sábado, novembro 28, 2020

Advento: Vigiai



(Reflexões baseadas em: Isaías 63,16b-17.19b;64,2b-7; 1 Coríntios 1,3-9; Marcos 13,33-37)




Estamos iniciando um novo ano litúrgico: primeiro domingo do Advento.

Estamos celebrando a esperança: apesar de toda as negligência humana, Deus não nos abandona. Mesmo e apesar da nossa infidelidade, Deus insiste em nos visitar. Ele continua acreditando em nós, apesar de nossa incredulidade; mesmo contra nossa desesperança… Por tudo isso, neste tempo de advento, Deus nos convida a dar mais uma oportunidade à esperança; ainda é possível alimentar a esperança!

É verdade que precisamos abrir um espaço em nossa agenda. E, se fizermos isso, certamente ouviremos o convite: Deus nos chama a rever nossas passos; nos convida a redefinir nossos rumos; nos propõe redefinir nossa trajetória; nos encoraja a buscá-lo em nosso caminhar.

A proposta é bastante clara, pois estamos num ponto em que precisamos tomar uma decisão: continuar nos caminhos tortuosos da indiferença para com a proposta divina degradando o mundo e vitimando nossos irmãos ou aderir ao projeto do Reino.

O profeta Isaías (63,16b-17.19b;64,2b-7) chama nossa atenção para este ponto importante: estamos nos afastando do Senhor. Diz o profeta: “Todos nós nos tornamos imundície e todas as nossas boas obras são como pano sujo. Murchamos todos como folhas e nossas maldades empurram-nos como o vento” (Is 64,5).

E assim, afastados do Senhor, uma vez que “não há quem invoque teu nome” (Is 64,6), estamos completamente atolados em nossos desatinos. Como estamos “à mercê da nossa maldade” (Is 64,6), o trem da história humana encontra-se fora dos trilhos. E, dessa forma, cresce entre nós não o projeto do Reino, mas o anti-Reino alimentado pela maldade humana que, não só cresce como também floresce e frutifica em nossa sociedade.

Prevalecendo a vontade humana e não o projeto de salvação, mesmo as ações aparentemente solidárias, altruístas não passam de “imundície”, pois o motor para essas ações está assentado nas aparências. Por isso o profeta usa a metáfora do “pano sujo” (Is 64,5): quem tenta limpar algo com um pano sujo o que faz é espalhar a sujeira. A melhor obra de caridade e os grandes gestos de solidariedade, quando não são autênticos, mas movidos pelos interesses pessoais (da política, da exploração econômica, da evidência…) ou pela sede da retribuição, pela vontade de se evidenciar… não passa de maldade humana, reflexo da nossa imundície.

Só tem valor, como semeadura do Reino, aquilo que é feito desinteressadamente. O bem que faço a alguém, argumentando que “quando eu precisar alguém fará o mesmo por mim”, não tem valor para o Reino. Nesse caso, estarei fazendo em busca do meu benefício e não pensando no outro. Faço o bem, porque desejo uma retribuição. Nesse caso eu permaneço no centro dos interesses e não na necessidade do outro.

Importa, para frutificar a semente do Reino entre nós, realizarmos não o que nos apetece, mas aquilo que é agradável ao Pai. Importa comportarmo-nos não como donos da verdade, mas como o barro na mão do oleiro, como diz o profeta: “Tu és nosso pai, nós somos o barro; tu és nosso oleiro e nós todos, obra de tuas mãos” (Is 64,7).

Por sua vez, constatando o aumento da maldade humana, as ambições humanas, as atitudes egoístas e interesseiras, entre as pessoas, Paulo orienta a comunidade de Corinto (1Cor 1,3-9), a fim de que permaneçam na graça de Deus, no seguimento de Jesus. E o apóstolo é categórico, dizendo que é Jesus quem “dará a perseverança em vosso procedimento irrepreensível” (1Cor 1,8). A graça cresce e frutifica na mesma proporção da entrega e do “testemunho” sobre Cristo (1Cor 1,6).

