(Reflexões baseadas em: Ez 2,2-5; 2Cor 12,7-10; Mc 6,1-6)
A Palavra de Jesus, não só parece, mas é verdadeiramente dirigida a cada um de nós. Entre outros motivos para nos questionar a respeito de como tratamos as pessoas que estão próximas de nós e como tratamos os estranhos. É o próprio Senhor quem faz a constatação (Mc 6,1-6). E a palavra de Jesus está em sintonia com a profecia de Ezequiel (Ez 2,2-5). A explicação para essa nossa atitude vem das palavras de Paulo (2Cor 12,7-10).
Vejamos como isso acontece.
Tudo começa quando Ezequiel recebe a missão do Senhor. O profeta deve dirigir-se aos israelitas, uma “nação de rebeldes”; sua missão que consiste em dirigir-se àqueles “que se afastaram de mim”. Esses rebeldes formam um grupo de “cabeça dura e coração de pedra”.
O Senhor já sabe que seu profeta não será levado em conta, por isso alerta a Ezequiel que deve transmitir a mensagem do Senhor, “quer te escutem ou não”. Esse “bando de rebeldes” ficará sabendo que as consequências nefastas que se manifestarão em suas vidas poderiam ser evitadas se tivessem levado em canta que “houve um profeta entre eles”.
Consequências negativas que ocorrem não por “castigo de Deus”, mas porque esse “bando de rebeldes” não foi capaz de ouvir os alertas. Qualquer pessoa de bom senso, ao ser alertada sobre um perigo, o mínimo que faz é analisar os fatos e verificar a pertinência do alerta.
Mas, neste caso, o “bando de rebeldes”, os “filhos de cabeça dura e coração de pedra” não quis saber de, ao menos, considerar os alertas do profeta. E não o fez exatamente por ser alguém próximo a eles. Ezequiel não era um figurão. Não era uma pessoa famosa. Não era um ídolo da grande mídia. Não era um estranho… pelo contrário, era alguém que convivia com seus ouvintes; era o “sacerdote Ezequiel, filho de Buzi” (Ez 1,3).
Esse é o nosso retrato! Assim agimos nós! Valorizamos o estanho, o estrangeiro, o famoso… mas não damos valor a quem conosco vive e convive em nosso cotidiano. Consumimos a marca famosa e não o produto do nosso vizinho.
Essa foi a “bronca de Jesus” ao visitar Nazaré, sua terra, juntamente com seus discípulos. Depois de uns tempos perambulando e pregando e curando e anunciando o Reino, voltou para sua terra e foi visitar os parentes. E no dia destinado às orações comunitárias, juntamente com os discípulos e, certamente, com Maria sua mãe, foi à sinagoga.
Aos seus parentes e amigos e conhecidos, da cidadezinha de Nazaré, foi que “começou a ensinar na sinagoga”. E justamente esses foram os que estranharam sua pregação: “De onde recebeu ele tudo isto? Como conseguiu tanta sabedoria?”. Diziam isso como a dizer: “alguém aqui da nossa cidade não pode ser sábio”. Falaram isso como quem diz: “Alguém que vimos crescer não pode ser, assim, tão sábio”. E por isso desdenharam: “Esse não é o carpinteiro, filho de Maria?”
Não só desdenharam, “ficaram escandalizados por causa dele”!
Mas, por que isso ocorreu? Porque, para eles, até aquele momento, Jesus era uma pessoa comum. E, da mesma forma que ocorre conosco, queriam saber coisas de gente famosa. Queriam, como também ocorre conosco, discursos bem elaborados, com palavras difíceis, com frases rebuscadas e incompreensíveis… para, só assim, darem valor.
Por isso foi que Jesus disse a eles, e o repete cotidianamente a cada um de nós: “Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares”.
Façamos um exame de vida. Analisemos nossos comportamentos: Como temos tratado aqueles que convivem conosco? Com que valor olhamos ou ouvimos os estranhos? Como estamos tratando nossos pais, nossos maridos, nossas esposas, nossos filhos? Como temos tratado aqueles que convivem conosco? Será que Jesus também está admirado com a nossa falta de fé naqueles que vivem ao nosso redor?
Essas indagações são necessárias pois a resposta que a elas damos é o que vai explicar o porquê de não vermos milagres entre nós. Ali onde não foi reconhecido, em Nazaré, Jesus “não pode fazer milagre algum”. Ali Jesus ficou admirado com a tamanha falta de fé. E o mesmo vale para nós: se não aprendemos a valorizar quem convive conosco; se não acreditamos no potencial de quem está entre nós… também não temos fé no Senhor a quem não vemos. E não o vemos porque não somos capazes de enxergá-lo na pessoa que está ao nosso lado. Não somos capazes de reconhecer o Senhor nas pessoas que realizam maravilhas ao nosso redor e por isso também não temos fé no Senhor que, neste caso, não passa de um personagem de uma história comovente que conhecemos só por tradição…
Por isso a importância do convite do apóstolo Paulo. Diz ele ser necessário prestar atenção não na grandeza das coisas e das pessoas, mas na singeleza da graça. Diz ele que a “extraordinária grandeza das revelações não me ensoberbecesse”. Diz ele o que aprendeu do Senhor: “Basta-te a minha graça. Pois é na fraqueza que a força se manifesta”.
Então, o que somos: um bando de rebeldes? Como disse o profeta. Um grupo que se escandaliza pela graça de Deus estar atuando em nossos vizinhos? Como fizeram os parentes de Jesus. Ou agimos como o apóstolo Paulo, aprendendo a valorizar nossas fraquezas e a força daqueles que estão ao nosso redor?
Neri de Paula Carneiro
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
Outros escritos do autor:
Filosofia, História, Religião: https://www.webartigos.com/index.php/autores/npcarneiro;
Literatura: https://www.recantodasletras.com.br/autores/neripcarneiro.
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador
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