quinta-feira, novembro 07, 2024

Um pedaço de pão e duas moedas


Reflexões baseadas em: 1Rs 17,10-16; Hb 9,24-28; Mc 12,38-44




Uma viúva preparando-se para morrer de fome, juntamente com seu filho. Essa é a cena em que vemos Elias atuando, pedindo um pouco de comida. ( 1Rs 17,10-16)

Numa outra cena estamos com Jesus, diante da cesta das ofertas, dentro do templo. Várias pessoas fazem suas ofertas, mas Jesus chama nossa atenção para aquela velhinha…(Mc 12,38-44)

A resposta não parece complicada: uma velhinha, pobre, ofertando sua pobreza. E, certamente, ambas sofrendo por que lhes falta o necessário para sobreviver!

A primeira oferece seu resto de pão a um estranho. Certamente imaginando que assim morreria mais rapidamente, pois o que tinha para dividir com o filho, agora vai dividir com o estranho. Como os três vão comer de sua pobreza, a fome se intensificará, imagina ela!

A segunda velhinha, não está em casa, como a primeira, mas no templo. Pelo fato de ter oferecido duas moedinhas de pouco valor, sabemos que também é pobre e, como a primeira, está partilhando o que tem… e neste caso a partilha está sendo feita com uma instituição que não precisava de sua oferta, pois os ricos já haviam feito vultosas ofertas…

Mas a lição que estas leituras nos querem fazer refletir, não é sobre o valor econômico. Se fosse isso Jesus teria elogiado os ricos; se fosse assim, Elias teria procurado outra pessoa, pois numa cidade (como Serepta) existem muitas pessoas… e nem todas passando fome… E ele não precisaria parar na frente de um casebre, teria procurado alguém com mais posses.

Mas se não é sobre dinheiro, por que nas duas cenas duas pessoas pobres são colocadas em destaque? Por que não se destacou os figurões da cidade, visitados por Elias? Por que não se elogiou as ofertas dos ricos?

Essa é fácil! O motivo é que os valores de Deus não são os mesmos das pessoas. As pessoas gostam da ostentação. Gostam do destaque. Gostam de aparecer. Gostam dos primeiros lugares. Gostam de serem elogiadas. Gostam de serem vistas como grandes contribuintes para com as obras da igreja. Oferecem altos valores, mas quase sempre, sem valor!

Não entendeu? É Jesus quem dá a explicação: eles oferecem daquilo que lhes sobra! Ofertaram o excedente. Podem até oferecer de boa vontade, mas não lhes fará falta o que estão oferecendo. (E, o que é pior, se estão oferecendo o que lhes sobra, significa que para alguém está faltando! E se está comigo aquilo que é do outro, pois lhe está faltando, o que tenho em excesso não me pertence! E se estou ofertando o que não me pertence, minha oferta é desonesta: primeiro para com aquele que sente falta do que tenho de sobra; em segundo lugar porque se ofereço o que não é meu, a oferta não é minha, mas daqueles que não têm aquilo que me sobra!).

Não sabemos o que aconteceu com a velhinha da oferta no templo. Embora ela seja a personagem principal dessa cena, não aparece no final do ato. Por isso, não sabemos o que aconteceu no depois de sua oferta. Porém podemos imaginar!

Sabemos o que ocorreu com a velhinha que partilhou seu pão, à espera da morte: em sua despensa não mais faltou o que comer. “A farinha da vasilha não acabou nem diminuiu o óleo da jarra, conforme o que o Senhor tinha dito por intermédio de Elias” (1Rs 17,16). E isso está colocado como a nos dizer que o fruto da partilha não é o acúmulo, mas a vida; não é o excesso, mas sustento; não é o esbanjamento, mas a manutenção da solidariedade. Pois onde há solidariedade não há necessidade. Pode não haver grandes fortunas, mas existe mais vida!

E a velhinha das duas moedas?

Como Jesus a tira de cena, podemos imaginar o que lhe sucedeu. Basta atentarmos para o que lemos em hebreus (Hb 9,24-28). E podemos imaginar isso porque é Jesus o diretor das cenas. É ele quem dá o destino final para cada personagem, no enredo do teatro da vida.

O texto de hebreus nos afirma: Jesus é o sacerdote completo. Mas não um sacerdote para os templos humanos e mundanos, onde proliferam as maldades e malandragens e os jogos de interesse… Jesus é o sacerdote do templo da vida plena. E, como tal, não faz oferendas pela metade. Não age como os fariseus e os doutores e os ricos e os que buscam gloria… não! Como sacerdote do templo definitivo ele também faz uma única oferta definitiva. E a faz em favor daqueles que mereceram sua atenção no teatro da vida cotidiana e não dos personagens periféricos que aparecem apenas para realçar a importância do personagem central: as duas velhinhas.

Os sacerdotes dos templos mundanos dependem e se deliciam com as ofertas dos ricos e cobram cada vez mais ofertas ricas. E assim se multiplicam as ofertas e se distanciam do verdadeiro e definitivo sacerdote. Este não está interessado nas riquezas dos homens. Ele está interessado no valor de suas atitudes. Os sacerdotes mundanos fazem atos externos com a oferenda alheia. Jesus faz uma única oferenda de si mesmo.

E foi assim, “na plenitude dos tempos que, e de uma vez por todas” Jesus assumiu a oferta das dores da velhinha que compartilhou o pão e da outra que compartilhou duas moedas. Ocorre que, para Deus, um pedaço de pão e duas moedas valem mais que toda riqueza do mundo.




Neri de Paula Carneiro

Mestre em Educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.

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