A fidelidade de Deus é constante e por isso, dos seus, espera a “comunhão com seu filho, Jesus Cristo” (1Cor 1,9). A fidelidade divina, sendo constante, pede, da parte humana, de nossa parte, também atitudes de fidelidade ao projeto do Reino, que se expressa em atos de “amorização”.

Isso nos conduz à proposta do tempo litúrgico que estamos celebrando: o advento é um Momento propício para deixarmos de lado as posturas tortuosos e trilhas traçadas que nos afastam do Senhor. Daí a recomendação de Jesus, narrada por Marcos (13,33-37): vigilância. Importa a postura de se deixar moldar pelo oleiro divino (Is 64,7). Importa abrir espaço para o crescimento da graça de Deus entre nós. Mas, sobretudo, importa permanecer atentos aos sinais do Reino e ao combate ao anti-Reino.

Como o joio e o trigo, as sementes do Reino e do anti-Reino estão presentes na sociedade humana. A acomodação e a negligência em relação às boas obras são a terra fértil do anti-Reino. Por seu lado a vigilância se expressa nas atitudes em favor do outro, na medida em que cada um cumpre com “sua tarefa” (Mc 13,34) de fazer crescer atos em favor do bem, em favor dos menos favorecidos, em favor de quem precisa.




Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:


quarta-feira, novembro 25, 2020

UMA CANTATA NATALINA

Estamos nos aproximando do final do ano!!!!!!!

E uma das marcas do final do ano são as diferentes comemorações!!!!

Elas podem ocorrer em família. Entre amigos. Entre colegas de trabalho...

E, aqui entre nós, entre estudantes… ou alunos, dependendo do contexto ou do caso.

Cada grupo que comemora o final do ano, tem a sua característica.

Entre os estudantes as comemorações do encerramento do ano é a euforia pela aprovação: aquele grito de “PASSEI!!!!”, precedido de tensão e apreensão e sucedido por uma pequena corrida em direção a um colega de sala: “PASSEI!!!!”. Seguem-se mais uns pulinhos e, às vezes, um abraço no colega e algumas lágrimas que demonstram o alivio e o fim da tensão...

Só que neste fim de ano, talvez não tenhamos isto…

Talvez não tenhamos isto porque não passamos pela tensão de estudar e fazer e tarefa e o professor corrigir e não estar correto e o professor não dar nota e a reclamações contra o professor que não vistou aquela tarefa e aquele caderno e… tudo isso e aquilo e mais um tanto de coisas. Este ano não termos isto. E por não termos isso, talvez não haja empolgação pelo “PASSEI!!!!”. Talvez, até, nem percebamos que terminou o ano letivo...

Simplesmente passaremos……..

Mas, fim de ano não é só isso!

Tem um monte de luzes coloridas pelas ruas, pelas lojas pelas casas… E a luz, além de iluminar, nos propõe rever o caminho percorrido.

Um caminho que, neste ano, foi horrivelmente diferente: ausências, distâncias, silêncios… e, uma palavra que tivemos que, amargamente, aprender seu significado: ISOLAMENTO. Tudo parecendo uma terrível cena de um grotesco filme de suspense e terror… só que é de verdade. E nós estivemos e ainda estamos, inseridos nesse drama.

Mas, fim de ano também tem Natal!

E com o natal vem um montão de coisas e ideias e propósitos e ESPERANÇAS……….

Principalmente a esperança de que no ano que vem tudo seja diferente… e será! E será?



Neri de Paula Carneiro

sábado, novembro 21, 2020

Cristo Rei

A liturgia, do dia em que a Igreja celebra “Jesus Cristo: Rei do Universo”, pode nos dizer muita coisa e nos orientar em relação aos nossos comportamentos. Algo que nos é dito é que Deus cuida dos seus; uma orientação diz respeito às nossas atitudes em relação às outras pessoas.

Além deste ser o último domingo do ano litúrgico, as leituras que a Igreja nos propõe para a reflexão, são um forte convite: ou estamos do lado de Deus ou estamos sem Ele. Não há meio termo. Mas o estar ou não com Deus, não depende do Senhor, mas das nossas opções. Isso fica muito claro nas palavras de Ezequiel (Ez 34,11-12.15-17). E mais nítida ainda é a afirmação de Jesus (Mt 25,31-46). As palavras do Senhor não poderiam ser mais claras: “todas as vezes que fizestes isto a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).

