sexta-feira, 22 de maio de 2020

Olhando para o céu

(Reflexões baseadas em: Atos dos Apóstolos 1,1-11; Efésios 1,17-23; Mateus 28,16-20)




Neste dia da Ascensão do Senhor, nos é apresentado um programa do vida. Podemos segui-lo ou não. Mas não há como ignorar o apelo.

Podemos dizer não, mas isso não significa que o convite não nos foi feito.

Mas qual é o convite?

Saber para onde olhar. E dirigir nossos passos, nossa vida, nessa direção.

Como saber qual é essa direção?

O autor dos Atos dos Apóstolos (At 1,1-11) nos ajuda a entender.

Dirige seu escrito a Teófilo. E quem é esse personagem? Talvez nunca tenhamos certeza, mas podemos fazer uma suposição. Teófilo significa Amigo de Deus. E quem é “amigo de Deus”? Muito mais do que uma pessoa, trata-se da própria comunidade daqueles que seguem os ensinamentos de Jesus. Dizemos isso a partir da prática de Jesus, visto que ele sempre esteve rodeados de seguidores, seus amigos. E hoje, nós somos essa comunidade dos seguidores de Jesus. Portanto o texto é dirigido a nós.

Notemos que Jesus, antes de partir, dá “instruções pelo Espírito Santo, aos apóstolos que tinha escolhido” (At 1,2). Entretanto, os discípulos ainda não haviam entendido sua mensagem, pois indagam: “é agora que vais restaurar o Reino em Israel?”(At 1,6). Talvez por isso eles permaneceram parados, “olhando para o céu” (At 1,10-11).

O fato é que a proposta de Jesus é muito mais radical. Ele não nos quer parados, “olhando para o céu” . Não nos quer parados, abobalhados, em adoração descomprometida. Ele nos quer como testemunhas. Para isso concede os dons do Espírito de Amor: “para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, e até os confins da terra.” (At 1,7)

Aos discípulos e apóstolos coube a missão de testemunhar sua proposta “até os confins da terra”. Impelidos pelo Espírito os discípulos cumpriram essa missão e a proposta de Jesus chegou a nós que somos, hoje, os Teófilo/amigos de Deus. E, batizados que somos, temos a mesma missão: Ser testemunha!

Essa condição de testemunha pode nos parecer estranha ou pode nos gerar a indagação: em que consiste o ser testemunha?

Paulo, na carta aos Efésios (1,17-23), ajuda nessa compreensão. Primeiro afirma que o Pai, merecedor de glória, conferirá o Espírito de sabedoria. É Ele que confere o conhecimento e a esperança que consiste em acompanhar a Jesus sentado junto ao Pai, como cabeça da Igreja.

Ou seja, ser testemunha implica em que o cristão, corpo da Igreja, da qual Jesus é a cabeça, mantenha-se fiel à missão de Cristo. A plenitude do corpo é estar associado à cabeça.

Ser testemunha, além disso, não é permanecer prostrados diante do Senhor, como os discípulos, na narrativa de Mateus (Mt 28,16-20). Permanecer prostrado, ou seja, com a cabeça no chão, tem a mesmo alcance negativo do “olhando para o céu”. Essa é a atitude do descompromisso. Quem está descomprometido com a missão pode se dar ao luxo de permanecer “olhando para o céu” ou prostrado, imóvel, nessa posição não vê a realidade sofrida do povo a qual deve ser transformada a partir do testemunho.

Estar prostrado ou olhando para o céu é a postura oposta ao ser testemunha. Isso não significa que não se possa reconhecer a divindade de Jesus (prostrar-se), nem almejar nosso destino (olhar para o céu). Significa, sim estar aberto para receber a missão.

Ser testemunha, portanto, é estar pronto colocando-se em posição de quem deseja colaborar com a missão ao receber a incumbência de ir e fazer discípulos, como Jesus orienta: “ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei!” (Mt 28,19-20).

Faz-se necessário que nós cristãos façamos uma revisão em relação aos nossos propósitos de vida. Com certeza é necessário alimentar a esperança, e por isso se deve olhar para o céu. Com certeza se deve reconhecer no Senhor seu poder, e por isso prostrar-se em adoração. Mas, também com certeza, a adoração e a esperança precisam de uma dimensão ativa: agir no mundo, não só batizando, mas principalmente ajudando todos a na observância do que nos foi ensinado. Faz-se necessária a postura ativa para transformar as estruturas que produzem dor e morte.

Jesus não permanece conosco porque o adoramos e mantemos a esperança do céu, mas porque colaboramos em sua obra. É a necessidade da colaboração com o Senhor que ocasionou a interpelação do anjo: Por que estais ai olhando para o céu? É a colaboração com a missão que assegura a promessa: “Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28,20).

Cada um de nós pode se perguntar: qual é meu programa de vida? Como estou respondendo ao apelo do Senhor? Descomprometidos, olhando para o céu ou comprometidos com o testemunho?


Neri de Paula Carneiro.

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Outros escritos do autor:

Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;

Literatura:https://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=220242

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