de conforto… pois os perseverantes vencem!

Na minha busca pelo sentido e significado do apocalipse, que não foi escrito para assustar, mas para encorajar, encontrei não palavras de medo, mas de encorajamento: “Ele colocou a mão direita sobre mim, assegurando: NÃO TEMAS. EU SOU O PRIMEIRO E O ÚLTIMO, O VIVENTE. ESTIVE MORTO, MAS EIS QUE ESTOU VIVO!” (Ap 1,17)

Na minha busca pelo sentido e significado do apocalipse, pude entender. Estamos diante de uma linguagem simbólica, mas não se trata de um clima de ameaça, para assustar ninguém. Estamos diante de uma linguagem enigmática, mas não se trata de mistério tenebroso, pois a intenção é indicar a direção oposta, com pistas para superação das dificuldades representadas e clocadas pelos donos do poder e das riquezas. Estamos diante de uma linguagem, para nós cheia de mistérios, mas clara e cristalina para os contemporâneos do autor… que pretendia indicar quem e quais eram os perigos e as pistas para a superação… e a superação sempre foi e será Jesus, o Ressuscitado.

Na minha busca encontrei não os medo, mas a coragem. Não a tristeza, mas a perseverança. Não a angústia, mas a esperança. Não que se vá negar as dificuldades cotidianas, mas no texto está a afirmação de uma certeza: as dores são passageiras e a vitória virá. E essa não é uma promessa de algum pregador espertalhão, que promete te livrar disto ou daquilo em troca de grana. Quem promete é o próprio Jesus, o vencedor: “Também vós, agora estais tristes, mas eu vos verei de novo e vosso coração se alegrará e ninguém vos tirará vossa alegria” (Jo 16,22).

Na minha busca pude ouvir as palavras de Jesus, o vencedor: “No mundo tereis tribulações, mas tende coragem, eu venci o mundo!” (Jo 16,33).

Então, agora você entendeu? Entendeu porque o Apocalipse não é uma linguagem de medo? Entendeu porque, o livro do Apocalipse não é uma coleção de descrições de catástrofes assustadoras? Entendeu porque o Apocalipse é um convite não só ao encorajamento, mas principalmente para ouvir as promessas do vencedor? Entendeu que estamos diante não da descrição do fim do mundo, mas de um convite à perseverança que prevalece sobre as dores cotidianas?

Então, sugiro que entendamos de uma vez por todas: o apocalipse não é descrição de dores vindouras, mas promessa de bençãos futuras: “Nunca mais haverá maldição”. As dores cessarão e a luz do cordeiro iluminará a todos, na cidade santa onde “ninguém mais precisará da luz da lâmpada, nem da luz do sol, porque a luz do Senhor Deus brilhará sobre eles” (Ap 22,3.5).

Então, e para isso é necessário um ato de fé, no processo da construção do Reino, haverá sofrimento mas com ele instalado, ninguém mais vai sofrer. Isso é o que afirma o autor do apocalipse (21, 4), dizendo que o próprio Deus será o amparo dos perseverante que superarem as maledicências dos promotores de maldades: “Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto nem clamor, e nem dor haverá mais. Sim! As coisas antigas se foram!”
 

Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro;

E.Books: https://www.calameo.com/accounts/7438195.

A Basílica do Latrão e o santuário de Deus

Reflexões baseadas em: Ezequiel 47,1-2.8-9.12; 1 Coríntios 3,9c-11.16-17; João 2,13-22 Desde muito cedo aprendemos que Deus está em todo ...