O profeta mostra a disposição de Deus em cuidar de nós, seu rebanho. Ele afirma: “Eu mesmo vou procurar minhas ovelhas e tomar conta delas”. E por que o senhor faz isso? Por que Ele afirma que vai cuidar de suas ovelhas? Porque os pastores, aqueles que deveriam cuidar do rebanho, as dispersou ou deixaram que se perdessem. E quando as ovelhas estavam perdidas o Senhor veio pessoalmente para resgatar o rebanho. Isso no-lo afirma o profeta e o demonstra Jesus Cristo com sua paixão e ressurreição.

Para socorrer as ovelhas extraviadas, feridas, enfraquecidas e doentes (Ez 34,16), o Senhor se coloca como pastor zeloso, cuidadoso, e pronto a fazer justiça(Ez 34,17). Em meio a essa situação catastrófica para com o rebanho, o Senhor, proprietário do rebanho, do curral e das pastagens… vem em defesa das suas ovelhas, mal cuidadas por aqueles que as deviam proteger. E o cuidado do Senhor, não será como a dos pastores irresponsáveis e negligentes. O cuidado do Senhor é feito em sintonia com o direito: contra os pastores negligentes e opressores; separando as ovelhas e os bodes (Ez 34,17).

E em defesa dos mais marginalizados e sofredores, excluídos e desprezados, Jesus se coloca como Juiz. E assume essa postura não só porque é o Senhor, filho de Deus, mas porque é o Rei e soberano do universo (Mt 25,31).

A pergunta que nos colocamos, neste ponto é: por que um Deus tão compassivo e disposto ao perdão assume sua majestade e se coloca como juiz definitivo? Ou, dizendo de outra forma: Por que o Senhor, em sua vinda gloriosa, separará ovelhas e cabritos?

A primeira resposta é a afirmação de que a convivência com os maus pastores corrompeu o rebanho. Por causa dos maus pastores muitos se afastaram da proposta inicial, apresentada ainda no livro do Gênesis: Deus viu que tudo que havia feito era bom e deu aos seres humanos uma só missão: a missão do crescimento.

A segunda resposta diz respeito a cada um de nós e vale para todos os tempos. Trata-se das nossas atitudes. Noutras palavra: não é o Senhor que fará a separação, mas aquilo que tivermos realizado é que mostrará a nossa essência.

Assentado sobre seu trono de glória, Jesus, o pastor eterno, chamará a todos. Ovelhas e bodes; bons e maus. “Todos os povos da terra serão reunidos diante dele” (Mt25,32). Então é que fará a seleção. Então é que apresentará sua lista com os critérios seletivos. Então cada um olhará para aquilo que tiver realizado ao longo de sua vida, como quem olha em um espelho.

E, então, nos veremos como somos.

E, então, não é o Senhor quem julga, mas cada um de nós é que nos aproximaremos do Senhor, em função das nossas obras; ou nos afastaremos dele, envergonhados por tudo que tivermos realizado ao longo de nossa vida.

Os atos dos nossos pais do Gênesis inseriram no mundo o germe da maldade, nos ensina Paulo (1 Cor 15,20-26.28). Mas pelos méritos de Jesus, tivemos nova oportunidade.

E essa nova oportunidade, selada com o sangue na Cruz, é a face do espelho diante do qual nos colocaremos para nos olharmos em plenitude.

Esse espelho nos mostra que não é o Rei do Universo que nos julga, mas as nossas atitudes cotidianas. O juiz definitivo, portanto, não é o Senhor, mas nós mesmos ao percebermos se cumprimos ou não as exigências, os critérios do Reino.

O senhor está de braços abertos para nos acolher. O reflexo das nossas obras nos impulsionará para retribuirmos ao abraço definitivo; ou nos obrigará a nos afastarmos, curtindo uma eternidade de vergonha e remorsos por não termos feito aquilo que poderia sanar a dor dos menores irmãos do Senhor.

