Que
nem galinha
Peço
licença ao
colega, já falecido, Luiz Carlos Passos, missionário jesuíta em
terras do antigo território de Rondônia. Naquela época ele cantava
contra o MOBRAL, que alguns, com certeza hão de lembrar. Naquela
época criticar as obras da ditadura era perigoso. Hoje tudo mudou:
as coisa pioraram muito. A vantagem é que a gente tem a sensação
de liberdade de expressão, coisa que não tínhamos naquela época.
Minha
paródia já circula na internet, mas sua música parece que
desapareceu. Aqui estou
retomando minha paródia para convocar pais e professores a uma
reflexão. Afinal o que é que queremos dessa panela de pressão que
ganhou o apelido de escola:
“Ai, ai seu doutor, o professor
é que nem galinha:
toma no rabo e sai cantando uma
modinha!
Todo dia o aluno chega e entra. É
a mesma lenga lenga: não estuda e quer passar
Analiso e desprezo esta jogada
que fabrica analfabeto que tem pinta de doutor.
É vergonha nacional
Ai, ai seu doutor, o professor é
que nem galinha:
toma no rabo e sai cantando uma
modinha!
Todo dia o professor é execrado
é portaria e decreto para tudo piorar.
Não reage, feito vaca de
presépio é usado o tempo todo pro sistema preservar
'Tô na rede social!'
Ai, ai seu doutor o professor é
que nem galinha:
toma no rabo e sai cantando uma
modinha!”
A troco de quê estou retomado
isso? Perguntarão alguns. É que ando indignado com o que ocorre.
Todos vêm mas parece que estão cegos.
Minha indignação não é só
porque o professor vem tomando... de aluno, de sistema, de escola, de
governo, dos pais … e da sociedade toda. Toma todo dia (talvez por
isso o Passos dizia que é “que nem galinha”) enquanto está
lecionando. Mas chega o dia em que isso acaba: é quando o aluno, já
de-formado pelo sistema, lá no mercado de trabalho quando não dará
conta de preencher um recibo ou calcular mentalmente um toco de uma
compra de sete reais para a qual o cliente pagou com dez reais...
Nessas circunstâncias haverá alguém que dirá que a culpa é da
escola... – que “não ensinou direito”. Aí culparão a escola
mas, por extensão, a culpa recairá sobre o professor – ele será
aquele que “não ensinou direito”, dirão. E então o
professor tomará novamente!
Estou a ponto de dizer que “perdi
a fé no ser humano”. Estou a ponto de me postar contra o
Gonzaguinha, quando cantou: “fé na vida fé no homem, fé no que
virá. Nós podemos tudo, nós podemos mais. Vamos lá fazer o que
será”
Na escola, na sociedade, na
economia, na política... só se vê gente querendo pisar em gente. A
indecência se impondo sobre aquilo em que todos dizem acreditar.
Valores sociais e humanos indo pelo ralo e nós assistindo a tudo
como um filme na TV. Parece que perdemos nossa capacidade de nos
indignar. Parece que os dramas do mar de lama que nos sufoca não nos
dizem respeito. Parece que não acreditamos que as coisas podem
piorar e que não estamos fazendo nada para impedir.
Foi aí que recordei a música do
colega, lá dos anos 1980. Ele dizia: “todo dia, o aluno chega e
senta. Ouve a mesma lenga-lenga. Só escreve o que mandar. Analisa
com desprezo esporte e moda. Vibra com nosso progresso que é fruto
do MOBRAL, a vergonha nacional”
Querem impingir a
responsabilidade pela mudança ao professor. Mas o professor é
vítima do sistema. Ele é quem “toma... e sai cantando” . Se
algo tem que mudar são as nossas atitudes. Caso contrário
continuaremos tomando... e cantando... que nem galinha!
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo,
teólogo, historiador
Rolim de Moura – RO
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