(Reflexões baseadas em: Isaías 63,16b-17.19b;64,2b-7; 1 Coríntios 1,3-9; Marcos 13,33-37)
Estamos iniciando um novo ano litúrgico: primeiro domingo do Advento.
Estamos celebrando a esperança: apesar de toda as negligência humana, Deus não nos abandona. Mesmo e apesar da nossa infidelidade, Deus insiste em nos visitar. Ele continua acreditando em nós, apesar de nossa incredulidade; mesmo contra nossa desesperança… Por tudo isso, neste tempo de advento, Deus nos convida a dar mais uma oportunidade à esperança; ainda é possível alimentar a esperança!
É verdade que precisamos abrir um espaço em nossa agenda. E, se fizermos isso, certamente ouviremos o convite: Deus nos chama a rever nossas passos; nos convida a redefinir nossos rumos; nos propõe redefinir nossa trajetória; nos encoraja a buscá-lo em nosso caminhar.
A proposta é bastante clara, pois estamos num ponto em que precisamos tomar uma decisão: continuar nos caminhos tortuosos da indiferença para com a proposta divina degradando o mundo e vitimando nossos irmãos ou aderir ao projeto do Reino.
O profeta Isaías (63,16b-17.19b;64,2b-7) chama nossa atenção para este ponto importante: estamos nos afastando do Senhor. Diz o profeta: “Todos nós nos tornamos imundície e todas as nossas boas obras são como pano sujo. Murchamos todos como folhas e nossas maldades empurram-nos como o vento” (Is 64,5).
E assim, afastados do Senhor, uma vez que “não há quem invoque teu nome” (Is 64,6), estamos completamente atolados em nossos desatinos. Como estamos “à mercê da nossa maldade” (Is 64,6), o trem da história humana encontra-se fora dos trilhos. E, dessa forma, cresce entre nós não o projeto do Reino, mas o anti-Reino alimentado pela maldade humana que, não só cresce como também floresce e frutifica em nossa sociedade.
Prevalecendo a vontade humana e não o projeto de salvação, mesmo as ações aparentemente solidárias, altruístas não passam de “imundície”, pois o motor para essas ações está assentado nas aparências. Por isso o profeta usa a metáfora do “pano sujo” (Is 64,5): quem tenta limpar algo com um pano sujo o que faz é espalhar a sujeira. A melhor obra de caridade e os grandes gestos de solidariedade, quando não são autênticos, mas movidos pelos interesses pessoais (da política, da exploração econômica, da evidência…) ou pela sede da retribuição, pela vontade de se evidenciar… não passa de maldade humana, reflexo da nossa imundície.
Só tem valor, como semeadura do Reino, aquilo que é feito desinteressadamente. O bem que faço a alguém, argumentando que “quando eu precisar alguém fará o mesmo por mim”, não tem valor para o Reino. Nesse caso, estarei fazendo em busca do meu benefício e não pensando no outro. Faço o bem, porque desejo uma retribuição. Nesse caso eu permaneço no centro dos interesses e não na necessidade do outro.
Importa, para frutificar a semente do Reino entre nós, realizarmos não o que nos apetece, mas aquilo que é agradável ao Pai. Importa comportarmo-nos não como donos da verdade, mas como o barro na mão do oleiro, como diz o profeta: “Tu és nosso pai, nós somos o barro; tu és nosso oleiro e nós todos, obra de tuas mãos” (Is 64,7).
Por sua vez, constatando o aumento da maldade humana, as ambições humanas, as atitudes egoístas e interesseiras, entre as pessoas, Paulo orienta a comunidade de Corinto (1Cor 1,3-9), a fim de que permaneçam na graça de Deus, no seguimento de Jesus. E o apóstolo é categórico, dizendo que é Jesus quem “dará a perseverança em vosso procedimento irrepreensível” (1Cor 1,8). A graça cresce e frutifica na mesma proporção da entrega e do “testemunho” sobre Cristo (1Cor 1,6).
A fidelidade de Deus é constante e por isso, dos seus, espera a “comunhão com seu filho, Jesus Cristo” (1Cor 1,9). A fidelidade divina, sendo constante, pede, da parte humana, de nossa parte, também atitudes de fidelidade ao projeto do Reino, que se expressa em atos de “amorização”.
Isso nos conduz à proposta do tempo litúrgico que estamos celebrando: o advento é um Momento propício para deixarmos de lado as posturas tortuosos e trilhas traçadas que nos afastam do Senhor. Daí a recomendação de Jesus, narrada por Marcos (13,33-37): vigilância. Importa a postura de se deixar moldar pelo oleiro divino (Is 64,7). Importa abrir espaço para o crescimento da graça de Deus entre nós. Mas, sobretudo, importa permanecer atentos aos sinais do Reino e ao combate ao anti-Reino.
Como o joio e o trigo, as sementes do Reino e do anti-Reino estão presentes na sociedade humana. A acomodação e a negligência em relação às boas obras são a terra fértil do anti-Reino. Por seu lado a vigilância se expressa nas atitudes em favor do outro, na medida em que cada um cumpre com “sua tarefa” (Mc 13,34) de fazer crescer atos em favor do bem, em favor dos menos favorecidos, em favor de quem precisa.
Neri de Paula Carneiro.
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;