Neri de Paula Carneiro

sábado, novembro 14, 2020

Os talentos

O que nos vem à cabeça quando ouvimos ou falamos ou lemos a palavra talento?

Parece que a maioria de nós pensa em uma determinada habilidade para realizar algo: fulano tem talento para a música; aquele menino tem talento para contar piada. Aquela menina é uma dançarina talentosa… Ou seja, ao mencionarmos talento, estamos nos referindo a uma qualidade; uma característica que tem a ver com algo valoroso.

E o que nos vem a cabeça quando lemos, nos textos bíblicos, a palavra talento?

Essa é uma das questões que a liturgia nos apresenta neste trigésimo terceiro domingo do tempo comum. Então, de que nos lembramos quando lemos, na bíblia, a palavra talento?

Parece que nos vem a cabeça a ideia de moeda, pagamento, recompensa, retribuição… Parece que nos lembramos mais de aspectos econômicos do que de habilidades. Parece que tem algo a ver com valor, sim, mas valor econômico.

Voltemos à questão: o que, exatamente, significa o talento bíblico? Essa é a questão que nos é apresentada por Mateus (Mt 25,14-30), no trecho conhecido como parábola dos talentos. Também o livro dos Provérbios apresenta as características de uma mulher virtuosa (Pr. 31,10-13.19-20.30-31), ou “talentosa” (Pr. 31,10). Até mesmo Paulo, na segunda leitura, da carta aos Tessalonicenses (1 Ts 5,1-6), chama a atenção para uma virtude, um talento, uma habilidade, que a comunidade deve preservar: a vigilância (1 Ts 5,6)

Então voltemos à questão: o que é o talento, na bíblia?

Não se trata, nem de uma moeda nem de uma virtude ou habilidade. Trata-se de uma unidade de medida de volume. Popularmente chamaríamos de peso. E, mais especificamente, o talento, correspondia ao volume que podia variar entre aproximadamente 30 a 40 quilos, dependendo do lugar e da época. Parece que no tempo de Jesus correspondia a um volume entre 25 a 30 quilos.

Poderíamos dizer, portanto, que na parábola narrada por Mateus os servos receberam, respectivamente (Mt 25,15): o primeiro, cinco talentos correspondendo a aproximadamente 150 quilos dos bens do seu patrão; o outro recebeu dois talentos, que correspondia a aproximadamente 60 quilos dos bens do patrão. E o terceiro recebeu um talento que correspondia a aproximadamente 30 quilos dos bens do patrão.

Esses bens tanto podiam ser em ouro como em prata – ou outro bem. Mas como os dois primeiros aplicaram os talentos e ao retornar o patrão repreende ao terceiro por não ter aplicado nem depositado o dinheiro no banco (Mt 25,27), isso nos leva a supor ou a imaginar que eram moedas de ouro ou prata. O primeiro transformou os cinco em dez; o segundo transformou os dois em quatro. E o terceiro escondeu o tesouro (afinal, trinta quilos de prata/ouro é um tesouro, é um valor alto)…

Agora, convenhamos: será que Jesus estava querendo falar a respeito de riquezas, de ouro e prata? Ou ele queria chamar nossa atenção para algo que vai além e muito superior ao valor econômico?

Com certeza não estava interessado em ouro ou prata. Estava interessado nas posturas. Nos comportamentos, nas atitudes. Usa a metáfora do talento, por isso o gênero literário das parábolas, para chamar a atenção em relação a uma postura muito mais importante: ser capaz de agir e não de se esconder. Importa ser capaz de realizar as obras da construção do reino e não se omitir, como o servo que escondeu o tesouro.

Isso nos é demonstrado na descrição da mulher ideal. Notemos que as virtudes elogiadas, em primeiro lugar não são os dotes domésticos, mas o fato de ser merecedora de confiança (Pr 31,11) e promotora da felicidade (Pr 31,12). Suas mãos são elogiadas, por executarem algumas tarefas (Pr 31,13.19), mas sua principal virtude é a generosidade para com o necessitado (Pr 31,20) e sua fé no Senhor (Pr 31,30).

Paulo reforça a importância da postura voltada não para os valores econômicos, mas para aqueles que podem conduzir à vida. O apóstolo não diz que os bens materiais são imprestáveis ou que sua posse é condenável. Afirma que a base da confiança não são os bens, mas a vigilância. Não basta ter tudo e acreditar que isso trará “paz e segurança” (1 Ts 5,3). A verdadeira segurança não se deposita nos bancos, mas está depositada na confiança para com o Senhor. O acúmulo dos bens, ao invés de produzir confiança e agradecimento ao Senhor, leva a acomodação e à displicência. O verdadeiro valor se manifesta na vigilância. “Portanto, não durmamos, como os outros, mas vigiemos e sejamos sóbrios” (1Ts 5,6).

E isso nos traz de volta à narrativa de Mateus. O discurso tem, sim, uma base econômica, mas a parábola, como é de sua natureza, leva para algo que está além; a parábola é uma comparação que arremete àquilo que realmente importa: fazer com que o servo (o cristão) que é fiel, ou seja, aquele que faz de sua vida uma ação transformadora para mais, possa participar das alegrias do Senhor: “Parabéns, servo bom e fiel! Como te mostraste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da alegria do teu senhor!” (Mt 25,21.23).

Em compensação, aquele que se diz cristão, mas não faz nenhuma ação transformadora, em sua vida nem na sociedade, esse é o servo “mau e preguiçoso” (Mt 25,26). Esse merece ser descartado (Mt 25,30).

E a nós, cabe nos perguntarmos: qual tem sido nossa ação? Como temos nos comportado? Qual servo nós somos?




Neri de Paula Carneiro

domingo, novembro 08, 2020

O noivo está chegando


“O Noivo está chegando” (Mt 25,6), foi o grito que se ouviu no meio da noite. Claro que esse grito, avisando a chegada daquele que, na cultura judaica, é o centro da cerimônia. Esse grito mostra a essência da mensagem de Mateus (Mt 25,1-13), neste trigésimo segundo domingo do tempo comum, quando somos convidados atender ao apelo da Sabedoria.

A pergunta que agora se faz é: qual o significado dessa parábola, narrada por Mateus? A resposta está no conjunto das leituras que a Igreja nos apresenta para esta celebração.

O livro da Sabedoria (Sb 6,12-16) dá a primeira dica: mostra algumas características da Sabedoria que, em várias passagens da Bíblia, pode ser identificada com o Espírito Santo. A primeira característica é a afirmação de que a “Sabedoria é luminosa” (Sb 6,12). Essa luz permite que ela seja contemplada e encontrada pelos que a procuram. Ela mostra-se àqueles que a desejam (Sb 6,13). Mais do que isso, a Sabedoria não só se mostra como também “sai à procura dos que dela são dignos” (Sb 6,16).

Isso implica dizer que a Sabedoria, dom do Espírito, é compartilhada por Deus com quem a procura, mas essa busca implica na dignidade, ou seja, no merecimento.

Isso implica dizer,também, que muitos a buscam, mas são indignos dela. Esses podem até praticar atos inteligentes, ter posturas que aparentam sabedoria, mas não passam de atos interesseiros. Não se trata de sabedoria, mas de esperteza. Aqueles golpes maravilhosos efetuados pelos malandros; aquelas artimanhas e emaranhados de falcatruas dos políticos… aparentam sabedoria, mas demonstram apenas a esperteza. A esperteza que não é uma face da sabedoria, mas uma demonstração de capacidade para enganar os outros. Isso não é divino, pelo contrário: é diabólico.

Cada um dos políticos que enganam o povo com belos discursos ou cada golpe dos espertalhões de plantão, não evidenciam uma expressão da sabedoria, mas uma demonstração de sua face diabólica. A esperteza é diabólica, porque não pensa no crescimento coletivo. E, por ser individualista, busca apenas a vantagem pessoal; a sabedoria é divina, pois sua preocupação é o crescimento de todos; é a satisfação e felicidade de todos.

A sabedoria, são as cinco acompanhantes do cortejo nupcial, que levaram não só as lamparinas acesas, mas também o óleo para reabastecê-las ao longo da festa (Mt 25,4). A esperteza são as cinco acompanhantes que somente levaram as tochas acesas, sem o combustível para abastecimento (Mt 25,2). E, pior ainda, em sua tentativa de se dar bem e tirar proveito da sabedoria das outras, tentaram extorquí-las: “Dá, nos um pouco do seu óleo” (Mt 25,8).

Mas a sabedoria, orienta e corrige a malandragem, sem ser mesquinho: “Não podemos fazer essa doação porque, se a fizermos ficaremos todas desabastecidas e a festa perderá o brilho.” A sabedoria mostra o caminho da honestidade e sensatez: “Da mesma forma que nós fomos ao mercado e compramos, vão vocês também. Comprem o que lhes falta e todos teremos o suficiente” (Mt 25,9). 

Só a sabedoria pode se contrapor aos espertalhões. Só a sabedoria pode construir a justiça e a equidade. Só a sabedoria pode desbancar os espertalhões e aproveitadores.

Por isso, na parábola, Jesus mostra que as acompanhantes descuidadas, mas aproveitadores, não se deram bem, pois ao terem seu golpe desmascarado, foram obrigadas a buscar, por conta própria, a solução de sua deficiência: “vão vocês mesmas comprar o que lhes falta”. E, por não estarem preparadas; por terem tentado se aproveitar das outras; por terem deixado pra depois; por terem ido às compras fora de hora… essas cinco moças foram deixadas de fora e não puderam participar da festa (Mt 25,12).

Nessa perspectiva, também podemos entender a carta de Paulo aos tessalonicenses (1 Ts 4,13-18). Nem na vida nem na morte o cristão pode se esquivar à fazer justiça. Nem na vida nem na morte há privilégios, há apenas compromisso com a equidade e com a ordem estabelecida pelo Senhor.

E, de Jesus, ouvimos o conselho: “Vigiai, pois não sabeis o dia, nem a hora” (Mt 25,13). São necessárias a vigilância e a sabedoria. É a sabedoria que determina o grau de vigilância e o comprometimento com a chegada do Noivo, convidando a todos para a festa no céu.

O Noivo concede a liberdade para que as pessoas não se preparem, para a festa. E, nesse caso, até tolera e aceita que se tente sanar a deficiência. Mas para isso tem que haver honestidade e não tentativa de se aproveitar do outro.

Todos são convidados para a festa. Só não temos a informação sobre o momento em que ela vai começar. Por isso, é necessário sermos sábios, sem apelar para a postura aproveitadora; por isso é necessário ver o que temos para contribuir e não só quer tirar vantagem.

É a sabedoria que nos permitirá acompanhar o Noivo quando soar o grito: “O noivo está chegando!”




Neri de Paula Carneiro

domingo, novembro 01, 2020

Finados: um exame de vida

Na celebração do dia de Finados podemos nos lembrar que “o caminho da vida é a morte”, como contou Raul Seixas no último verso de sua música “Caminhos”. Com isso, certamente, querendo nos dizer que ao ser vivo não há outra alternativa: vive por um período, que pode ser curto ou longo, mas esse período, invariavelmente, termina quando ocorre o encontro com a morte.

Também nós, em um escrito para a filosofia, havíamos dito que o sentido da vida é a morte. E, em nosso livro, “Filosofia dos muros” mencionamos uma frase, pichada no muro de um cemitério, em Londrina: “Caminhe pela vida e encontre seu objetivo: a morte”.

Como você pode ter percebido, nestes dois parágrafos mencionamos: finados, cemitério e a palavra morte por quatro vezes. E mais, se o “caminho da vida”, o sentido da vida e o objetivo da vida encontram-se na morte, podemos nos perguntar: Qual o sentido da morte?

Aparentemente, na música de Raul Seixas e no muro do cemitério, a palavra morte está associada a uma ideia de término. E até a denominação de “dia de finados” está associada à ideia de fim, pois o finado é aquele que finalizou. Chegou ao ponto final. Terminou. Assim, o dia de finados, é o dia dos mortos; e poderia ser entendido como o dia em que se celebra aqueles que chegaram ao ponto final de suas vidas; aqueles cujas vidas terminou. Essa, de fato, é uma das faces do dia de finados.

Mas se atentarmos para as leituras que a liturgia do dia de finados, ou dos “fiéis defuntos”, como a Igreja denomina este dia, notaremos que se pode desenvolver outra compreensão a respeito deste dia. Quando prestarmos atenção às leituras notaremos que não se celebra a morte como um fim, mas como preparação para uma vida plena.

No texto extraído do livro de Jó (19,1.23-27) a tônica é a Esperança. Por que Jó tem esperança? Ele responde: “Porque meu redentor está vivo”. E completa dizendo que no final o redentor “se levantará sobre o pó! (Jó, 19,23-24). E conclui afirmando que em seu momento final “Eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão” (Jó 19,27). Isso implica dizer que, haverá, sim o processo da morte, mas esse processo não é o fim. Não é o ponto final. É, no máximo, uma vírgula, para levar o discurso adiante. A morte é a ponte que liga a vida a outra vida.

Seguindo adiante, na carta de Paulo aos romanos (Rm 5,5-11) a tônica da esperança se mantém. Escrevendo à comunidade de Roma o apóstolo afirma que “a esperança não decepciona” (Rm 5,5). E por que a esperança não decepciona? Porque ela procede da própria vida de Cristo. É a vida, morte e ressurreição de Cristo que nos fazem ter esperança. A morte de Jesus, portanto é, além de sinal de esperança, certeza da reconciliação com o Pai. Em nossa vida cotidiana, frequentemente nos afastamos de Deus, mesmo assim Ele nos oferece a reconciliação pois “fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, quanto mais agora, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida” (Rm 5,10). Essa, portanto é a nossa esperança: em nossas limitações podermos contar com o suporte do sangue derramado pelo Senhor, mostrando-nos que a morte não é definitiva, pois do sangue derramado nasce a vida nova na ressurreição, abrindo e mostrando-nos o caminho.

Outra indicação da transitoriedade da morte são as palavras do próprio Jesus, narradas por João (6,37-40). Jesus afirma ter vindo cumprir a vontade do Pai, que é resgatar a todos. Ele afirma: “Todo aquele que o Pai me dá, virá a mim, e quem vem a mim eu não lançarei fora” (Jo 6,37). Jesus, cumprindo a vontade do Pai, é canal e caminho seguro para chegar ao Pai: “E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu, mas os ressuscite no último dia” (Jo 6,40).

Então o que celebramos no dia de finados, na celebração dos “fiéis defuntos”? Não celebramos a morte, mas a vida. Celebramos a certeza da vitória da vida sobre a morte. Celebramos a certeza de que, a vida presente tem prazo de validade, mas a vida que nos espera é eterna.

Além disso, também podemos celebrar nossa esperança. Não uma esperança que lança tudo para um depois indefinido, mas aquela esperança que nos faz caminhar. Aquela esperança que nos lança em frente na construção dos nossos projetos.

Mais ainda. Celebrar o dia de finados implica em fazer um exame de vida. E a preocupação de nossas reflexões não deveria ser com a morte, mas com a vida. A morte é certa, mas o que conta é a vida que levamos para o momento de nossa morte. Portanto não deveríamos nos preocupar com a morte ou em saber “qual será a forma de minha morte?” (como contou Raul Seixas) mas nos indagar “como estou conduzindo minha vida?”

Justamente por esse motivo a Igreja nos propõe a celebração de Todos os Santos antes do dia de finados. Ao celebrar todos os santos somos convidados a rever nossa vida construindo nossa santidade para, ao chegar o dia de finados e o nosso dia final, termos uma vida santa para entregar ao Pai.

Neri de Paula Carneiro

Sagrada Família: para se cumprir!

Reflexões baseadas em: Eclo 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Mt 2,13-15.19-23 Todos os que, de alguma forma, tiveram contato com os ensinamentos d...